terça-feira, 14 de agosto de 2007

FUGA PARA A POUPANÇA

Correio Braziliense 14/8/2007

Vicente Nunes e Edna Simão

Somente nos sete primeiros dias de agosto, cadernetas receberam R$ 3,7 bilhões. O valor supera em R$ 200 milhões todo o saldo positivo da aplicação em julho. Movimento é liderado, em parte, por investidores assustados com o efeito da bolha imobiliária americana nas bolsas do mundo inteiro
Investidores abandonam fundos de ações, que já perderam R$ 4 bilhões, e os de renda fixa, que viram escapar R$ 3 bilhões Assustados com a grave crise financeira que faz estragos mundo afora, os investidores brasileiros estão buscando a proteção da tradicional caderneta de poupança. Somente nos sete primeiros dias de agosto, quando as turbulências lá fora se acentuaram, a poupança registrou captação líquida — depósitos maiores que os saques — de R$ 3,7 bilhões. Esse volume, segundo o Banco Central, superou todo o saldo positivo da caderneta em julho, quando cravou R$ 3,5 bilhões. Em todo o mês de agosto de 2006, a poupança havia perdido R$ 280 milhões. “Realmente, é extraordinário o comportamento da caderneta, que, mesmo antes da crise, já vinha apresentando um bom desempenho”, disse o economista-chefe da Sulamérica Investimentos, Newton Rosa.
Há dois movimentos inflando os depósitos da poupança. O primeiro é capitaneado por investidores que se assustaram com as perdas ou os baixos rendimentos de aplicações consideradas seguras, como os fundos de renda fixa. O segundo é liderado por aplicadores que ficaram com folga de caixa no início do mês, mas não quiseram entrar em mercados mais arriscados, como os de ações. Preferiram ficar na calmaria da caderneta, cujo rendimento tem sido muito compatível com o risco próximo de zero que oferece. “Os investidores estão muito nervosos. Temem que o terremoto que sacode o mundo e já provocou perdas em suas aplicações se prolongue pelos próximos meses”, afirmou o analista de investimentos da Prosper Corretora, André Segadilha.
Segundo a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid), que consolida os dados de todos os fundos disponíveis no mercado, os maiores saques foram computados nos fundos de ações atrelados ao Ibovespa, o índice que mede o comportamento dos papéis mais negociados na Bolsa de Valores de São Paulo. Nos sete primeiros dias de agosto, o saldo dessa modalidade ficou negativo em R$ 4 bilhões. Também houve perda de rentabilidade: -2,96%. Os fundos de renda fixa mais tradicionais, que disputam com a caderneta de poupança a atenção dos investidores conservadores, os saques superaram os depósitos em R$ 3 bilhões. O ganho dos fundos, no período, ficou em apenas 0,14%, o que projeta algo como 0,60% para o mês ante o 0,86% de julho.
Não se precipite Na avaliação de Newton Rosa, o rendimento dos fundos de renda está sendo prejudicado pela diminuição do valor dos títulos prefixados, nos quais lastreiam todo o patrimônio. Esses papéis têm perdido valor porque estão aumentando as taxas de juros dos mercados futuros. “Se, olhando para frente, o mercado sinaliza taxas maiores, os títulos que têm rentabilidade definida se desvalorizam e isso bate direto nas contas dos fundos de renda fixa. É a chamada marcação a mercado, uma exigência do Banco Central”, explicou. Ele lembrou ainda que os fundos de renda fixa ficam menos atraentes porque cobram taxa de administração dos investidores e os ganhos são tributados.
Nos primeiros seis meses do investimento, os rendimentos sacados dos fundos de renda fixa pagam Imposto de Renda (IR) de 22,5%. Se o resgate for feito entre seis e 12 meses da aplicação, o tributo é de 20%. Sobre as movimentações realizadas entre um e dois anos, o IR cai para 17,5% e, a partir de dois anos, para 15%. Na caderneta de poupança, os ganhos são isentos de IR e os aplicadores não pagam taxas de administração. “No final das contas, o IR e a taxa de administração fazem diferença, sobretudo em um período de juros mais baixos”, assinalou Maria Izabel Gribel, gerente-executiva de Investimentos do Banco do Brasil. “Os investidores estão muito atentos aos detalhes das aplicações”, frisou, lembrando que, além da caderneta, os Fundos DI, atrelados aos juros futuros, têm chamado a atenção. Tanto que, nos primeiros dias de agosto, tiveram captação positiva de R$ 639 milhões, segundo a Anbid.
Com a mudança no perfil das aplicações, o superintendente Nacional de Clientes de Média e Alta Renda da Caixa Econômica Federal, Mário Ferreira Neto, prevê que a captação líquida da caderneta empate ou supere o montante recorde de R$ 1,4 bilhão de julho. Na primeira semana deste mês, o saldo foi positivo em R$ 600 milhões. “A poupança voltou a ocupar uma fatia importante da cesta de investimentos e a tendência é continuar assim”, destacou. Para Ferreira Neto é natural que parte da população procure uma alternativa mais segura em um momento de incerteza. “Isso vale tanto para os pequenos quanto para os grandes investidores”, disse.
No entender de Marcelo D´Agosto, analista do site Fortuna, que acompanha a variação diária dos fundos de investimentos, a atual crise se refletiu, principalmente, na rentabilidade dos fundos de ações. “Do pico do mercado, em 23 de julho, até agora, as perdas nesses fundos chegam a 6%”, afirmou. Os prejuízos também são evidentes nos fundos multimercados, cujo patrimônio é dividido entre vários ativos. Pelas contas da Anbid, os multimercados computaram queda de 0,27% na primeira semana de agosto. “Mas essas perdas podem se reverter. Basta o mercado recuperar a confiança. Isso vale para todos os fundos, inclusive os de renda fixa. Por isso, a importância de os investidores não se precipitarem e saírem sacando seus recursos de forma atropelada”, alertou André Segadilha. Trabalhador também perde
A forte instabilidade que faz estragos há dias não livrou nem o dinheiro dos trabalhadores. Os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aplicados em ações da Petrobras e da Vale do Rio Doce computaram significativas perdas nos primeiros sete dias de agosto. Segundo a Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid), o FGTS da Petrobras acumulou baixa de 5,29% no período. O da Vale, encolheu 4,62%.
O tamanho dessas perdas está associado ao grande volume de negócios com ações das duas maiores empresas do país. Sozinhas, elas respondem por mais de 20% de todas as ações negociadas diariamente no pregão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Ou seja, acabam sendo as principais portas de saída do mercado em tempo de crise. E quanto maiores forem as ofertas de venda, menores os preços. Os papéis da Vale e da Petrobras são os preferidos dos investidores estrangeiros, que, desde junho, quando a crise mundial começou a se desenhar, retiraram mais de R$ 6 bilhões da Bovespa.
Apesar das perdas em agosto, os fundos de FGTS da Vale e da Petrobras continuam com ganhos expressivos, de mais de 3.000%, desde que foram criados. “É normal que, em um momento de tanta incerteza, os fundos de investimentos registrem perdas. Mas o importante é olhar para o longo prazo. Isso vale para todas as aplicações. O poupador não pode focar o olhar apenas para um momento específico e avaliar se o seu investimento é bom ou ruim”, disse André Segadilha da Prosper Corretora.
As cotas dos PIBB, o fundo de ações criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também se desvalorizaram nos primeiros sete dias de agosto: -1,31%. À medida, porém, que o mercado acionário for recuperando o fôlego — ontem, o dia foi bem mais tranqüilo, ainda que a Bovespa tenha fechado com queda de 0,39% — a tendência é de os fundos se recuperarem.

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