quinta-feira, 27 de maio de 2010

Brasileiro começa a criar o hábito de guardar dinheiro

Valor Econômico

27/05/2010

Denise Bueno, para o Valor, de São Paulo

Apesar de a taxa básica de juros da economia brasileira ter aumentando, a captação da caderneta bateu mais um recorde. O saldo total acumulado em abril ficou em R$ 331 bilhões, crescimento de 20% em 12 meses. O resultado consolida a tendência de poupar da população. Mesmo com o rendimento acumulado das aplicações em caderneta de poupança abaixo da inflação, a captação foi positiva.

Segundo dados do Banco Central, incluindo as cadernetas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que destinam recursos para a habitação, e poupança rural, os depósitos somaram R$ 88,7 bilhões em abril e os saques, R$ 87 bilhões. Com isso, a captação líquida chegou a R$ 1,7 bilhão, a melhor para esse mês desde 2007 e o segundo melhor dentro da série histórica iniciada em 1995.

De janeiro a abril, a captação líquida da poupança atingiu R$ 5,9 bilhões, o maior resultado desde 1995. Foram R$ 353,6 bilhões em depósitos e R$ 347,7 bilhões em saques. O sistema creditou rendimentos, equivalentes à variação da Taxa Referencial (TR) mais 0,5% ao mês, de R$ 1,6 bilhão no mês e de R$ 6,15 bilhões no ano.

Entre janeiro e abril, a rentabilidade do produto foi de 2,10%, abaixo dos 2,65% da inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas no longo prazo, o poupador obteve ganho. Segundo estudo da Economática, de 31 de dezembro de 2002 até 30 de abril de 2010, período do governo Lula, a caderneta teve rentabilidade nominal de 80,89% contra 51,86% da inflação medida pelo IPCA. Ou seja, um ganho real acumulado de 19,12%.

Um investidor atento dificilmente aplica em um produto que sequer corrige a perda com a inflação. A não ser que esteja buscando um porto seguro diante da volatilidade dos mercados financeiros. A expectativa é de que a poupança voltará a ter como aplicador o indivíduo com perfil tradicional e avesso a riscos. "Há investidores que ficam atentos aos movimentos do mercado. Esses correm para a poupança se acharem que é uma aplicação atraente. Mas, se não apresentar boa rentabilidade, esses aplicadores não pensarão duas vezes em sair", diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimentos do Santander Brasil.

Nem mesmo a alta da Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) realizada em 28 de abril, derrubou a captação da poupança, como esperavam os executivos de bancos e analistas do setor. Porém, a tendência é de que ela volte a atrair apenas o investidor com perfil totalmente conservador e sem muita experiência com produtos financeiros.

Por pagar juros de 6% ao ano mais a variação da Taxa Referencial, a caderneta é beneficiada em um cenário de juro baixo. Se houver alta dos juros, parte dos clientes que migrou para a caderneta deve retornar para aplicações como CDB ou fundos. Tudo dependerá da volatilidade dos mercados. Caso ela se mantenha, a poupança continuará sendo beneficiada.

Com o aumento de 0,75% na taxa Selic, para 9,5%, a poupança passou a oferecer uma rentabilidade líquida de aproximadamente 70,4% do CDI. "Poucos produtos apresentam uma rentabilidade nesse patamar com a mesma segurança e liquidez da poupança, especialmente quando falamos de investimentos de curto prazo", afirma Fábio Lenza, vice-presidente de pessoa física da Caixa Econômica Federal. A atratividade da poupança sobre outros investimentos deve-se à isenção de Imposto de Renda, que incide sobre os rendimentos auferidos por esses investimentos e varia de 15% a 22,5%, conforme o prazo.

Com rentabilidade atraente, os bancos não planejam nenhuma ação para aumentar a captação da poupança para fazer frente ao boom do crédito imobiliário. Os bancos devem obrigatoriamente direcionar os recursos em poupança para financiamentos imobiliários e depósitos compulsórios. E devem aplicar as mesmas regras de correção aos depósitos de poupança e aos financiamentos para compra da casa própria.

