sexta-feira, 30 de abril de 2010

Investidor local já disputa títulos de longo prazo

Valor Econômico

30/04/2010

Lucinda Pinto, de São Paulo

A demanda por títulos públicos prefixados de longo prazo, os preferidos dos investidores estrangeiros, vem ganhando nos últimos meses reforço também dos aplicadores locais. Fundos mútuos, tesourarias e assets brasileiros estão na lista dos que estão levando as chamadas NTN-F (Notas do Tesouro Nacional série F) nos leilões semanais. E também fundos de pensão, que tradicionalmente buscam papéis corrigidos por índices de preço, têm optado por ampliar a presença dos prefixados mais longos em suas carteiras. Diversificação de risco, aposta na estabilidade da inflação nos próximos anos e expectativa de que os juros serão mais baixos no futuro ajudam a explicar esse apetite dos players locais pelos papéis.

Por causa desse interesse dos brasileiros, o estoque de NTN-F com vencimento em 2021 nas mãos do mercado já soma R$ 7,2 bilhões, segundo informações do Tesouro Nacional. É um volume expressivo para um papel com apenas três meses de vida. Para se ter uma ideia, a NTN-F com vencimento em 2017, que era até fevereiro o "benchmark" de dez anos, conta com um estoque de R$ 37 bilhões, volume que representa a soma das ofertas feitas pelo Tesouro desde janeiro de 2007.

Segundo o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Paulo Valle., quando a NTN-F 2017 começou a ser ofertada, era notório o interesse maior dos investidores externos - mais habituados a aplicações de longo prazo -e de fundos de pensão por esse título. Tanto é que, até o início deste ano, cerca de 50% dessas notas estavam nas mãos dos não residentes. Cerca de 35% ficavam com bancos e tesourarias locais, 7% com fundos de pensão e 5% com fundos mútuos.


 

Este ano, entretanto, o Tesouro identificou uma demanda maior partindo de outros investidores brasileiros. E, por isso, quando foi lançada a NTN-F 2021, foram ofertados lotes maiores de papeis, para fazer frente a esse interesse do mercado interno. Assim, apenas 20% dos títulos foram comprados por investidores não residentes. Bancos e tesourarias ficaram com cerca de 60%; fundos de pensão e fundos mútuos têm, respectivamente, 10% e 4%. "O estrangeiro ficou com uma participação menor no volume de NTN-F 2021, não porque esteja comprando menos, mas porque a participação dos locais cresceu", explica Valle.

Segundo o secretário, a presença do não residente no mercado segue forte e em expansão. Ele diz que hoje há pelo menos dez grandes fundos soberanos comprando NTN-Fs e NTN-Bs (papéis mistos, com uma parte da rentabilidade prefixada e outra atrelada ao IPCA) nos leilões semanais do Tesouro. E os fundos de pensão, que tinham preferência pelas NTN-Bs desde 2003, também começam a ajustar sua meta atuarial, acrescentando o parâmetro puramente prefixado. "Os fundos mais sofisticados estão misturando as duas referências, o que é uma tendência", diz.

Valle considera que o aumento do apetite de investidores por papéis prefixados com vencimentos mais longos reflete o que ele chama de "maturidade do mercado". "O processo gradual de redução de taxa de juros leva o investidor a diversificar e reduz a indexação da economia", explica.

Especialistas concordam que é a aposta em uma taxa de juros mais baixa ao longo do tempo que está levando players a aplicarem em papéis tão longos. "O mercado acredita que, depois desse ciclo de alta de juros que está em curso, as taxas vão voltar a cair. Com isso, é interessante assegurar agora o prêmio que os papéis oferecem", explica o trader de renda fixa do banco Modal, Luiz Eduardo Portella, acrescentando que esse tipo de operação não pode ser feita com contratos futuros de juros (DI), que não têm liquidez para prazos tão longos. "Sem dúvida, esse movimento mostra que o mercado não enxerga risco de mudança na política econômica", conclui.

Paulo Valle diz que o alongamento dos prazos vai continuar. Segundo ele, o Tesouro já identifica no mercado demanda por papéis prefixados com prazo de 30 anos - o que seria uma emissão inédita no Brasil. Mas, até que o volume dos títulos de dez anos ganhe proporção ainda maior, o Tesouro não deverá atender a esse interesse. "Nossa intenção é consolidar uma curva de juros bem definida. Se emitirmos um título de 30 anos, provavelmente vamos diminuir a liquidez do título de 10 anos, e isso afetaria a construção dessa curva", afirma.

A maior diversificação na base dos compradores dos títulos prefixados, segundo Valle, é interessante ao Tesouro, porque reduz os riscos para a gestão da dívida nos períodos de volatilidade. Afinal, a participação de diferentes perfis de investidor pode evitar que haja o que se chama de "efeito manada", que é a corrida dos investidores para uma única direção, distorcendo a taxa paga pelo papel.

Foi o que ocorreu em 2008, quando a crise de liquidez internacional levou investidores estrangeiros a reduzirem exposição em vários ativos pelo mundo, o que incluiu ações e ativos prefixados brasileiros. Por causa disso, a taxa de retorno da NTN-F de 10 anos no mercado secundário, à época, saltou de cerca de 10% ao ano para 18% ao ano. "Era uma taxa que não fazia nenhum sentido", afirma Valle. Hoje, as NTN-Fs longas pagam uma taxa entre 12,50% e 13%.

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