quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Líquidos, bancos brigam por taxa

Captação: Instituições reduzem a emissão de depósitos com garantia especial


Valor Econômico

Maria Christina Carvalho e Fernando Travaglini, de São Paulo
13/08/2009

Os bancos de médio porte já estão em posição confortável em relação à liquidez. Tão confortável que começaram a travar uma queda de braço com os investidores. A disputa gira em torno das taxas pagas pelo chamado depósito a prazo com garantia especial (DPGE), novo instrumento de captação criado durante a crise e que conta com a cobertura de até R$ 20 milhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

É justamente essa cobertura, na visão dos bancos médios, que deveria trazer os juros mais próximos do CDI. Ao contrário da expectativa dessas instituições, no entanto, o custo tem ficado bem acima, na casa dos 115% do CDI, em média. Somado a isso, há ainda uma taxa de seguro, cobrada pelo FGC, de 1% ao ano, que com a Selic de hoje, em 8,75%, eleva o custo em mais 12% do CDI.

Essa combinação de liquidez restabelecida e custo alto fez com que as emissões de DPGE desacelerassem nas últimas semanas, chegando a R$ 10 bilhões, bastante longe da expectativa inicial que girava entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões. "A queda de braço continua. Os investidores ainda estão querendo levar vantagem em tudo. Querem segurança com preço de rentabilidade. A rentabilidade está no CDB", disse Renato Oliva, presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).

Segundo Aniz Chacur Neto, vice-presidente do ABC Brasil, a criação do DPGE foi uma medida muito saudável do BC porque trouxe de volta a confiança do investidor. Mas o custo está salgado. O ABC tem limite para emitir R$ 2 bilhões em DPGE, mas não fez nenhuma operação.

De fato, segundo dados do FGC, cerca de 60 instituições já utilizaram o novo instrumento, mas as captações representam menos de 20% do limite que poderia ser atingido por elas.

O ABC está emitindo CDB pagando de 103% a 104% do CDI, conta o executivo. "Se fosse emitir um DPGE, o custo passaria a 110% do CDI. Hoje o CDI está em 8,6%, com o seguro de 1% vai a 11,6% Para ficar competitivo com o CDB, teria que pagar apenas 91,5% do CDI. Mas é bom que exista porque tranquiliza o mercado".

O presidente do Bonsucesso, Paulo Henrique Pentagna Guimarães, não esperava esse desempenho com cenário com o qual fechou o balanço de 2008. Na realidade, o primeiro trimestre deste ano ainda não foi bom. O cenário só começou a mudar a partir daí, quando foi criado o DPGE, em abril, que normalizou as condições de liquidez para os médios - o aumento da margem consignável de 20% para 30% nas operações com beneficiários do INSS também contribuiu positivamente.

Somente em DPGE o Bonsucesso emitiu R$ 430 milhões até a semana passada. "Mas o custo é muito caro, dado que é supergarantido, quase um risco soberano. Estimava-se inicialmente que poderiam ser emitidos até R$ 50 bilhões. Não vai crescer tanto assim por causa do custo. Ao pagar o seguro de 1% o custo sobe a 112% 115% do CDI".

Os bancos estão tentando sensibilizar o BC e o próprio FGC, disse Pentagna Guimarães. "O custo foi fixado em 1% quando a Selic era mais alta do que hoje. Hoje está em 8,75%. Não faz sentido. Qualquer seguradora cobraria menos. O custo do DPGE deveria ser a metade, 0,5% a 0,3% a 0,4% a partir de agora. Isso também baratearia custo do dinheiro para pequena e média empresa".

O diretor-executivo do FGC, Antonio Carlos Bueno de Camargo Silva, diz que o custo é adequado para a atual realidade. "Sempre haverá reivindicação de quem paga uma taxa, mas o patamar hoje é adequado". Segundo ele, a redução das emissões de DPGE se deve à normalização da liquidez nos bancos médios. "Ninguém está precisando fazer captação". A tendência, segundo ele, é que o estoque feche o ano próximo de R$ 15 bilhões, com o crescimento das operações de crédito no segundo semestre.