Entre 2008 e 2009, os financiamentos imobiliários, com recursos da caderneta poupança, aumentaram 69,4% na região Centro-Oeste; 22,9% na Sul; 20% na Nordeste; 17,9% na Norte e apenas 5,2%, no Sudeste, segundo dados do Banco Central e Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

A expectativa é a aplicação de cerca de R$ 50 bilhões, provenientes da caderneta de poupança, no setor imobiliário em 2010. O valor é quase 50% superior ao total de recursos financiados em 2009, quando somaram R$ 34 bilhões. "Hoje não há necessidade de funding adicional para crédito imobiliário. Caso isso seja necessário, pensaremos no assunto. Mas por hora temos clientes fiéis a aplicação", diz Jânio Carlos Endo Macedo, diretor de varejo do Banco do Brasil.

Uma tendência é que os brasileiros começam a se preocupar em guardar dinheiro. "A caderneta de poupança é um bom começo para estudantes ou pessoas que ganham um salário reduzido", diz Marcos Villanova, diretor de produtos de investimentos do Bradesco, com mais de 21 milhões de poupadores e R$ 46 bilhões em patrimônio na caderneta.

As facilidades acabam por atrair um público cativo. Além de liquidez diária, isenção de impostos e facilidades para abrir uma conta, é possível programar depósitos automáticos, sincronizados com o pagamento do salário. Sem perceber, o saldo vai aumentando até chegar a um valor suficiente para partir para aplicações mais sofisticadas e com rentabilidade mais atraente.

O professor William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças FGV/EAESP é enfático quanto ao público da aplicação. "A caderneta de poupança é mais indicada para os investidores que têm valores menores e que não desejam se inteirar do mundo dos investimentos", diz.

Só a Caixa, com 37 milhões de poupadores, captou R$ 112,5 bilhões no acumulado do ano até abril, 34% do saldo de todo o mercado. Cerca de 80% das contas têm saldo de até R$ 1 mil. Nos quatro primeiros meses do ano, a Caixa ultrapassou a marca de 1,2 milhão de novas contas. Segundo informações da CEF, são abertas 300 mil contas por mês na instituição. E a tendência é de manter este ritmo. Afinal, quando se olha a curva de juros projetada para os próximos anos, a percepção é de que a poupança continuará sendo atraente.

Opção tradicional

Valor Econômico

27/05/2010

Por Denise Bueno, para o Valor, de São Paulo

Entra ano e sai ano e a caderneta de poupança continua a mesma. As centenas de aplicações financeiras customizadas ao gosto do freguês que surgiram nos últimos anos não foram capazes de seduzir alguns adeptos da caderneta. "Já faz parte da cultura de alguns brasileiros", diz Marcos Villanova, diretor de produtos de investimentos do Bradesco.

No Brasil, são mais de 91 milhões de clientes, com R$ 325,7 bilhões depositados na caderneta, dos quais 58% têm saldo de até R$ 100, segundo o Banco Central.



Alguns atributos que tornam a poupança a preferida do público são: facilidade de acesso e movimentação, liquidez diária, segurança, uma vez que o produto conta com garantia de um fundo de R$ 60 mil por CPF e ausência de tributação, o que atualmente torna a aplicação mais atraente do que alguns fundos de investimentos tributados pela Receita Federal e com taxa de administração superior a 3% ao ano.

A Caixa Econômica Federal é uma das instituições mais tradicionais, com quase 40 milhões de contas de poupança com um total de R$ 112,5 bilhões em abril, o que corresponde a mais de 34% de todo o mercado nacional. "O Bradesco é o primeiro banco privado em quantidade de poupadores e está no seu DNA administrar a poupança do brasileiro", diz o diretor do Bradesco, com mais de 36 milhões de contas de poupança e mais de 21 milhões de poupadores, considerando-se o CPF. Segundo ele, o banco tem R$ 46 bilhões de ativos na caderneta, o que representa participação de 34% com relação aos bancos privados e de 14 % do total do mercado.

