quinta-feira, 27 de maio de 2010

Opção tradicional

Valor Econômico

27/05/2010

Por Denise Bueno, para o Valor, de São Paulo

Entra ano e sai ano e a caderneta de poupança continua a mesma. As centenas de aplicações financeiras customizadas ao gosto do freguês que surgiram nos últimos anos não foram capazes de seduzir alguns adeptos da caderneta. "Já faz parte da cultura de alguns brasileiros", diz Marcos Villanova, diretor de produtos de investimentos do Bradesco.

No Brasil, são mais de 91 milhões de clientes, com R$ 325,7 bilhões depositados na caderneta, dos quais 58% têm saldo de até R$ 100, segundo o Banco Central.



Alguns atributos que tornam a poupança a preferida do público são: facilidade de acesso e movimentação, liquidez diária, segurança, uma vez que o produto conta com garantia de um fundo de R$ 60 mil por CPF e ausência de tributação, o que atualmente torna a aplicação mais atraente do que alguns fundos de investimentos tributados pela Receita Federal e com taxa de administração superior a 3% ao ano.

A Caixa Econômica Federal é uma das instituições mais tradicionais, com quase 40 milhões de contas de poupança com um total de R$ 112,5 bilhões em abril, o que corresponde a mais de 34% de todo o mercado nacional. "O Bradesco é o primeiro banco privado em quantidade de poupadores e está no seu DNA administrar a poupança do brasileiro", diz o diretor do Bradesco, com mais de 36 milhões de contas de poupança e mais de 21 milhões de poupadores, considerando-se o CPF. Segundo ele, o banco tem R$ 46 bilhões de ativos na caderneta, o que representa participação de 34% com relação aos bancos privados e de 14 % do total do mercado.

O público com maior poder aquisitivo que aplica na poupança costuma arriscar mais quando o gerente oferece produtos com rentabilidade mais atraente. "Para outras pessoas, principalmente as que têm menos recursos, essa aplicação é a mais indicada, bem como para os iniciantes no hábito de poupar", diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimentos do grupo Santander Brasil, com R$ 25,8 bilhões em recursos de mais de 8,3 milhões de poupadores, sendo 4 milhões com menos de R$ 100 de saldo. dentre os novos poupadores, tem se tornado comum os parentes, principalmente avós, darem uma caderneta de poupança para os netos de presente. "Esse é um nicho representativo", afirma.

"Independentemente da rentabilidade ou da criação de novos produtos, a caderneta de poupança tem um aplicador cativo", afirma Jânio Carlos Endo Macedo, diretor de varejo do Banco do Brasil, com R$ 79,5 bilhões em recursos na caderneta de poupança, de 23 milhões de poupadores. Prova disso é que, em 2007, quando a rentabilidade era desfavorável diante do boom da bolsa de valores, com o índice Bovespa batendo sucessivos recordes, ou com o brilhante retorno das taxas dos títulos do Tesouro, a captação da poupança se manteve estável.

O segmento de clientes de menor renda sempre teve a poupança como sua principal opção de investimento, considerando sua facilidade e simplicidade, e especialmente a confiança no produto, como fatores decisivos para aplicar. "Atualmente, frente à rentabilidade oferecida, a poupança foi incluída como mais uma alternativa na diversificação de investimentos para grandes investidores", informa a Caixa.

O volume de depósitos bateu recorde em abril, superando os saques em R$ 1,7 bilhão, o melhor resultado para o mês desde 2007. No acumulado do ano, a captação líquida é recorde, com R$ 5,9 bilhões, segundo dados consolidados até abril. A maior desde o início da série histórica de 1995.

O resultado é atribuído à boa situação financeira das famílias e pelo fato de as cadernetas terem se destacado em rentabilidade nos últimos meses. Além de proporcionar o mesmo retorno para qualquer patrimônio, seja ele de R$ 100 ou de R$ 10 mil, a poupança oferece juros fixos de 0,5% ao mês, o que significa 6,17% ao ano, mais a variação da Taxa Referencial (TR).

"Não há expectativa de crescimento de juros em patamares elevados, o que, a priori, mantém atratividade à rentabilidade da poupança", informa a Caixa. Mesmo assim, dificilmente um consultor recomendaria ao aplicador migrar de um fundo de renda fixa para a poupança. "Só quem não tem conhecimento de mercado e poucos recursos deve ficar na poupança", diz Willian Eid Júnior, consultor de finanças pessoais.

Nos últimos três anos, a participação da poupança no total de aplicações do mercado financeiro se manteve estável. Hoje, ela representa 20% do total de ativos aplicados, afirma Luiz Antônio França, presidente da a Associação Brasileira de Entidades de Crédito (Abecip). "Mas, no passado, já chegou a representar 40%."

