segunda-feira, 21 de março de 2011

Dívida "saudável" inspira cuidados

Correio Braziliense

21/03/2011

A estabilidade monetária e o desemprego em baixa estimulam os trabalhadores a fazer empréstimos ou a parcelar compras de bens duráveis, em especial carros e imóveis, para construir um patrimônio. Mas é preciso estar atento às armadilhas, como os juros altos
Luciano Pires


A estabilidade econômica fez o brasileiro perder o medo de se endividar. Há quase duas décadas convivendo com taxas de inflação relativamente civilizadas e, nos últimos anos, com níveis de desemprego controlados, famílias e jovens espremem o orçamento doméstico com carnês e financiamentos a perder de vista. As prestações fazem parte da rotina de quem sonha em morar no que é seu, daqueles que trocaram o ônibus pelo carro ou dos que apenas investem hoje para colher amanhã.

Essa última classe de pessoas tem se destacado. São assalariados que, apesar dos juros altos e de alguma incerteza futura, preferem sacrificar parte da renda em troca do conforto que a ideia de ser dono de algo caro traz. É o chamado “endividamento saudável”, fenômeno típico de economias que ficaram marcadas no passado por longos períodos de estagnação, que ainda não amadureceram, mas que caminham a passos ligeiros rumo ao seleto clube das nações ricas.

Preocupado com o futuro, o servidor público Marcos Vieira Baeta Neves, 29 anos, financiou seu primeiro imóvel em 360 vezes, o equivalente a 30 anos. “Há um tempo, isso era uma ideia distante de mim, mas venho juntando dinheiro e consegui dar entrada e dividir o restante”, comemora. O apartamento, em Águas Claras, deve ser ocupado depois que a dívida for quitada. “Moro em uma república e alugo o meu imóvel, por enquanto. Só que eu penso em me casar e ir para lá.” Ele paga uma prestação de R$ 2 mil e recebe R$ 1,3 mil do locatário. “É um prejuízo de R$ 700 por mês. Espero que valha a pena.”

Neves diz que, por causa da valorização imobiliária, viu-se obrigado a fechar o negócio antes do previsto. “Os preços estão subindo muito rapidamente. Fiquei com medo de deixar para depois e pagar um absurdo”, explica, ressaltando que o mercado no Distrito Federal é um dos mais dinâmicos do país. Empolgado com o projeto pessoal, ele não esconde a satisfação.

O economista Luiz Carlos Ewald, autor do livro Sobrou dinheiro: lições de economia doméstica, alerta para os perigos do endividamento sem controle. “Muitos dizem que alugar é jogar dinheiro fora. Mas, na verdade, os juros também não têm retorno. A pessoa paga R$ 300 mil em um apartamento que vale R$ 200 mil, no máximo. Com carro, é a mesma coisa. Na ponta do lápis, andar de táxi é mais barato do que ter um automóvel. Não tem seguro nem despesas com manutenção. Essas pequenas despesas o comprador não leva em conta na hora de somar”, adverte.

Inadimplência
Ewald afirma que o comprador deve ter consciência de que o bem só passa a ser dele após a amortização do financiamento. “O número de imóveis que voltam para o banco por inadimplência é muito grande, principalmente na classe C. Se a pessoa comprou uma casa em 20 anos e só pagou cinco, ainda não é dona dela”, indica. Para ele, o endividamento é válido no ponto de vista comportamental. “Se o comprador contrai uma dívida, mas se programa para pagar em um prazo, ele é precavido, embora tenha que pagar juros exorbitantes. Pode ser a realização de um sonho”, contrapõe. “É preciso avaliar a compra.”

A corrida para formar patrimônio, no entanto, tem consequências. Seis em cada 10 brasileiros têm contas vencendo todo mês. Especialistas culpam a farta oferta de crédito como a principal alavanca para o endividamento, que não para de crescer. Dados do Banco Central apontam para um volume de R$ 208 bilhões em dívidas só com o cheque especial. Outros R$ 188 bilhões irrigam linhas de crédito para automóveis. O cartão de crédito responde por R$ 30 bilhões, enquanto o cheque especial deixa em apuros pessoas que devem R$ 18 bilhões.

É o caso do servidor Arcelino Alves da Costa, 56 anos, que se enrolou na hora de comprar a casa própria. “Peguei três empréstimos e financiei o restante na Caixa Econômica Federal. Vou morrer sem terminar de pagar as prestações”, lamenta. “Nunca pensei que seria possível. Tenho medo de que a economia volte a oscilar. Antes não havia prestação fixa.” Costa trata o investimento como herança. “Fiz malabarismo para conseguir comprar o apartamento, mas meus filhos não ficarão desamparados.”

O educador financeiro Mauro Calil explica que a maior parte da população extrapola os limites recomendáveis de endividamento contando que a compra de bens de alto valor agregado são investimentos que, mais cedo ou mais tarde, terão retorno. Na avaliação do analista, cada caso é um caso. “O mundo das finanças tem dois lados: aquele de quem paga e aquele de quem recebe juros. E os juros retardam a formação de patrimônio”, ensina.