O público com maior poder aquisitivo que aplica na poupança costuma arriscar mais quando o gerente oferece produtos com rentabilidade mais atraente. "Para outras pessoas, principalmente as que têm menos recursos, essa aplicação é a mais indicada, bem como para os iniciantes no hábito de poupar", diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimentos do grupo Santander Brasil, com R$ 25,8 bilhões em recursos de mais de 8,3 milhões de poupadores, sendo 4 milhões com menos de R$ 100 de saldo. dentre os novos poupadores, tem se tornado comum os parentes, principalmente avós, darem uma caderneta de poupança para os netos de presente. "Esse é um nicho representativo", afirma.

"Independentemente da rentabilidade ou da criação de novos produtos, a caderneta de poupança tem um aplicador cativo", afirma Jânio Carlos Endo Macedo, diretor de varejo do Banco do Brasil, com R$ 79,5 bilhões em recursos na caderneta de poupança, de 23 milhões de poupadores. Prova disso é que, em 2007, quando a rentabilidade era desfavorável diante do boom da bolsa de valores, com o índice Bovespa batendo sucessivos recordes, ou com o brilhante retorno das taxas dos títulos do Tesouro, a captação da poupança se manteve estável.

O segmento de clientes de menor renda sempre teve a poupança como sua principal opção de investimento, considerando sua facilidade e simplicidade, e especialmente a confiança no produto, como fatores decisivos para aplicar. "Atualmente, frente à rentabilidade oferecida, a poupança foi incluída como mais uma alternativa na diversificação de investimentos para grandes investidores", informa a Caixa.

O volume de depósitos bateu recorde em abril, superando os saques em R$ 1,7 bilhão, o melhor resultado para o mês desde 2007. No acumulado do ano, a captação líquida é recorde, com R$ 5,9 bilhões, segundo dados consolidados até abril. A maior desde o início da série histórica de 1995.

O resultado é atribuído à boa situação financeira das famílias e pelo fato de as cadernetas terem se destacado em rentabilidade nos últimos meses. Além de proporcionar o mesmo retorno para qualquer patrimônio, seja ele de R$ 100 ou de R$ 10 mil, a poupança oferece juros fixos de 0,5% ao mês, o que significa 6,17% ao ano, mais a variação da Taxa Referencial (TR).

"Não há expectativa de crescimento de juros em patamares elevados, o que, a priori, mantém atratividade à rentabilidade da poupança", informa a Caixa. Mesmo assim, dificilmente um consultor recomendaria ao aplicador migrar de um fundo de renda fixa para a poupança. "Só quem não tem conhecimento de mercado e poucos recursos deve ficar na poupança", diz Willian Eid Júnior, consultor de finanças pessoais.

Nos últimos três anos, a participação da poupança no total de aplicações do mercado financeiro se manteve estável. Hoje, ela representa 20% do total de ativos aplicados, afirma Luiz Antônio França, presidente da a Associação Brasileira de Entidades de Crédito (Abecip). "Mas, no passado, já chegou a representar 40%."

Para evitar a migração de recursos de outros produtos financeiros para a poupança, o governo chegou a mandar para o Congresso Nacional em 2009 uma sugestão para corrigir um possível desequilíbrio que essa situação poderia causar. Como a poupança tem regras, com o direcionamento de 65% do valor para o crédito imobiliário e recolhimento de compulsório, traria uma complicação para os bancos e para o governo. A ideia inicial era tributar as aplicações acima de R$ 50 mil na alíquota de 22,5% de Imposto de Renda. Isso representaria tributar apenas 1,06% dos aplicadores. Mas foi descartada pelo governo.

Difícil mesmo é tolher a criatividade do mercado financeiro, acostumado a ofertar inovações num país que conviveu com taxas de inflação elevadas e hoje pratica a maior taxa real de juros do mundo. As aplicações automáticas voltaram, como uma forma de dar aos clientes conservadores uma alternativa com uma roupagem de poupança mais moderna.