Para evitar a migração de recursos de outros produtos financeiros para a poupança, o governo chegou a mandar para o Congresso Nacional em 2009 uma sugestão para corrigir um possível desequilíbrio que essa situação poderia causar. Como a poupança tem regras, com o direcionamento de 65% do valor para o crédito imobiliário e recolhimento de compulsório, traria uma complicação para os bancos e para o governo. A ideia inicial era tributar as aplicações acima de R$ 50 mil na alíquota de 22,5% de Imposto de Renda. Isso representaria tributar apenas 1,06% dos aplicadores. Mas foi descartada pelo governo.

Difícil mesmo é tolher a criatividade do mercado financeiro, acostumado a ofertar inovações num país que conviveu com taxas de inflação elevadas e hoje pratica a maior taxa real de juros do mundo. As aplicações automáticas voltaram, como uma forma de dar aos clientes conservadores uma alternativa com uma roupagem de poupança mais moderna.

Poucos clientes gostam dessa solução da aplicação automática, que agrada mais os bancos ao reduzir o saldo de depósitos à vista em conta corrente, no qual precisam recolher compulsório sem receber remuneração. Para os clientes menos familiarizados com aplicações financeiras, o que fica é uma grande desordem no saldo bancário, sem ter claro o que tem em conta corrente, o que está aplicado ou mesmo se está usando o limite de cheque especial.

Outra mudança que pode ocorrer é os bancos estimularem a captação da poupança para fazer frente à explosão do crédito imobiliário que se observa no Brasil. Hoje, o problema não existe. Os recursos captados são suficientes para fazer frente a demanda atual. No ano passado, 27 mil imóveis com valores entre R$ 150 mil e R$ 500 mil foram financiados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), o que significou R$ 34 bilhões. A previsão para 2010 é chegar a R$ 50 bilhões. "Mas daqui a dois ou três anos, os recursos da caderneta de poupança podem não ser suficiente para atender à demanda por crédito imobiliário", diz Luiz Antônio França.

Com a captação recorde de abril, a expectativa para os próximos anos é de crescimento na captação, acompanhando a evolução do crédito imobiliário. Afinal, a renda média da população está aumentando e nem tudo vai para o consumo.

Mesmo com a elevação da Selic para 9,5% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em 28 de abril, a poupança ainda se mantém atrativa entre os produtos financeiros ofertados para o varejo. Para empatar com a poupança, um aplicador de fundos de varejo precisa conseguir uma taxa de CDB acima de 90% do CDI ou um fundo DI que cobre menos de 1,5% ao ano de taxa de administração.

Caso haja necessidade de captar mais recursos na poupança para atender o crédito imobiliário, ações de marketing como colocar um título de capitalização na poupança para atrair novos investidores com o apelo do sorteio pela loteria federal ou dar brindes de presente para quem fizer depósitos são suficientes para engordar o cofre dos bancos, segundo experiência passada.

Mas nem tudo é tão pacífico na caderneta. Há turbulências. Como a vivida no Plano Collor, que completou 20 anos. Naquela época, investir o dinheiro significava colocar o que não era corroído pela inflação na caderneta de poupança. Mas nem ela foi poupada da engenharia financeira da equipe capitaneada por Zélia Cardoso de Mello, a então ministra da Economia, mais conhecida por confiscar a poupança dos brasileiros.

Os bancos ainda enfrentam hoje um déficit grande da época Collor. As cadernetas de poupança tiveram uma correção menor do que deveria. Em vez do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), os saldos foram reajustados pelo Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNF), criado na ocasião. Uma diferença e tanto. O BTNF foi de 41,28% em março de 1990 e o IPC de 84,32%. Em abril, para um IPC de 44,8%, as cadernetas tiveram 0,5% de juro pelo BTNF.

O prazo prescricional para recuperar o reajuste devido se encerrou em março. A última contagem realizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) contabilizou mais de 1 mil ações civis públicas e outras 808 mil ações individuais. Essas ações representam um volume considerável. O valor da contingência, que seria pegar todo o saldo de poupança da época do confisco do Plano Collor e atualizar com a base da correção até os dias de hoje, chega a R$ 126 bilhões.

Cerca de 50% das ações envolvem os bancos públicos, líderes na captação de caderneta de poupança na época e ainda hoje. Os bancos fazem a provisão dos valores das ações individuais. Segundo Antonio Carlos de Toledo Negrão, diretor jurídico da Febraban, há cálculo médio de que há 25% de improcedências nas ações. Seja porque o reclamante não tinha poupança; ou não conseguiu provar que tinha; ou que o juiz julga o pedido improcedente. Nas ações coletivas, não há como fazer o provisionamento pelo fato de ser uma incógnita o valor que será determinado caso o banco seja executado.

Para os poupadores conservadores, qualquer que seja o cenário, a poupança continuará a mesma. Com uma vantagem num cenário eventual de juros baixos: está entre as alternativas mais atraentes nas ofertas de renda fixa. Como os bancos têm feito de tudo para agradar os clientes, a caderneta se manterá lá na prateleira, para o que der e vier.

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