quinta-feira, 22 de abril de 2010

Como treinar seu dragão

Valor Econômico

22/04/2010

Por Angelo Pavini e Luciana Monteiro, de São Paulo

A alta da inflação neste ano mexe diretamente com o bolso do investidor, corroendo o valor da moeda e das aplicações. Mas, se bem administrada, essa volta do dragão da inflação pode trazer ganhos. Por exemplo: o mercado está dividido tanto sobre o ritmo de alta dos índices quanto sobre a intensidade da reação do Banco Central no contra-ataque aos preços via aumento da taxa de juros. E essas indefinições puxam para cima os ganhos nas taxas prefixadas dos títulos do governo, tornando-os mais atrativos para quem compra papéis diretamente via Tesouro Direto ou via fundos de renda fixa.

A estimativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano está em 5,32%, conforme o último Boletim Focus. Para o Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M), as projeções apontam para 7,99%. Embora o ritmo não seja galopante, ganhos acima da inflação não serão triviais.

A alta da inflação se acentuou neste começo de ano com pressões pontuais nos setores de serviços e alimentos, mas agora há sinais também de demanda muito aquecida, diz Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. Apesar de as previsões não serem de uma alta explosiva - a consultoria trabalha com 4,9% para o IPCA deste ano, menos que o mercado -, o índice acima da meta do governo, de 4,5%, obrigará o BC a puxar os juros, hoje de 8,75% ao ano. "A discussão é sobre como será esse ciclo de aperto", diz.

A Tendências esperava alta de 0,5 ponto percentual neste mês e novas puxadas iguais, parando em 2,5 pontos, ou uma Selic de 11,25%. "Mas olhando os números de atividade aumentamos a previsão para 3 pontos, o que daria 11,75%", diz. "E somos relativamente conservadores, há casas trabalhando até com 6 pontos de alta, ou 14,75%."

As projeções do mercado, de uma taxa de juros de 12% para o início de 2012 e de 12,5% para o começo de 2013, já embutem um prêmio de risco considerável, de 3,25 e 3,75 pontos percentuais, respectivamente, diz Alessandra. Especialmente porque a expectativa da Tendências é de que a inflação comece a arrefecer nos próximos meses. Mas o investidor pode ter uma surpresa com um juro maior? Pode, admite ela, mas é pouco provável. "Olhando essas taxas de juros, até seria um ponto interessante para comprar papéis prefixados, pois se a previsão estiver correta e a inflação recuar, o juro deve cair bem", diz.

No curto prazo, haverá o impacto da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), terça e quarta da semana que vem. O mercado espera alta de 0,75 a 1 ponto percentual. "Se sair 0,5 ponto, o mercado vai ficar decepcionado e a curva de juro mais longa pode subir, pois todos vão esperar inflação alta", diz. Nesse caso, será também um bom momento para comprar os papéis mais longos. Se a puxada for de 0,75, as taxas devem ficar iguais. Mas se o Copom aumentar o juro para 9,75%, as taxas mais longas devem sofrer, pois a expectativa será de inflação reprimida de forma mais severa.

Alessandra observa que o mercado discute se o governo vai ser mais leniente com inflação. "Houve mudança na equipe do BC e alguns acham que os funcionários de carreira poderiam ser mais sujeitos à pressão política", diz Alessandra. "Mas essa não é nossa visão", destaca. Para ela, o BC pode buscar "suavizar" os processos, levando em consideração variáveis, como o ambiente pré-eleitoral.

O mercado já puxou para cima as taxas de juros futuras e pode haver um prêmio interessante nas taxas mais longas, para 2011 e 2012, diz Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. Ele não vê muita atratividade, porém, nos papéis pós-fixados. "Se pegarmos os juros pagos nas NTN-B (corrigidas pelo IPCA) com vencimento em 2012, veremos que, para empatar com o juro prefixado do mesmo prazo, a inflação teria de ser de 5,60% ao ano", diz. Isso significaria que o BC admitiria uma inflação bem acima da meta neste e no próximo ano.

O prêmio dos títulos atrelados à inflação já ocorreu no início do ano, quando as expectativas de preços maiores cresceram. Por isso, papéis como as NTN-B são opções apenas para proteção neste momento e não para o investidor que quer ganhos diferenciados, ressalta Marianna Costa, economista-chefe da Link Investimentos. Por isso, ela aconselha o investidor fazer uma mescla entre títulos de inflação e com juros pós-fixados. "Num cenário de alta de juros, pode ser interessante comprar também papéis que seguem a Selic."