Poucos clientes gostam dessa solução da aplicação automática, que agrada mais os bancos ao reduzir o saldo de depósitos à vista em conta corrente, no qual precisam recolher compulsório sem receber remuneração. Para os clientes menos familiarizados com aplicações financeiras, o que fica é uma grande desordem no saldo bancário, sem ter claro o que tem em conta corrente, o que está aplicado ou mesmo se está usando o limite de cheque especial.

Outra mudança que pode ocorrer é os bancos estimularem a captação da poupança para fazer frente à explosão do crédito imobiliário que se observa no Brasil. Hoje, o problema não existe. Os recursos captados são suficientes para fazer frente a demanda atual. No ano passado, 27 mil imóveis com valores entre R$ 150 mil e R$ 500 mil foram financiados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), o que significou R$ 34 bilhões. A previsão para 2010 é chegar a R$ 50 bilhões. "Mas daqui a dois ou três anos, os recursos da caderneta de poupança podem não ser suficiente para atender à demanda por crédito imobiliário", diz Luiz Antônio França.

Com a captação recorde de abril, a expectativa para os próximos anos é de crescimento na captação, acompanhando a evolução do crédito imobiliário. Afinal, a renda média da população está aumentando e nem tudo vai para o consumo.

Mesmo com a elevação da Selic para 9,5% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em 28 de abril, a poupança ainda se mantém atrativa entre os produtos financeiros ofertados para o varejo. Para empatar com a poupança, um aplicador de fundos de varejo precisa conseguir uma taxa de CDB acima de 90% do CDI ou um fundo DI que cobre menos de 1,5% ao ano de taxa de administração.

Caso haja necessidade de captar mais recursos na poupança para atender o crédito imobiliário, ações de marketing como colocar um título de capitalização na poupança para atrair novos investidores com o apelo do sorteio pela loteria federal ou dar brindes de presente para quem fizer depósitos são suficientes para engordar o cofre dos bancos, segundo experiência passada.

Mas nem tudo é tão pacífico na caderneta. Há turbulências. Como a vivida no Plano Collor, que completou 20 anos. Naquela época, investir o dinheiro significava colocar o que não era corroído pela inflação na caderneta de poupança. Mas nem ela foi poupada da engenharia financeira da equipe capitaneada por Zélia Cardoso de Mello, a então ministra da Economia, mais conhecida por confiscar a poupança dos brasileiros.

Os bancos ainda enfrentam hoje um déficit grande da época Collor. As cadernetas de poupança tiveram uma correção menor do que deveria. Em vez do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), os saldos foram reajustados pelo Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF), criado na ocasião. Uma diferença e tanto. O BTNF foi de 41,28% em março de 1990 e o IPC de 84,32%. Em abril, para um IPC de 44,8%, as cadernetas tiveram 0,5% de juro pelo BTNF.

O prazo prescricional para recuperar o reajuste devido se encerrou em março. A última contagem realizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) contabilizou mais de 1 mil ações civis públicas e outras 808 mil ações individuais. Essas ações representam um volume considerável. O valor da contingência, que seria pegar todo o saldo de poupança da época do confisco do Plano Collor e atualizar com a base da correção até os dias de hoje, chega a R$ 126 bilhões.

Cerca de 50% das ações envolvem os bancos públicos, líderes na captação de caderneta de poupança na época e ainda hoje. Os bancos fazem a provisão dos valores das ações individuais. Segundo Antonio Carlos de Toledo Negrão, diretor jurídico da Febraban, há cálculo médio de que há 25% de improcedências nas ações. Seja porque o reclamante não tinha poupança; ou não conseguiu provar que tinha; ou que o juiz julga o pedido improcedente. Nas ações coletivas, não há como fazer o provisionamento pelo fato de ser uma incógnita o valor que será determinado caso o banco seja executado.