Distorções
Autor do livro A receita do bolo, que ensina a enriquecer com disciplina, o educador financeiro Mauro Calil lembra que o desejo de consumo reprimido nas pessoas que conviveram com a hiperinflação distorceu conceitos econômicos básicos. “Patrimônio ativo é aquilo que gera renda. Um imóvel nem sempre é um ativo. Depende se está alugado, se valorizou”,diz. O especialista adverte que casas e apartamentos financiados só passam a ser da pessoa após paga a última prestação.


Para aliviar o orçamento

» Pagar à vista é sempre a melhor opção

» Se for financiar a compra de algum bem, o ideal é negociar juros menores

» Imóveis na planta são mais baratos, mas é importante negociar, já que eles carregam maior risco

» Uma regra básica é não comprometer mais que 30% da renda familiar com dívidas de cartão, cheque especial e prestações

» Na hora de refinanciar a dívida, livre-se dos juros antes de tudo

» Coloque todas as despesas na ponta do lápis e não perca o controle

» Faça uma análise e veja se estará preparado para cobrir as prestações no prazo prometido

» Quando possível, poupe

Fonte: especialistas ouvidos pelo Correio

domingo, 20 de março de 2011

Taxa de administração superior a 1,5% torna fundos péssimo negócio


20/03/2011

 

SEU BOLSO

Bancos cobram de 0,5% a 4% sobre o valor aplicado para gerir o investimento. Tarifa elevada faz rendimento perder da poupança

Vera Batista

Fábio Monteiro

Fundos de investimento se tornaram as aplicações preferidas de quem entende pouco de mercado financeiro e não tem muito dinheiro disponível. Com sua ascensão, as classes C, D e E se tornaram alvo da cobiça de gestores, administradores e distribuidores do produto ao mesmo tempo em que bancos e corretoras abriram uma guerra pela melhor oferta. O que faz a diferença ao escolher onde aplicar os recursos é a taxa de administração. Às vezes, ela está disfarçada sob o pomposo nome de taxa de performance (penduricalho cobrado, caso o gestor do fundo ultrapasse os objetivos de rentabilidade).
A taxa de administração varia de 0,5% a 4% sobre o valor aplicado — não sobre o rendimento. Se R$ 10 mil forem investidos à taxa de 2%, serão descontados R$ 200 ao ano (ou cerca de R$ 17 ao mês). Os investidores devem ficar atentos: qualquer cobrança superior a 1,5% pode tornar a aplicação nos fundos um péssimo negócio porque come excessivamente o rendimento. Como ainda é preciso recolher o Imposto de Renda, os ganhos ficam muito pequenos, frequentemente menores do que os da caderneta de poupança, que é isenta tanto da taxa como do tributo.
Segundo estudo da Associação Brasileira de Entidades Financeiras e de Capitais (Anbima), as taxas das principais categorias de fundos caíram de dezembro de 2010 para janeiro, mas as cobradas dos investidores de varejo ficaram acima do nível médio. A categoria Referenciado DI subiu 0,46 ponto percentual, para 1,35%; e a de Renda Fixa teve alta de 0,28 ponto percentual, ficando em 1,12%.
O professor César Frade, 39 anos, começou a investir em 1996. À época, por não dominar o assunto, optou pelos fundos dos bancos. Após 10 anos, entendeu que as taxas são abusivas. “Dependendo do quanto você investe, a taxa de administração pode ficar muito alta”, analisa. Hoje, paga mensalidade de R$ 10 para uma corretora e faz movimentações por conta própria. “Resolvi cuidar sozinho porque aprendi como funciona e sei o que quero investir. Estava pagando caro por uma coisa que posso fazer.” Mas o professor alerta: ganhar autonomia requer estudo e experiência. “Cuidar das próprias aplicações é um caminho arriscado e perigoso para quem não entende.”
Os bancos se defendem afirmando que os custos das operações levam em conta a experiência dos profissionais envolvidos. “Temos uma equipe especializada, que acompanha as movimentações do mercado. Isso, evidentemente, gera custos, mas garante tranquilidade ao cotista que não tem tempo ou conhecimento”, argumenta Clayton Calixto, gerente de Relacionamento do grupo Santander. Saulo Sappir Sabbá, diretor de Gestão da Máxima Asset, ressalta que as “casas menores” oferecem melhor atendimento, maior rentabilidade e cobram menos.
Para Francisco José Santos, superintendente de Relações com Investidores Institucionais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo porte do setor, que envolve patrimônio de R$ 1,5 trilhão, 10 mil fundos e 10 milhões de cotistas, a incidência de problemas e reclamações é bem pequena, até mesmo se comparada a estatísticas internacionais. Assim mesmo, para os investidores, todo cuidado é pouco. “Façam análise do seu perfil de risco, verifiquem se os gestores e os administradores são registrados na CVM e procurem estudar o histórico desses profissionais”, aconselha.
Lucro gordo
Não é à toa que os fundos de investimento estão em alta. Nos cálculos de Saulo Sappir Sabbá, diretor de Gestão da Máxima Asset, quem comprou cota de um fundo de renda fixa, no valor de R$ 1 mil, em 2001, e “esqueceu o dinheiro lá por 10 anos”, acordou em 2011 com um lucro de 323,81% e pôde resgatar R$ 4.238. Se investiu em bolsa de valores, ganhou 329,32% (R$ 4.293). “Só perdeu 13,89% se optou pelo fundo cambial (acompanha a variação do dólar). Acabou ficando com R$ 861”, garantiu Sabbá.

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