quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A questão da remuneração dos gestores de previdência privada

Valor Econômico

14/10/2010

:: Fernando Camargo

É fato que os fundos de previdência disponíveis hoje carecem de estratégia de longo prazo. São mais do mesmo, sempre focados no curto prazo e comprando títulos do governo ou do próprio banco que o administra.

Vendem-se fundos de previdência com ênfase nos benefícios fiscal e sucessório, da economia tributária e praticidade da transição do ativo em casos de falecimento. Apesar de correto, está longe de ser suficiente. É preciso se ater aos detalhes que podem prejudicar o fim principal de uma aplicação de previdência: a acumulação ótima no longo prazo.

Um desalinhador de interesses muito importante nesse tipo de fundo é a impossibilidade de cobrança de taxa de desempenho. Se o motivo da previdência é a construção da poupança de longo prazo, e se a estratégia precede um gestor preparado, uma filosofia de investimentos sólida e aderente a um mandato predeterminado, por que não dar o correto incentivo econômico para que o retorno de longo prazo seja o melhor possível ?

Essa seria a forma mais barata de se remunerar um bom gestor. Os fundos cobrariam uma taxa fixa baixa. Se tiverem bom desempenho, o ganho adicional seria dividido com o gestor em uma proporção que favoreceria o investidor. Se o desempenho for ruim, o custo do fundo será baixo, não afetando mais ainda seu retorno.

A não cobrança, entretanto, traz um enorme desalinhamento de interesse, fazendo com que os gestores evitem tomar risco nas carteiras, o que é um contrassenso para esse tipo de investimento. Até certo ponto, isso explica porque a grande maioria possui ainda hoje uma quantidade desproporcional de renda fixa. Não existe qualquer incentivo econômico para um gestor assumir mais risco, visto que, se acertar, não ganhará mais - e, se perder, ganhará certamente menos.

Claro que quando não existe taxa de desempenho, os custos de administração, gestão e da própria seguradora que administra o plano têm de ser embutidos totalmente na taxa de administração. Assim, esse tipo de produto possui taxas de administração mais altas que fundos de renda fixa puros. Na prática, vemos que fundos de renda fixa de qualidade possuem taxa próxima a 0,5% ao ano, enquanto fundos de previdência, próxima de 3% ao ano.

A diferença deve existir, pois existe um plano atrelado ao fundo de previdência, mas não dessa magnitude. Esse é um dos motivos principais que fazem esse tipo de produto ainda ter retorno relativamente ruim ante outros investimentos, inclusive.

Se o CDI é de 10,75% ao ano, com um fundo sem exposição nenhuma de renda variável e com taxa de administração de 3% ao ano, seu retorno será de no máximo 7,75% ao ano, ou cerca de 70% do CDI. Qualquer deslize da gestão só fará a rentabilidade cair mais. A capitalização composta de retornos em investimentos é algo fantástico e multiplicador de riqueza. Isso não é novidade. Uma perda de 3% em um fundo, logo na largada, causa uma perda em 10 anos de 67% de retorno.

Se deduzirmos também as taxas de carregamento, é melhor nem fazer a conta. A justificativa dada pelos gestores para essa cobrança é o longo prazo que o cliente manterá os recursos aplicados. Isso, mais uma vez, é um total contrassenso, pois justamente manter os recursos no longo prazo é o que deveria eliminar taxas e custos.

A taxa de carregamento poderia ser usada para desestimular saques no curto prazo. Mas, para que isso faça sentido, quanto maior o prazo de permanência no fundo, menor a penalidade que seria cobrada. Além disso, um saque no curto prazo pode prejudicar os outros cotistas, pois o gestor terá de vender ativos talvez em uma hora não adequada. Por isso, os recursos oriundos dessa taxa deveriam ser reincorporados ao fundo em benefício dos outros cotistas.

A taxa de carregamento, então, deveria ter um viés educativo para quem permanece no fundo, reduzindo ou até anulando o incentivo econômico para que um investidor resolvesse sacar seus recursos da previdência para adquirir um bem no curto prazo.

Os produtos de previdência são o futuro do mercado brasileiro. Uma classe média crescente, uma economia forte e uma estrutura estatal de benefícios insuficiente e sem gestão profissional. O ambiente está apto para que a iniciativa privada ganhe espaço. Mas só os melhores produtos, com os melhores gestores serão beneficiados. A legislação precisa melhorar e o investidor, mais do que nunca, precisa se informar.

Fernando Camargo é sócio da Orbe Investimentos

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