Para os poupadores conservadores, qualquer que seja o cenário, a poupança continuará a mesma. Com uma vantagem num cenário eventual de juros baixos: está entre as alternativas mais atraentes nas ofertas de renda fixa. Como os bancos têm feito de tudo para agradar os clientes, a caderneta se manterá lá na prateleira, para o que der e vier.

terça-feira, 25 de maio de 2010

A nova safra de ETF

Valor Econômico


 

25/05/2010


 

Por Daniele Camba e Alessandra Bellotto, de São Paulo

A iniciativa da BM&FBovespa , de abrir o mercado brasileiro de fundos de índice (os Exchange Traded Funds, ou ETFs) para novos participantes, está atraindo mais um gigante internacional, o americano State Street. Ele é o segundo maior em gestão de ETFs no mundo - um mercado com mais de US$ 1 trilhão em ativos -, atrás apenas da também americana BlackRock, que praticamente detém a exclusividade no segmento no país.

O State Street, segundo uma fonte próxima ao grupo que pediu para não ser citada, estaria negociando uma parceria com um gestor independente local para entrar na gestão de ETF no Brasil. Procurado, o grupo não confirmou nem desmentiu a informação. Do lado da asset local, o interesse estaria na expertise do Sate Street nesse mercado - que administra US$ 160 bilhões em ETFs globais -, com grande potencial de crescimento no país.

A expectativa é de que a parceria local não seja concluída a tempo de montar a estrutura operacional necessária para a participação no primeiro leilão de ETF organizado pela BM&FBovespa com o objetivo de selecionar novos gestores. O novo fundo, alvo do leilão, irá replicar o Índice Financeiro (IFNC). O cronograma com os detalhes da oferta deve sair ainda nesta semana. Além do PIBB (Papéis de Índices Brasil Bovespa), administrado pelo Itaú Unibanco, o mercado local reúne seis fundos de índice, sendo dois setoriais, de consumo e imobiliário, todos eles geridos pela BlackRock.

A asset americana já confirmou o interesse em participar do leilão, mas a bolsa também quer atrair gestores locais. Para isso, nas últimas semanas, executivos da BM&FBovespa visitaram as principais gestoras ligadas a grandes bancos, a fim de divulgar o leilão. Segundo apurou o Valor, boa parte delas ainda não tem interesse em participar do negócio. A exceção seria a Caixa Econômica Federal.

"Devemos participar do leilão, apesar de ainda não sabermos direito como serão as regras", diz a gerente nacional de produtos para terceiros da Caixa, Eliana Vincensi. Por ser a réplica de um índice fechado, ela acredita que o produto pode ser mais facilmente entendido pela pessoa física do que outros tipos de fundos de ações. "A Caixa pode usar a sua grande rede de varejo para distribuir os ETFs", acrescenta a executiva.

Já para os investidores institucionais, Eliana acredita que os fundos de índice são menos vantajosos do que carteiras exclusivas. Ela faz a ressalva, no entanto, de que o sucesso do ETF entre o pequeno investidor depende da melhora do cenário internacional e da continuidade do processo de queda da taxa Selic no longo prazo.

O Brasil deve seguir os passos dos mercados mais maduros, que perceberam a importância de estratégias passivas tanto para estimular transações em bolsa quanto para complementar o portfólio do investidor, afirma o diretor de marketing da BlackRock para América Latina e Ibéria, André Ribeiro Turquetto. "O ETF é a porta de entrada do investidor na bolsa", diz. Além de ser um instrumento simples, fácil de ser compreendido, o executivo destaca que, no caso da pessoa física, ele é bem mais barato do que uma carteira ativa de ações. Além da transparência, já que a cota é negociada em bolsa.

Nos Estados Unidos, pessoas físicas e institucionais dividem meio a meio o volume de negócios com ETFs, que já representa cerca de 20% do movimento total da Bolsa de Nova York. No Brasil, segundo Turquetto, esse é um segmento recente, ainda pouco explorado. Mas ele ressalta que a bolsa, ao pensar em mais um fundo de índice setorial, demonstrou claramente seu interesse pelos ETFs, o que é um avanço. "Como líder mundial em ETFs, com US$ 500 bilhões em ativos, e principal gestor local, a BlackRock naturalmente vai entrar no leilão", afirma.

