quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Fim do silêncio

Valor Econômico de 15/08/2007

Por Daniele Camba

O espaço para a omissão está chegando ao fim. Num mercado cada vez mais competitivo, já não basta os gestores escolherem as melhores ações e esperar até esses papéis se valorizarem. Eles precisarão participar de uma forma muito mais ativa das decisões das companhias em que investem. A proposta da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) é que todas as gestoras de recursos participem das assembléias das empresas cujas ações possuam em carteira. A idéia é que cada asset tenha a sua própria política de representação, com parâmetros claros que definam como irão atuar nessas reuniões. A exigência passará a fazer parte do Código de Auto-Regulação da Anbid a partir do ano que vem.
"Como o mercado de capitais cresceu muito nos últimos três anos e aumentou a participação dos fundos de ações e dos multimercados dentro do capital das companhias, o papel dos gestores hoje nas decisões dessas empresas ganhou ainda mais importância", diz o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Luiz Fernando Figueiredo, justificando a proposta. A decisão da Anbid é resultado de um trabalho sobre governança corporativa no Brasil feito em conjunto com a Amec e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e que será apresentado no ano que vem, na Colômbia, no encontro anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Com o processo de queda da taxa de juros, é nítido o aumento de ações no patrimônio total do setor de fundos no Brasil. Enquanto a participação dos títulos públicos caiu de 76,22% em dezembro de 2000 para 65,26% em junho deste ano, a parcela investida em ações subiu de 11,11% para 17,32% no mesmo período. Esse crescimento pode ser só o começo se comparado aos padrões internacionais. O trabalho das três entidades mostra que em países que atingiram estabilidade econômica, juros baixos e que ganharam o selo de grau de investimento, o que se vê é entre 40% e 50% das aplicações em ações e a outra parcela em renda fixa. O Brasil caminha para um cenário macroeconômico parecido com esse.
"Dentro desse cenário que se avizinha, é impossível os gestores manterem a passividade que eles têm hoje em relação às decisões das empresas", diz o vice-presidente do IBGC Mauro Cunha. Assíduo freqüentador das assembléias de companhias, Cunha lembra que a presença de gestores é baixíssima. O comum é encontrar representantes dos grandes fundos de pensão, como Previ, Petros e Funcef, e os gestores de assets especializadas em governança, como Investidor Profissional (IP), Dynamo, Fator e a Templeton.
Figueiredo, da Amec, acredita que alguns casos recentes são exemplos claros do poder de fogo que os minoritários podem ter em decisões relevantes das companhias. O caso mais emblemático foi o da Telemar. "Os minoritários preferencialistas compareceram em peso à assembléia e reprovaram uma reestruturação societária lesiva aos donos de PN e que abriria um precedente ruim para outras empresas fazerem o mesmo", lembra Figueiredo. No caso da compra da Arcelor Brasil pela Mittal, a reclamação dos minoritários contribuiu para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinar que a companhia estendesse a oferta à todos os acionistas (o "tag along"). No último episódio, ainda em andamento, os minoritários do Grupo Ipiranga questionam a relação de troca pelas ações da Ultrapar, na compra do grupo pela Petrobras, Braskem e Ultra. "Em todos esses casos há a contribuição de alguns gestores e, quanto mais eles forem participativos, mais os investidores terão poder de pressão junto às empresas", diz Figueiredo.
Os detalhes da decisão da Anbid ainda estão sendo alinhavados, mas já se sabe que a política de representação em assembléia que todas as assets terão de adotar seguirá as diretrizes definidas pela própria Anbid. "Teremos uma espécie de manual mostrando o que precisará constar na política de cada asset, como os parâmetros para decidir quando participará ou não das assembléias", diz o gerente da Anbid, José Eduardo Brazuna. Ele explica que a participação depende do grau de importância de cada uma das assembléias e do peso que tais ações possuem nas carteiras. "Um gestor pode não ir numa assembléia pró-forma ou de uma empresa cujas ações representem pouco dentro de seus fundos, só que esse tipo de situação precisa constar em sua política", explica Brazuna.
Ele acredita que, com as diretrizes definidas pela Anbid, será quase impossível um gestor deixar de ir em assembléias importantes de empresas relevantes dentro de suas carteiras. A política da asset deverá constar nos regulamentos e prospectos dos fundos, em versão integral ou resumida. Neste último caso, a versão integral deverá estar no site da gestora. O fato de a política ter de ser pública também deve ser útil para que as gestoras tenham as melhores práticas possíveis. "Ninguém vai querer ter uma política ruim e que todos saibam disso", prevê Brazuna.
A legislação existente é bastante flexível sobre o assunto. Pela regra de fundos da CVM, deve constar nos regulamentos e prospectos qual é a política de representação nas assembléias. "A maioria esmagadora dos gestores diz que não tem uma política e ponto final", lembra Brazuna. A autarquia já chegou a cogitar a mudança da lei, tornando o voto dos gestores em assembléia obrigatório, mas esse tipo de decisão se mostrava prematura em um momento em que a renda variável representava tão pouco no setor de fundos brasileiro, afirma o gerente da Anbid.
Muitas vezes, as administradoras de recursos ligadas a bancos não vão às assembléias por conflito de interesses, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em governança, Alexandre di Miceli. "Os bancos têm outros negócios com as companhias, portanto, não é interessante que seus gestores votem contra os controladores." Ele acredita que o fato de ter uma política específica para o assunto deixará explícito esse tipo de conflito ou irá reduzi-lo. "Acredito mais nessa última hipótese", diz o especialista.
O gestor da família de fundos de governança Sinergia da Fator, Fernando Tendolini, é categórico ao dizer que é praticamente nula a participação dos gestores de bancos nas assembléias. "Quando vão, acabam se abstendo de votar", diz Tendolini. Ele conta que já chegou a ligar para grandes gestores pedindo que se unissem para votar contra questões que prejudicariam os minoritários e eles se recusaram, mesmo concordando que o melhor seria comparecer.
Figueiredo, da Amec, acredita que, se esse tipo de atitude acontecia, já melhorou muito. "Prova disso é a participação dos grandes gestores nas questões defendidas pela Amec junto às empresas, eles se mostram cada vez mais engajados", diz. Para Cunha, do IBGC, a política de representação nas assembléias irá proteger os gestores da própria pressão que os controladores das empresas possam fazer.
A questão agora é saber se esse ativismo irá encarecer as taxas dos fundos, o que significará novos custos no bolso do investidor. "Não deveria, porque, em tese, os gestores já teriam de ter essa estrutura montada", afirma o professor di Miceli.

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