Milto Bardini, vice-presidente do BicBanco, afirma que a menor pressão de liquidez contribuiu para reduzir os custos de captação. O banco está pagando o equivalente a 104% do CDI. Mas não descarta a emissão do depósito a prazo com garantia especial (DPGE), que tem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), quando a demanda por crédito aumentar. Apesar do custo salgado, o DPGE pode ser competitivo em comparação com as captações internacionais, disse.

Mesmo com a normalidade, Oliva, da ABBC, diz que a entidade discute com o Banco Central e com outras entidades a criação de novas estruturas de captação para os bancos. As principais propostas seriam a criação de um recibo de depósito bancário (RDB) que pudesse ser negociado em mercado secundário e de um certificado de depósito bancário (CDB) que tivesse uma garantia vinculada em títulos de crédito concedidos pelos bancos (CCB). A ABBC estuda ainda uma espécie de debêntures financeira, semelhante aos bônus emitidos pelos bancos no exterior.

Transparência na marra


Fundos que não divulgam dados das carteiras ao mercado caem de 97% para 28% do total após ação da CVM cobrando informações.


Valor Econômico

Por Angelo Pavini, de São Paulo
13/08/2009

O "pito" que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu no mercado no fim de abril teve efeito e os fundos de investimento passaram a divulgar mais informações de suas carteiras. A regra é antiga e clara, todos devem divulgar em que está aplicado o dinheiro dos investidores até dez dias depois do fim do mês, com exceção das operações consideradas estratégicas, que podem ficar em sigilo por até 90 dias. Mas o que era exceção virou regra e a grande maioria, 97% dos fundos, deixava para abrir as carteiras 90 dias depois, segundo estudo da CVM obtido com exclusividade pelo Valor. Esse percentual caiu para 28% em junho. O puxão de orelha veio por meio de um ofício circular, que dava prazo para a divulgação da carteira a partir de 30 de junho.

Os números mostram que muitos desses adiamentos eram baseados mais em segredos de polichinelo do que em estratégias especiais que virariam pó após sua divulgação. Era o caso dos fundos que aplicavam apenas em papéis da Petrobras e que não divulgavam a carteira. Ou fundos de cotas que aplicavam em outro fundo do próprio banco e não queriam informar isso ao mercado. Ou fundos DI que aplicam quase unicamente em papéis do Tesouro Nacional.

A mudança enfrentou, porém, resistências, inclusive de uma das maiores casas do mercado, o Itaú Unibanco, segundo gestores que pediram para não ser citados. O Valor procurou a gestora, mas não obteve retorno ao pedido de entrevista até o fechamento desta edição. A CVM confirma que houve resistências de um gestor de grande porte, mas não citou quem seria.

A queda dos que mantêm as carteiras em segredo foi expressiva, mas o número ainda é elevado, afirma Carlos Alberto Rebello, superintendente de Relações com Investidores Institucionais da CVM. No fim de junho, 1.623 fundos não exclusivos ocultaram informações, dos quais 417 não apresentaram sequer uma justificativa. Em julho, o total teria caído para 1.300 fundos, estima Rebello, que acredita que a tendência é de uma redução nos próximos meses. "Mas esses 28% são um percentual elevado", diz.

Para Rebello, o número alto reflete, além do grande gestor que não abriu as carteiras, o processo de ajuste do mercado à regra. "Era uma coisa que, apesar de ser a norma, não era seguida, exige uma certa dinâmica para justificar o que não é divulgado, e isso dá trabalho para o gestor", diz.

Para o superintendente, a ação da CVM é mais que justificada, em primeiro lugar, porque o setor de fundos estava interpretando uma exceção como regra. "Além disso, o mercado está no limiar de entrar em um processo de ter mais risco nas carteiras dos fundos, e o melhor remédio para evitar problemas com os investidores, além dos controles internos dos gestores, é ser o mais transparente possível", diz. Por isso, Rebello acha estranho resistências a mostrar informações que não sejam estratégicas.