O investidor não deve se deixar levar pelo retorno passado dos títulos ligados à inflação ou mesmo dos fundos multi-índice, pois o ganho adicional que havia já aconteceu, ressalta Marcelo Faria Figueiredo, superintendente de alocação de recursos do Banco Fator. Tanto que muitos gestores que ganharam dinheiro apostando na inflação começam até a se desfazer dessas operações. Ele cita os fundos imobiliários e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) como boas alternativas para quem quer ser proteger da alta de preços e ter ganho real.

Segundo Mello, da SulAmérica, é normal quando começa um período de alta dos juros que o mercado fique confuso e as taxas futuras subam acentuadamente, pois não se sabe como vai ser o impacto das medidas na economia e a estratégia do BC. "Se isso se confirmar, podemos ter hoje uma oportunidade na curva futura", diz. O risco é o BC "ficar atrás da curva", ou seja, correr atrás da inflação e subir menos os juros, o que poderia ser indicado por uma alta de 0,5 ponto. "Mas se a alta for de 1 ponto, os juros longos terão redução forte", diz.

A economia brasileira está bastante aquecida, a despeito do aumento esperado da taxa de juros, diz Otávio Vieira, diretor de investimentos da Safdié Gestão de Patrimônio. Isso significa que há todos os elementos para que a inflação se mantenha pressionada, avalia. Lá fora, a retomada da atividade econômica, ainda que modesta, deve pressionar as commodities. "Imagine quando essas regiões estiveram se expandindo de maneira mais forte." Por isso, acrescenta, é importante prestar atenção ao juro real, pois o Brasil deverá conviver com inflação estrutural mais alta nos próximos anos.

Os títulos atrelados ao IGP-M são os preferidos de Vieira. O problema é que o governo deixou de emitir esses papéis e, mesmo no caso de debêntures, há poucas opções indexadas ao índice. Uma boa opção podem ser os fundos imobiliários, cuja renda para o investidor vem de aluguéis e de uma eventual valorização das cotas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Wall Street é aqui

Valor Econômico

20/04/2010

Em breve, os investidores brasileiros poderão negociar aqui ações de grandes companhias americanas. Até o fim deste semestre, a Bovespa pretende acertar os últimos ponteiros para a negociação de Brazilian Depositary Receipt (BDRs - recibos de ações de empresas estrangeiras negociados no Brasil) não patrocinados, ou seja, trazidos por instituições financeiras, e não pela própria companhia emissora.

A medida é parte de um projeto maior da Bovespa, de aumentar o leque de produtos de renda variável. Além dos BDRs, serão criados formadores de mercado ( " market makers " ) para opções tanto do Índice Bovespa quanto das principais ações do referencial. No mercado de opções, o investidor negocia o direito de compra ou venda de um ativo por um determinado preço em uma data futura. O terceiro projeto são novos fundos de índice com cotas negociadas em bolsa (ETF, na sigla em inglês).

Nos três casos, a bolsa vai abrir concorrência para escolher a instituição financeira que vai tocar o produto. Tanto nos ETFs quanto nos BDRs, ganha quem garantir o maior volume de negócios. Já no caso dos formadores de mercado, ganha a instituição que se comprometer com o maior volume e a menor diferença de preço ( " spread " ) entre as ofertas de compra e de venda.

As negociações dos BDRs são as mais adiantadas. Cada instituição trará um pacote com dez empresas diferentes para serem negociadas. O primeiro acordo já está fechado e será divulgado em breve, disse ao Valor o diretor de renda variável da BM&FBovespa, Júlio Ziegelmann, que não quis revelar o nome do parceiro. Nesse primeiro acordo não houve concorrência, uma vez que a instituição ajudou a bolsa a estruturar a negociação, assim como ocorreu com a banco Barclays na montagem dos primeiros ETFs.

