quinta-feira, 16 de agosto de 2007

A previdência e o risco

Valor Econômico 16/8/2007

Luciana Monteiro

A crise internacional dos mercados financeiros pegou os investidores de previdência privada em pleno processo de aumento de risco de suas aplicações. Com a taxa de juros no menor nível da história do país, muitos resolveram diversificar com fundos que investem em ações. Dados do relatório mensal do site financeiro Fortuna mostram que cresceu fortemente em julho a captação em fundos de renda variável, ou seja, ações e multimercados, enquanto os fundos DI e renda fixa tiveram saques pela primeira vez.
Diante da correção atual dos mercados, no entanto, muitos se perguntam o que fazer: manter as aplicações ou migrar? Os especialistas dizem que não há motivos para pânico, já que, pela legislação, os planos de previdência podem aplicar no máximo 49% dos recursos em ações, sendo o restante em renda fixa, o que dilui as perdas. Outra razão para o investidor manter a calma é que esses fundos têm uma tributação diferente e que pune os que sacam no curto prazo. Portanto, o risco para os afobados é perder dinheiro no mercado e no imposto de renda ao sacar.
Uma das vantagens é que ninguém aplica uma parcela grande do patrimônio em previdência. Em geral são aplicações menores e periódicas, que diluem as perdas ao longo do tempo. E que têm de ter horizonte de longo prazo, lembra Antonio Cássio dos Santos, presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) e da Mapfre Seguros. "Qualquer que seja a decisão de investimento, o objetivo é sempre maximizar o volume acumulado, portanto, um portfólio diversificado é muito importante", diz. "A experiência mostra que, no longo prazo, a bolsa tende a superar a renda fixa".
A queda da bolsa abre muitas oportunidades de investimento, pois as companhias continuarão pagando bons dividendos, avalia Paulo Werneck, diretor da asset da Icatu Hartford. "Não dá para dizer por quanto tempo a volatilidade vai continuar, mas não houve alteração nos fundamentos da economia brasileira, o que faz da bolsa um ativo que continua interessante", diz. E o executivo dá um conselho não só para quem tem planos de previdência com renda variável, mas para todos os investidores de ações: "Não adianta se desesperar, qualquer decisão emocional neste momento corre o risco de ser equivocada." Para o executivo, se o investidor ficar desesperado e atingir um determinado limite estipulado por ele mesmo para perdas, é melhor realizar o prejuízo e voltar para a bolsa mais tarde. "Para o investimento em bolsa, é preciso disciplina."
Dados do relatório mensal do site financeiro Fortuna - feito com exclusividade para o Valor - mostram que, somente em julho, R$ 1,234 bilhão ingressaram em planos que aplicam em ações, classificados como balanceados ou multimercados. O número supera a captação de R$ 857 milhões desses fundos em junho, até então, o melhor mês para a categoria. Em contrapartida, entre os DI e renda fixa, houve resgates de R$ 192 milhões em julho, ante entradas de R$ 204 milhões no mês anterior.
Quando se observa o levantamento geral pode-se ver, no entanto, uma diferença em relação ao gráfico. Por exemplo, os DIs apresentaram em julho resgates líquidos (entradas menos saídas de recursos) de R$ 8 milhões enquanto na renda fixa a captação líquida somou R$ 435 milhões no mês. Segundo Marcelo D"Agosto, sócio do Fortuna, essa diferença se deve porque muitos fundos balanceados ou multimercados dividem os recursos que recebem comprando cotas de carteiras de renda fixa e de ações. Isso acaba inchando a captação da renda fixa quando se olha somente a categoria geral, diz.
Os saques nos fundos DI e Renda Fixa em julho no levantamento especial chamam ainda mais a atenção quando se observa que essas carteiras representam cerca de 85% do mercado de fundos de previdência, para apenas 15% dos fundos balanceados e multimercado, diz o relatório do Fortuna.
Se o mercado continuar muito tenso, essa tendência de aplicações em renda variável poderá se reverter, afirma Marco Antonio Rossi, diretor-presidente da Bradesco Vida e Previdência. "Mas ainda é muito cedo para saber", avalia. O investidor de previdência tem um objetivo que é de longo prazo, portanto, tem de olhar a aplicação num prazo maior, de 10 ou 15 anos. "Portanto, não faz sentido ficar olhando a rentabilidade no mês."
Para quem está mais próximo de se aposentar, os especialistas do setor recomendam maior conservadorismo. Já para aqueles que permanecerão na aplicação durante muitos anos, é possível arriscar um pouco mais, pois esses movimentos de correção na renda variável tendem a se diluir no longo prazo, diz Rossi. O executivo conta que, no Bradesco, há dois anos, 90% dos recursos em planos de previdência estavam em renda fixa e hoje esse percentual é de 65%.
Normalmente, quando o cenário não está muito bem definido, os gestores dos fundos de previdência tendem a reduzir a parcela investida em bolsa, lembra Renato Russo, vice-presidente de Vida e Previdência da SulAmérica. Se o gestor pode investir até 49% em ações, isso não quer dizer que o tempo todo ele aplique esse percentual máximo em renda variável. Outro alento é que, pela legislação, os planos voltados para a aposentadoria são impedidos de se alavancar, ou seja, aplicar mais recursos do que têm em carteira, o que também limita as perdas.
Na opinião de Russo, o momento pode ser de oportunidade, embora isso não signifique que não haverá muita volatilidade. São os estrangeiros que estão saindo da bolsa brasileira para gerar caixa para liquidar os problemas que eles têm lá fora, mas por aqui a economia continua robusta e as companhias mantêm lucros altos, diz. Para quem está num plano com ações, ele recomenda ao investidor não fazer qualquer tipo de migração. "Por mais que o cenário não esteja definido, não é o caso de se reposicionar, principalmente quando se fala em previdência."
Mesmo com as perdas registradas pelo Índice Bovespa, 6,37% só nesta semana, os investidores continuam aplicando em fundos mais arriscados, principalmente os clientes de maior poder aquisitivo, diz Cássio dos Santos, da Mapfre. Segundo ele, a recomendação para os planos com ações tem partido de "family offices" (escritórios de gestão de grandes fortunas) ou de private banks.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page