O superintendente lembra que abrir a carteira dos fundos deveria ser um princípio. "Eu confio no gestor, no Armínio Fraga, mas quero acompanhar sempre, para ver se ele cumpre o mandato e para que eu possa avaliar o risco do meu investimento", diz. "Além disso, a abertura da carteira está prevista na legislação e é importante tanto para o cotista quanto para quem vai aplicar no fundo."

Segundo Rebello, a medida teve uma adesão muito boa entre os grandes gestores. "Apenas um reagiu mal", diz. Sozinho, esse gestor responde por um terço dos fundos que não divulgaram seus dados. Mas a melhora em julho mostra que "as coisas estão entrando nos eixos", diz Rebello. Ele acrescenta ainda que, entre as justificativas apresentadas, havia coisas estranhas, como o fundo de cotas (FIC) que aplicava em um fundo mãe que também não divulgava a carteira. "Isso nos faz pensar como esse gestor trata a questão da transparência", alfineta.

Por esse motivo, a CVM vai analisar nos próximos quatro meses os argumentos dados pelos gestores. "Vamos processar as informações, temos algumas que são consistentes e algumas pérolas, que não explicam nada", diz Rebello. Ele espera que o percentual de fundos que não informam ao mercado seja maior nos multimercados e de ações, mas abaixo dos 30% a 36% atuais, mais perto dos 20%, uma vez que são carteiras que fazem mais operações diferenciadas. No caso dos renda fixa, o percentual deve ser mais baixo ainda, na casa dos 10%. "Nessas carteiras há títulos privados que são ilíquidos e que se justificaria manter o sigilo, mas a maioria das carteiras ainda é formada por títulos públicos". "Entendemos que ocultar uma operação estratégia faz sentido, até para proteger o investidor, mas é preciso ter fundamento", diz.

A ideia da CVM é também esperar para ver se as justificativas dos gestores ao ocultar uma compra de ação, por exemplo, se confirmam. Ninguém deve ser punido por enquanto, exceto os que não justificaram a ausência de informações. "Há nesse meio fundos que são exclusivos na prática, mas não estão registrados assim, e que têm de se regularizar" afirma Rebello. "E, em quatro meses, podemos até aperfeiçoar a regra", diz ele. "A transparência é até uma forma de proteger não só o investidor, como o gestor também nestes tempos de maior risco", afirma.

A abertura das carteiras é uma assunto que interessa particularmente à Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec), que reúne gestores de fundos de ações que costumam aplicar em ações de menor liquidez. Segundo Régis Abreu, vice-presidente da entidade, a Amec levou para a CVM uma proposta estabelecendo uma forma de saber quando a informação deve ser sigilosa. "Em alguns casos, o gestor leva 30, 60 dias para montar uma posição em uma ação sem muita liquidez e aí não tem sentido divulgar isso dez dias depois", diz. Segundo Abreu, isso abriria possibilidade de outros gestores tentarem atrapalhar a operação ou tirar proveito dela, comprando antes o papel.

Por isso, a Amec sugere que se separe as ações por seu peso em índices como o Ibovespa. As que representassem 80% do índice, por exemplo, deveriam ter suas compras divulgadas normalmente. Já as que representam 20% do peso - e são muito mais papéis - poderiam ficar 90 dias. "Isso garantiria a abertura de 50%, 60% das carteiras", diz.

Abreu diz que a preocupação da CVM é justificada. "Há uma mudança no perfil do setor de fundos que levará a uma redução dos títulos públicos e um aumento tanto de opções de crédito privado quanto de emissores", lembra ele. "E a necessidade de transparência do setor aumentar, até para melhorar o entendimento do investidor em que ele está aplicando", diz.

Um gestor de um grande banco que pediu para não ser identificado acha que o mercado brasileiro não é tão sofisticado a ponto de exigir muito sigilo das operações. "Não tem sentido ocultar CDB, debêntures ou posições de ações líquidas", diz. "O que a CVM quer é também evitar aquele conceito de caixa preta, fundos que ninguém sabe em que aplica, e que foi o que permitiu a existência do esquema de pirâmide de Bernard Madoff nos EUA", acrescenta

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