O plano é trazer apenas BDRs de companhias americanas. Sem adiantar nomes, Ziegelmann afirma que a primeira instituição financeira trará BDRs de empresas conhecidas na bolsa dos EUA. Isso pode significar a entrada no Brasil de ações como General Electric (GE), Coca-Cola, Pepsi, Microsoft, Dell, McDonald " s, Exxon, Wal-Mart, Johnson & Johnson e Hewlett-Packard (HP), todas listadas no Índice Dow Jones.

Pelas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como os papéis virão por intermédio de instituições financeiras representantes e não pelas próprias companhias emissoras, eles poderão ser negociados apenas por instituições financeiras, fundos de investimento, administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM em relação aos seus próprios recursos. As pessoas físicas poderão aplicar indiretamente, a partir do momento que tiverem recursos aplicados em fundos que comprarem os BDRs.

Para Ziegelmann, esses BDRs são uma forma das gestoras de recursos de terceiros aumentarem as aplicações no exterior, algo que a CVM já permite para alguns tipos de fundos de investimentos, mas que ainda está começando. " Muitos desses ges-tores ainda não usaram esse benefício porque é custoso e complicado aplicar fora do país, mas isso muda de figura a partir do momento que eles poderão aplicar sem sair da Bovespa " , diz o diretor. Os fundos multimercados, por exemplo, podem alocar até 20% do patrimônio líquido no exterior e os de renda fixa, até 10%. Já os fundos para cotistas com aplicação mínima de R$ 1 milhão podem investir até 100% do patrimônio fora do Brasil.

Até hoje, com exceção da espanhola Telefónica, do argentino Banco Patagônia e da suíça Dufry o que existe na Bovespa são BDRs de companhias com atividades no Brasil, mas com sede em paraísos fiscais. Entre eles estão os BDRs da Cosan Limited, Laep, GP Investments e Wilson Sons. Ziegelmann afirma que já existem outras instituições financeiras interessadas em trazer os BDRs americanos.

Já com relação ao projeto sobre formadores de mercado de opções, o Índice Bovespa à vista será o primeiro a ter essa figura. Segundo Ziegelmann, a bolsa decidiu começar pelo índice já que, depois das opções de Petrobras e Vale, essas são as mais líquidas, mas ainda assim precisam ganhar um pouco mais de liquidez. O mercado de opções brasileiro é o quarto maior do mundo, mas concentrado em Petrobras e Vale. As opções dessas duas companhias são as duas mais negociadas do mundo. No entanto, depois delas só aparecem no ranking opções de ações e de ETFs de outros países.

O formador de mercado é um agente contratado para garantir um mínimo de negócios, assegurando que o investidor encontrará comprador e vendedor para os ativos quando quiser negociá-los. Depois do Ibovespa, a bolsa pretende conquistar formadores de mercado para as opções das dez ações com maior liquidez no índice depois de Vale e Petrobras.

Entre elas, estão os papéis da própria BM&FBovespa, Itaú Unibanco, Gerdau, Bradesco, Usiminas e CSN. Para diluir os riscos, a ideia é ter três formadores de mercado para cada uma das opções e com um contrato de um ano. O aumento de liquidez deve beneficiar especialmente as pessoas físicas, já que elas respondem por cerca de 60% de todo o volume de opções. Os formadores de mercado terão isenção de emolumentos (taxa cobrada pela Bovespa) sobre essas operações. Além do formador de mercado, a bolsa também vai oferecer operações " empacotadas " que trazem opções do mercado à vista e do Ibovespa futuro (conhecidas como operações de volatilidade), geralmente montadas pelas corretoras.

Sobre os fundos de índices (os ETFs), o próximo a ser criado será do Índice Financeiro (IFNC). Existem hoje seis ETFs criados pelo Barclays, além do fundo Papéis Índice Brasil Bovespa (PIBB), administrado pelo Itaú Unibanco. As instituições terão três anos de exclusividade na negociação e podem cobrar uma taxa máxima de administração de 0,75% ao ano. O objetivo, segundo Ziegelmann, é ter dez novos ETFs até o fim do ano. A bolsa, juntamente com a CVM, está trabalhando para mudar a regra, permitindo a negociação de fundos de índices estrangeiros. O diretor da bolsa lembra que, no México, por exemplo, existem 150 ETFs, sendo a maioria do mercado americano. Nos EUA, os ETFs representam 25% do volume total da bolsa, enquanto que no Brasil são menos de 0,5% do giro do pregão.

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