quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Maré baixa na bolsa

Valor Econômico
Por Daniele Camba, da Praia do Embaré, em Santos
04/02/2009


No dia 25 de janeiro de 2008, o comerciante português aposentado Luiz de Jesus Fernandes estava feliz da vida. Ele tinha R$ 5,2 milhões aplicados em grandes papéis da Bovespa, como Petrobras, Vale e Banco do Brasil. Exatamente um ano depois, no dia 25 da janeiro deste ano, Seu Luiz, como é conhecido na Praia do Embaré, em Santos, onde mora há muitos anos, tinha R$ 2,3 milhões. Em apenas um ano, ele perdeu quase R$ 3 milhões. Seu Luiz é o exemplo de como a crise internacional, que passou pelo mercado como um tsunami em 2008, deixou muitos investidores - boa parte deles de primeira viagem - bastante machucados.

A reportagem do Valor foi à Santos acompanhar a campanha da bolsa para conquistar novos investidores, batizada de "BM&FBovespa vai à praia". E, assim como em 2008, lá estava Seu Luiz, visitando o furgão da Bovespa. Apesar das perdas milionárias - no caso dele, sem nenhum exagero -, ele mantém o sangue frio. "No começo fiquei viciado, acompanhava a bolsa todos os dias", lembrou. "Agora nem olho, sei que no longo prazo terei muito mais do que apliquei", completou, sorridente.


Grande parte das pessoas, porém, não parece ter o mesmo estômago para o risco que tem Seu Luiz. A reação foi bem diferente da que se viu em janeiro de 2008. Não é para menos. Naquele começo de ano, os investidores ainda comemoravam a alta de 43,65% do Índice Bovespa em 2007. Era o quinto ano de alta consecutiva da bolsa, algo que jamais havia ocorrido. Nesta temporada, porém, a lembrança é da queda de 41,22% do indicador em 2008.


Havia uma quantidade muito menor de banhistas disposta a trocar alguns minutos de sol e areia para ouvir as explicações sobre o mercado dadas pelos representantes da Bovespa e de uma corretora convidada para o evento. Alguns paravam no furgão azul, conhecido como "Bovmóvel", estacionado na avenida da praia, atraídos muito mais pela massagem gratuita oferecida pela bolsa. "Não entendo direito sobre bolsa, mas sei que isso é coisa para gente rica, que pode perder dinheiro porque tem muito, estou aqui esperando a minha vez para fazer a massagem e dar uma relaxada", disse a dona-de-casa Laura, que preferiu não dar seu sobrenome.


O aparato montado pela bolsa também sofreu com a concorrência de uma van, parada logo ao lado, distribuindo gratuitamente revistas encalhadas de edições passadas. Em vários momentos durante o domingo ensolarado, havia fila para pegar as revistas, enquanto os representantes da bolsa conversavam entre eles, à espera de consultas.


De forma geral, quem parava no furgão nunca investiu em ações e estava bastante assustado com a crise financeira internacional. Muitos procuravam entender como os problemas no setor imobiliário americano se alastraram pelo mundo, atingindo tanto as economias quanto os mercados de todos os países.


"Essa crise é totalmente importada, fala inglês, mesmo assim nós aqui no Brasil pagamos o pato", analisou o autônomo Wesley Vasni. Ele mostrava preocupação com o fato de os R$ 900 do FGTS que aplicou nas ações da Vale, e que chegaram a ser R$ 12 mil, se resumirem agora a menos de R$ 5 mil. "Se eu soubesse que o Bush (ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush) ia dar tanto trabalho pra gente, tinha tirado o dinheiro antes."


O dentista Angelo Alessi estava indignado com a "irresponsabilidade" do gerente da agência onde tem conta. Por várias vezes no início desta crise, Alessi o questionou se não era melhor tirar parte do dinheiro que está aplicado em ações para colocar num fundo de renda fixa. "Ele insistiu que eu não deveria fazer isso, que aquelas quedas eram passageiras", disse Alessi. "Agora eu perdi um dinheirão e ainda por cima fiz a minha mulher tirar o que ela tinha na poupança para aplicar na bolsa", contou o dentista, bastante bravo.


