quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Você quer ser a pessoa mais rica do mundo no cemitério?

Valor Econômico
Renato Bernhoeft
22/11/2007



Uma das perguntas mais intrigantes formulada a 500 empresários e a seus descendentes em um evento para empresas familiares realizado em Berlim, na Alemanha, com participantes de todo o mundo, foi a seguinte: "Você deseja ser a pessoa mais rica do mundo... no cemitério?"


No mesmo período em que se realizava esta conferência, faleceu na Inglaterra Anita Roddick, fundadora da Body Shop, um dos empreendimentos de maior sucesso no segmento da cosmética e também uma organização fortemente comprometida com a sustentabilidade do planeta. E ela, que morreu milionária depois de vender sua empresa para uma multinacional, sempre declarou que não desejava morrer rica. Mas, aos 64 anos, a morte a tornou mais uma das milionárias com domicílio no cemitério.


O contraponto desta questão está nas respostas que milionários, empresários e profissionais de sucesso nos mais diversos campos da atividade humana possam dar a uma outra pergunta: "O que pretendo deixar como legado para meus descendentes e como uma 'marca' da minha passagem por este mundo?"


Quando imagina a família, os amigos e o mundo num futuro sem a sua presença, você apenas formula uma frase de efeito para sua lápide ou consegue perceber que as lembranças que vai deixar ultrapassam os meros limites do patrimônio e da saudade!


Está cada dia mais claro que a transferência, preservação e desenvolvimento da herança entre as gerações não é um mero desafio de caráter patrimonial. A sua continuidade, de forma que os herdeiros possam agregar valor ao recebido, exige vincular as questões materiais ao legado. Isto diz respeito a conhecer e estar comprometido com a história, valores, compromissos e formas como o patrimônio foi construído.


Um equívoco muito comum que ocorre com as pessoas que alcançam sucesso em sua vida é considerar que as suas próximas gerações devem ser poupadas dos sacrifícios e lutas pela vida. Entendem que o simples fato de terem facilidades decorrentes da herança já as torna aptas para a vida e seus desafios. Nada mais falso.


Receber algo - especialmente um patrimônio material -- que não foi produto de conquista ou luta pessoal tende a não merecer o mesmo cuidado e zelo daquilo que é produto do esforço individual. Warren Buffet, a terceira maior fortuna do mundo, já declarou, ao deixar somente 15% de seu patrimônio aos seus descendentes, que "tudo aquilo que vêm fácil, também se perde com muita rapidez." Por esta razão, ele também disse que deixava aos seus filhos "o bastante para que fizessem tudo o que desejassem, mas também o suficiente para não se permitissem não querer fazer nada". Ou seja, uma lição de vida e valores vinculados ao patrimônio herdado.


Pessoas que conquistam sucesso se tornam símbolos e, por esta razão, passam a ser admiradas ou até imitadas por outros. Isto vem ocorrendo tanto em sociedades que valorizam a meritocracia como também naquelas em que a esperteza é motivo de uma quase idolatria. O que muitas vezes estas pessoas não percebem é que seu sucesso pode ter um efeito de sentimento dividido - dualista - entre seus herdeiros.


Ele tanto poderá representar uma luz para iluminar caminhos e indicar alternativas aos seus descendentes, como também se transformar numa sombra que dificulta aos mesmos descobrir e desenvolver seus próprios sonhos, projetos e aspirações.


Diz um antigo ditado popular que, "sob a sombra de uma grande e majestosa árvore, nem erva daninha consegue crescer..." O esforço e o trabalho, para vincular às questões relativas ao legado de forma conjunta com o patrimônio que se herda, permitem um maior equilíbrio entre o que é coletivo e o que é o individual. Entendemos por coletivo, o conjunto do patrimônio e descendência que vincula, por direito, os herdeiros. E, pelo individual, a possibilidade que cada um, de forma coerente e compromissada, possa buscar a realização para agregar valor tanto à riqueza como aos valores a ela vinculados.


O propósito destas provocações é formular um alerta a todos aqueles que, tendo construído uma reputação ao longo da sua vida, também o obtiveram de forma vinculada a um acúmulo patrimonial. Ou o contrário.


Cuidado ao se preocupar somente com as soluções que asseguram uma boa gestão do patrimônio. Para que cada geração agregue valor ao que recebe, é fundamental que ela conheça suas origens, história e raízes. Reverter o ditado popular que fala de "pai rico, filho nobre e neto pobre", vai depender muito da forma como estes netos recebam, conheçam e valorizem o legado dos seus antepassados.


Renato Bernhoeft é fundador e Presidente da Bernhoeft Consultoria Societária, integrante da rede mundial de consultores FBCGi (The Family Business) e da Consulting Group International na América Latina


E-mail: renato@bernhoeft.com


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

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