Mas o ETF não caiu nas graças de todas as instituições. Entre os principais entraves apontados pelas gestoras de alguns bancos para entrar nesse filão, ao menos por enquanto, estaria a falta de demanda. Segundo o diretor de uma dessas assets, seria difícil oferecer o ETF a investidores institucionais cobrando uma taxa de administração de 0,75% ao ano (percentual máximo permitido pela bolsa), já que eles conseguem, com facilidade, montar carteiras exclusivas pagando menos de 0,5%. Já pelo lado da pessoas física, ele acredita que o produto é mais complexo e difícil de emplacar.

O diretor de renda variável da BM&FBovespa, Júlio Ziegelmann, rebate as críticas. Ele lembra que o 0,75% é a taxa máxima estipulada pela bolsa, mas nada impede os gestores de cobrarem menos. Sobre as pessoas físicas, o diretor destaca que elas representam 50% de todo o volume de ETF negociado nos EUA, enquanto no Brasil já movimentam quase 14%. "Existe sim um bom potencial de crescimento entre as pessoas físicas, especialmente se as assets de bancos de varejo se interessarem pelo negócio."

A participação do pequeno investidor ainda é baixa no Brasil por alguns motivos. Primeiro, porque os ganhos na renda fixa ainda são altos, o que inibe a migração para a bolsa. Outro motivo é o fato dos primeiros ETFs após o PIBB terem sido estruturados pelo Barclays, hoje BlackRock, gestores com muita relevância internacional, mas sem nenhum apelo junto ao investidor local.

Esse é um segmento que tem tudo para crescer entre os hedge funds locais, como investidores, acredita o vice-presidente da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello. "Para esse público, o ETF é um instrumento barato de alocação de recursos." No caso das fundações, a oferta esbarra no custo mais alto e, para a pessoa física, é preciso vencer a barreira da concorrência com os tradicionais fundos de ações do varejo.

Alguns dos gestores ouvidos pelo Valor ressaltam que o ETF do setor financeiro é um produto bastante específico e, portanto, com uma dificuldade adicional para o entendimento do investidor de varejo. Ziegelmann, da Bovespa, diz que a bolsa está aberta para criar ETFs de qualquer índice, até daqueles que ainda nem existem. "Temos o maior interesse em montar novos índices sugeridos pelas assets e os ETFs desses índices, contanto, é claro, que tenhamos algum tipo de compromisso dessas mesmas assets de participação no leilão."

Segundo o diretor de outra grande gestora de recursos, a instituição só tem interesse em participar dos futuros leilões para ETFs de índices internacionais. "Sem dúvida haverá muita demanda de investidores brasileiros para negociar ativos externos sem precisar sair do Brasil", diz o diretor. Antes, no entanto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terá de mudar a regra de fundos de índice, a Instrução 359, permitindo a negociação de ativos do mercado externo. A bolsa, juntamente com a Associação Brasileira das Entidades do Mercado Aberto e de Capitais (Anbima), já encaminhou para a CVM uma proposta de mudanças da Instrução, lembra Ziegelmann, da Bovespa.

Os grandes gestores também reclamam da falta de clareza sobre os critérios para a pré-qualificação para o leilão. "O ideal seria se já soubéssemos exatamente quais são as regras", diz Eliana Vincensi, da Caixa. Segundo o diretor da bolsa, os critérios ainda estão sendo definidos, mas tudo indica que serão simples, assim como o pré-requisito principal deverá ser um patrimônio mínimo sob gestão. "As regras estarão bem em linha com o que discutimos com os gestores", diz Ziegelmann.