Não bastasse a crise, alguns se mostram assustados e confusos com outros problemas que apareceram no mercado recentemente. Ao ser abordado por um dos representantes da BM&FBovespa, o engenheiro Fábio, que preferiu não dar seu sobrenome, disse que bolsa é uma especulação perigosa, "prova disso são os enormes prejuízos que o Madoff causou para muitos investidores". Ele estava se referindo ao americano Bernard Madoff, ex-presidente da bolsa americana Nasdaq, que causou perdas avaliadas em cerca de US$ 50 bilhões para milhares de investidores que aplicavam em seu fundo de investimento. "Por isso que é muito mais seguro investir em imóveis, que a gente vê e sabe que estão ali, do que em coisas que não se enxerga e que podem desaparecer da noite para o dia", definiu Fábio.


O engenheiro fez, porém, uma confusão, uma vez que os prejuízos de Madoff são resultado de uma fraude, num esquema de pirâmide financeira, e que nada têm a ver com bolsa. Em suas abordagens, Claudemir Cunha da Lerosa Corretora, tentava acalmar os banhistas, dizendo que a crise está no meio do caminho, que o pior já pode ter passado e agora que as ações estão superdepreciadas é a hora certa de entrar na bolsa. "Para se certificar que você vai comprar as ações a um preço bom, aplica um terço agora, um terço daqui dois meses e o um terço restante daqui quatro meses", aconselhou Cunha a diversas pessoas.


Para convencer que bolsa é o melhor negócio no longo prazo, Cunha também tinha uma história na ponta da língua, segundo ele, verídica. Em 1981, dois irmãos tinham o equivalente a R$ 5 mil cada um. Um deles comprou um carro último tipo que hoje, se ainda existe, não vale mais nada. O outro investiu o dinheiro todo em ações de um grande banco e os R$ 5 mil hoje são R$ 254 mil, contava Cunha aos banhistas.


Pelas estimativas do executivo, apenas 20% das pessoas que paravam no "Bovmóvel" queriam se queixar da crise e da queda da bolsa. Outros 30% estavam em busca de algum tipo de aconselhamento financeiro e os 50% restantes queriam mais informações de como investir em ações.


Esse era o exemplo do casal Marcelo Vieira Severino, supervisor de navegação, e a administradora Ariane Guarnier Liboni. Depois de ver vários amigos investindo na bolsa, eles estavam interessados em fazer o mesmo. "Alguns perdem, outros ganham, mas de forma geral, no longo prazo, eles conseguiram ter mais dinheiro com ações do que se tivessem aplicado em outro investimento", disse Severino, que estava bastante interessado em resgatar o dinheiro que tem na poupança para colocar na Bovespa.


Verdi Rosa Monteiro, diretor de Fomento de Negócios da BM&FBovespa, reconhece que a crise reduziu o interesse das pessoas pela bolsa. Na versão deste ano do "BM&FBovespa vai à praia" há uma média de 300 pessoas por fim de semana, enquanto na campanha dos anos anteriores o número chegava a 2 mil. "É evidente que a crise mudou a percepção das pessoas sobre o mercado", reconhece Monteiro. "No entanto, quem entrou na bolsa sabendo dos riscos, e não porque o amigo estava ganhando dinheiro, sabe que o mercado é assim e uma hora vai se recuperar."


Ele também atribui essa queda de frequentadores a uma mudança no programa "BM&FBovespa vai à praia". Antes, as pessoas eram atraídas por vários sorteios, como viagens. Agora há somente a massagem gratuita. Quem se aproxima é para saber sobre bolsa e fazer um cadastro com o objetivo de receber informações adicionais sobre o mercado. "Como não existe mais promoção, os 300 banhistas são muito mais investidores potenciais do que os 2 mil de antes", disse Monteiro.


Ele lembra que, das 2 mil pessoas por fim de semana dos anos anteriores, entre 15% e 20% faziam cadastro com a corretora, mas apenas 8% dentro desse intervalo (entre 24 e 32 pessoas) de fato se transformavam em investidores de bolsa. Já neste novo formato do programa, a meta, segundo Monteiro, é conseguir que cerca de 25% dos 300 banhistas por fim de semana passem a aplicar em ações, ou seja, 75 pessoas.


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