quinta-feira, 27 de maio de 2010

Brasileiro começa a criar o hábito de guardar dinheiro

Valor Econômico

27/05/2010

Denise Bueno, para o Valor, de São Paulo

Apesar de a taxa básica de juros da economia brasileira ter aumentando, a captação da caderneta bateu mais um recorde. O saldo total acumulado em abril ficou em R$ 331 bilhões, crescimento de 20% em 12 meses. O resultado consolida a tendência de poupar da população. Mesmo com o rendimento acumulado das aplicações em caderneta de poupança abaixo da inflação, a captação foi positiva.

Segundo dados do Banco Central, incluindo as cadernetas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que destinam recursos para a habitação, e poupança rural, os depósitos somaram R$ 88,7 bilhões em abril e os saques, R$ 87 bilhões. Com isso, a captação líquida chegou a R$ 1,7 bilhão, a melhor para esse mês desde 2007 e o segundo melhor dentro da série histórica iniciada em 1995.

De janeiro a abril, a captação líquida da poupança atingiu R$ 5,9 bilhões, o maior resultado desde 1995. Foram R$ 353,6 bilhões em depósitos e R$ 347,7 bilhões em saques. O sistema creditou rendimentos, equivalentes à variação da Taxa Referencial (TR) mais 0,5% ao mês, de R$ 1,6 bilhão no mês e de R$ 6,15 bilhões no ano.

Entre janeiro e abril, a rentabilidade do produto foi de 2,10%, abaixo dos 2,65% da inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas no longo prazo, o poupador obteve ganho. Segundo estudo da Economática, de 31 de dezembro de 2002 até 30 de abril de 2010, período do governo Lula, a caderneta teve rentabilidade nominal de 80,89% contra 51,86% da inflação medida pelo IPCA. Ou seja, um ganho real acumulado de 19,12%.

Um investidor atento dificilmente aplica em um produto que sequer corrige a perda com a inflação. A não ser que esteja buscando um porto seguro diante da volatilidade dos mercados financeiros. A expectativa é de que a poupança voltará a ter como aplicador o indivíduo com perfil tradicional e avesso a riscos. "Há investidores que ficam atentos aos movimentos do mercado. Esses correm para a poupança se acharem que é uma aplicação atraente. Mas, se não apresentar boa rentabilidade, esses aplicadores não pensarão duas vezes em sair", diz Eduardo Jurcevic, superintendente de investimentos do Santander Brasil.

Nem mesmo a alta da Selic na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) realizada em 28 de abril, derrubou a captação da poupança, como esperavam os executivos de bancos e analistas do setor. Porém, a tendência é de que ela volte a atrair apenas o investidor com perfil totalmente conservador e sem muita experiência com produtos financeiros.

Por pagar juros de 6% ao ano mais a variação da Taxa Referencial, a caderneta é beneficiada em um cenário de juro baixo. Se houver alta dos juros, parte dos clientes que migrou para a caderneta deve retornar para aplicações como CDB ou fundos. Tudo dependerá da volatilidade dos mercados. Caso ela se mantenha, a poupança continuará sendo beneficiada.

Com o aumento de 0,75% na taxa Selic, para 9,5%, a poupança passou a oferecer uma rentabilidade líquida de aproximadamente 70,4% do CDI. "Poucos produtos apresentam uma rentabilidade nesse patamar com a mesma segurança e liquidez da poupança, especialmente quando falamos de investimentos de curto prazo", afirma Fábio Lenza, vice-presidente de pessoa física da Caixa Econômica Federal. A atratividade da poupança sobre outros investimentos deve-se à isenção de Imposto de Renda, que incide sobre os rendimentos auferidos por esses investimentos e varia de 15% a 22,5%, conforme o prazo.

Com rentabilidade atraente, os bancos não planejam nenhuma ação para aumentar a captação da poupança para fazer frente ao boom do crédito imobiliário. Os bancos devem obrigatoriamente direcionar os recursos em poupança para financiamentos imobiliários e depósitos compulsórios. E devem aplicar as mesmas regras de correção aos depósitos de poupança e aos financiamentos para compra da casa própria.

Entre 2008 e 2009, os financiamentos imobiliários, com recursos da caderneta poupança, aumentaram 69,4% na região Centro-Oeste; 22,9% na Sul; 20% na Nordeste; 17,9% na Norte e apenas 5,2%, no Sudeste, segundo dados do Banco Central e Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

A expectativa é a aplicação de cerca de R$ 50 bilhões, provenientes da caderneta de poupança, no setor imobiliário em 2010. O valor é quase 50% superior ao total de recursos financiados em 2009, quando somaram R$ 34 bilhões. "Hoje não há necessidade de funding adicional para crédito imobiliário. Caso isso seja necessário, pensaremos no assunto. Mas por hora temos clientes fiéis a aplicação", diz Jânio Carlos Endo Macedo, diretor de varejo do Banco do Brasil.

Uma tendência é que os brasileiros começam a se preocupar em guardar dinheiro. "A caderneta de poupança é um bom começo para estudantes ou pessoas que ganham um salário reduzido", diz Marcos Villanova, diretor de produtos de investimentos do Bradesco, com mais de 21 milhões de poupadores e R$ 46 bilhões em patrimônio na caderneta.

As facilidades acabam por atrair um público cativo. Além de liquidez diária, isenção de impostos e facilidades para abrir uma conta, é possível programar depósitos automáticos, sincronizados com o pagamento do salário. Sem perceber, o saldo vai aumentando até chegar a um valor suficiente para partir para aplicações mais sofisticadas e com rentabilidade mais atraente.

O professor William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças FGV/EAESP é enfático quanto ao público da aplicação. "A caderneta de poupança é mais indicada para os investidores que têm valores menores e que não desejam se inteirar do mundo dos investimentos", diz.

Só a Caixa, com 37 milhões de poupadores, captou R$ 112,5 bilhões no acumulado do ano até abril, 34% do saldo de todo o mercado. Cerca de 80% das contas têm saldo de até R$ 1 mil. Nos quatro primeiros meses do ano, a Caixa ultrapassou a marca de 1,2 milhão de novas contas. Segundo informações da CEF, são abertas 300 mil contas por mês na instituição. E a tendência é de manter este ritmo. Afinal, quando se olha a curva de juros projetada para os próximos anos, a percepção é de que a poupança continuará sendo atraente.

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