Por fim, existe um ressentimento de alguns bancos pelo fato de a bolsa ter decidido dar exclusividade ao braço de ETF do Barclays, hoje nas mãos da BlackRock, na estruturação dos primeiros seis ETFs. Ziegelmann lembra que, na época, a bolsa precisava montar a parte técnica do produto e nada mais natural do que se unir ao "número 1" do mundo.

Bancos dizem que é hora da pechincha

Valor Econômico

25/05/2010

Daniele Camba

Desde que a crise na Europa se instalou de forma mais acentuada, o que mais se ouve são investidores se lamuriando pelas perdas que tiveram em suas carteiras de ações. Mas há quem acredite que estes são os melhores momentos para se comprar ativos a preços menores e com um bom potencial de valorização, até por causa da queda em si.


 

Entre sexta-feira e ontem, alguns bancos divulgaram relatórios na linha de que "há sempre um lado positivo em meio a uma situação negativa". Alguns analistas acreditam, inclusive, que a bolsa subiu na sexta e durante boa parte do pregão de ontem graças a esse novo olhar sobre a crise.

Ontem, foi a vez do J.P. Morgan falar sobre o assunto. O banco acredita que este é um bom momento para os investidores comprarem ações da América Latina, depois das grandes quedas recentes. O banco lembra que nas últimas duas décadas o mercado latinoamericano teve 15 correções de mais de 20%. Essas desvalorizações foram, em média, de 26% e ocorreram durante cerca de 11 semanas. O movimento atual de queda já atinge aproximadamente 21% e se encontra na quinta semana. Nessas últimas 15 correções, a recuperação média foi de 51% nos 12 meses seguintes.

Esse cenário traçado pelo banco americano quer dizer que as bolsas da América Latina já caíram boa parte do que deveriam cair e que a recuperação pode estar muito próxima de começar. O relatório lembra ainda que no ponto atual em que o mercado se encontra costuma ocorrer historicamente um retorno médio de 27% em 12 meses.

Além da história recente a favor, os analistas do J.P.Morgan ressaltam que as bolsas da América Latina estão baratas em termos de múltiplos. Segundo eles, o preço sobre lucro (P/L, que dá uma ideia de quantos anos deve demorar para o investidor ter de volta o quanto aplicou) do índice Morgan Stanley Capital International (MSCI) da América Latina está em 9,8 vezes para os próximos 12 meses, abaixo da sua média de longo prazo e cerca de 30% abaixo do seu maior nível, de 14,1 vezes.

Todo esse cenário benigno, no entanto, considera a hipótese de que a crise nos países da União Europeia vai aos poucos se acalmar, especialmente depois da implementação do megapacote de ajuda de 1 trilhão. Os analistas do banco americano afirmam que os fundamentos globais hoje são muito melhores do que na crise de 2008, que começou no setor hipotecário americano de alto risco. Eles acreditam que o impacto da crise europeia na América Latina deve ser limitado, uma vez que os fundamentos dos países da região são bons e as bolsas estão depreciadas em cerca de 20%.

O gestor de renda variável da Infinity Asset Management, George Sanders, concorda com essa tese de que países com fundamentos superiores, como o Brasil, podem se descolar da crise Europeia. "A grande questão é argumentar para o investidor que ele deve comprar mesmo com as ações estando em queda", diz. Ele acredita que o descolamento do Brasil depende da vontade do país de mostrar que é bem mais rigoroso do que países como a Grécia. "Este é o momento certo do Brasil dar bons sinais de cortes de gastos públicos", observa Sanders.

O Índice Bovespa ontem fechou em baixa de 0,57%, aos 59.9015 pontos. Para o analista da Gradual Investimentos Flávio Conde, o indicador deve ficar na casa dos 60 mil pontos no curto prazo. "Para sair disso, tanto para cima quanto para baixo, são necessárias notícias positivas ou negativas suficientemente fortes, o que não vejo ocorrer pelo menos nesta semana."

Daniele Camba é repórter de Investimentos

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A consagração da classe média

Folha de São Paulo

24/05/2010

O chavão presidencial não perde sua veracidade: nunca antes na história deste país foram vendidos tantos imóveis


 



DE 2008 PARA cá, a economia brasileira, feliz como uma criança que brinca na segurança da sala de casa, ignorava as tempestades que caíam lá fora e crescia com saúde.
Não faltaram sinais: recordes de novos empregos com carteira assinada, de financiamentos imobiliários, de queda na informalidade e de arrecadação de impostos pelo governo federal.
Na crise que não existiu em algumas regiões do Brasil, a classe média ganhou força.
Confiantes, os empresários perceberam a oportunidade e geraram mais empregos formais, que não só aumentaram a renda das famílias mas também sua segurança -devido à proteção da carteira assinada.
Com um timing admirável, o governo adotou iniciativas há muito esperadas para incentivar o consumo: redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e subsídios ao financiamento imobiliário, somados ao aumento da contratação de servidores.
A pirâmide social brasileira, hoje predominada pela classe média, agora quer colher os frutos dessa conquista. Ou melhor, já está colhendo.
Em março deste ano foi registrado novo recorde histórico no volume de financiamentos imobiliários. O chavão presidencial é motivo de piadas, mas não perde sua veracidade: nunca antes na história deste país foram vendidos tantos imóveis.
Pode-se questionar esse otimismo, partindo da percepção de que nunca os brasileiros estiveram tão endividados. Na verdade, já estivemos mais endividados, mas nunca antes tantas pessoas assumiram financiamentos tão volumosos e de prazo tão longo.
Apesar de isso significar uma expectativa de grande desembolso de juros por parte das famílias, não podemos interpretar o fato como ruim, pois se trata do tipo mais barato de dívida que o brasileiro pode ter.
Também em março outro recorde foi registrado: o de nível mínimo de inadimplência. Esse fato, sim, explica muita coisa.
O brasileiro está se endividando, a custo cada vez mais baixo, e honrando cada vez mais seus compromissos. Na linguagem do mercado, nosso perfil de crédito está melhorando.
O raciocínio, porém, não vale para todo tipo de financiamento. Com o aumento da renda, a classe média passou a realizar também o sonho do carro próprio, da viagem própria e do cartão de crédito próprio.
Muitas oportunidades, muitas ofertas seduzindo. Se fôssemos financeiramente bem-educados (não somos), isso não seria problema.
Porém, para quem sempre esteve acostumado a pegar trocados no pote de biscoitos para pagar as contas na lotérica, muitas oportunidades podem se traduzir brevemente em muitos problemas.
Gastar a prazo sem um planejamento metódico provavelmente levará muitas famílias a perder as rédeas da situação, e em breve teremos um aumento significativo na inadimplência e no uso de instrumentos de crédito de péssima qualidade, como o cheque especial e o crédito rotativo no cartão.
Depois de tanto tempo esperando sua vez chegar, será que a classe média tem agora de se submeter ao velho conselho de economizar e se preocupar muito com o futuro? Minha opinião é que não.
Quem está com sua carteira assinada pela primeira vez merece comemorar e gastar um pouco mais. Porém, não faz muito sentido gastar a ponto de arruinar o orçamento dos meses seguintes. Equilíbrio é a palavra-chave. Gaste menos do que você tem, mas gaste principalmente com o que você gosta.
Celebre! Repense o tamanho de sua casa, escolha uma mais econômica, para que caibam mais prestações de coisas interessantes em seu orçamento.
E, independentemente do seu estilo de gasto, faça as contas e poupe o mínimo necessário, para que essa conquista se mantenha por toda a sua vida. Enriquecer é um processo relativamente simples para quem desfruta de estabilidade na renda, que exige de nós mais do que boas escolhas hoje.
Precisamos fazer boas escolhas sempre, conferindo sustentabilidade a nosso consumo. A estabilidade da economia brasileira depende essencialmente da estabilidade dos orçamentos de suas famílias.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Mais Tempo, Mais Dinheiro" (Thomas Nelson Brasil).
Internet: www.maisdinheiro.com.br

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