quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ação popular

Valor Econômico
Por Daniele Camba e Adriana Cotias
07/11/2007



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Aos 28 anos, a advogada Eduarda Tenório fez sua estréia em aplicações de renda variável na oferta pública inicial (IPO, em inglês) da Bovespa Holding. Tirou o dinheiro da caderneta de poupança e acabou fazendo um negócio da China. Logo na largada, vendeu as ações e acrescentou quase R$ 5 mil ao capital investido, com a alta de Bovespa HLD ON, que superou os 50% no fechamento do primeiro dia. A professora Solange Tilli, de 42 anos, foi outra que também saiu do conforto da caderneta e do fundo DI direto para a operação da bolsa, mas ficou com os R$ 12 mil em ações que comprou, apesar da tentação do lucro rápido.


"Estava com o dinheiro 'parado' na caderneta há uns cinco anos, mas recuperei o tempo perdido e, agora, pretendo aplicar em outras ações", diz a advogada Eduarda. "Coçou a mão para vender as ações da Bovespa e colocar um ganho de mais de 50% no bolso, mas pensei no que todos dizem, que bolsa é para o longo prazo, e preferi deixar mais tempo", contrapõe Solange.




Eduarda e Solange são duas faces da mesma moeda, exemplos de como os IPOs têm sido a porta de entrada de muitas pessoas físicas no mercado de ações. Neste ano, a base ativa da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) aumentou em 41,4%, para 310.625 investidores. Só em outubro, houve um acréscimo de 26.107 aplicadores, número inflado pela oferta da Bovespa HLD, que atraiu, pelo menos, 50 mil pequenos acionistas. Até setembro, a média de crescimento mensal era de 7.209 investidores.


"Muita gente aproveitou a euforia da abertura do capital da Bovespa para fazer a sua primeira compra, talvez pelo incentivo do filtro - que privilegiou, em tese, investidores de longo prazo -, porque viram nisso a chance de ter uma participação maior no rateio", diz o professor Ricardo Rochman, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP).


As mulheres também têm sido força mais presente no mercado. De 2002 para cá, a participação feminina na Bovespa cresceu de 17,63% para 21,79%, até o fim de setembro. Em comum, elas têm a característica de pensar em bolsa como, de fato, um investimento de longo prazo, recorrendo menos a operações de "day trade" (de compra e venda no mesmo dia), estratégia mais usada pelos homens.


Apesar de Eduarda ter vendido tudo o que comprou de Bovespa HLD no primeiro pregão, agora ela estuda como manter um portfólio diversificado em renda variável. "Pensei numa Vale do Rio Doce, mas estou me informando primeiro." Ela participou, por exemplo, do projeto Educar, da Bovespa, e se inscreveu em palestras na sua corretora, a Ágora.


As ofertas públicas têm sido o caminho mais do que natural para as corretoras conquistarem a adesão de novos investidores para o mercado de ações. Isso ocorre especialmente quando há um lançamento badalado, como foi o da Bovespa ou a distribuição das cotas do fundo Papéis Índice Bovespa Brasil (PIBB), carteira de ações da BNDESPar. A corretora Ágora, que tem uma base ativa de 35 mil clientes, ganhou, só em outubro, a conta de 1,8 mil aplicadores, ritmo 20% acima do normal, comenta o gerente comercial Hélio Pio.


Ele diz que é normal o novato se deslumbrar com o lucro instantâneo, mas afirma que a Ágora sempre trabalha no sentido de estimular a consciência do risco e objetivos de investimento de médio e longo prazos. Já no ato da reserva de IPOs, a corretora pede o depósito de garantias que variam de 10% a 50% do volume da compra. "Insistimos para que o aplicador quebre a idéia de achar que só porque é IPO é que a ação vai subir na abertura", diz. "Depois de experimentar o gostinho do sucesso, é hora de botar o pé no chão e esse aplicador passa a ser fiel, sempre mantendo uma parcela de renda variável."


A professora Solange talvez seja o perfil idealizado por Raymundo Magliano, o presidente da Bovespa, na sua bandeira de popularizar o mercado acionário brasileiro. Desde que assumiu, em 2001, ele tem encampado o projeto de transformar a renda variável como opção de poupança de longo prazo, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde as pessoas das mais diversas faixas etárias e sociais direcionam parte do seu patrimônio para a bolsa. "Não vou ficar olhando o papel todos os dias, quero deixar o dinheiro por mais de cinco anos, será o colchão para a minha aposentadoria", diz a professora.


O único erro grave na estratégia de Solange é que faltou pensar em diversificação, um problema muito comum entre os iniciantes em momentos de euforia. A professora tirou o pouco que tinha na renda fixa e mergulhou de cabeça num único papel, na oferta da Bovespa. Se os papéis tivessem caído 50%, em vez de subir, as marcas seriam grandes e, provavelmente, ela jamais investiria em ações novamente.


Parte do sucesso da operação da Bovespa tem, entretanto, uma certa dose de confusão, acredita o chefe de análise da CMA, Luiz Francisco Rogé Ferreira. "Algumas pessoas devem ter comprado as ações porque ouvem sobre a Bovespa no Jornal Nacional ou até acham que é do governo, como a Petrobras ." A alta da bolsa pelo quinto ano consecutivo também pode induzir o investidor ao erro. "Ele se empolga com isso e esquece que a Bovespa é uma empresa como outra qualquer e que precisa ser rentável."


O engenheiro Alexandre Olivari, de 38 anos, não pode ser chamado de marinheiro de primeira viagem. Depois de ganhar com as operações de Vale e Petrobras com recursos do FGTS, ele considerou que o IPO da Bovespa era uma boa oportunidade para aumentar sua carteira de ações. Decepcionado com a renda fixa, Olivari resgatou de seu CDB e colocou o dinheiro nos papéis da Bovespa HLD. "Num IPO, é sempre preciso ter mais cuidado porque não é tudo que vai ser bom", diz. "Tenho visto que alguns papéis têm saído abaixo do preço estimado e que não têm tido bom desempenho nos primeiros pregões." O engenheiro já está de olho no IPO da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e acredita que será melhor que o da Bovespa.


Além de analisar as ofertas, Olivari se mostra um adepto da corrente fundamentalista. Ele avalia opções de papéis no setor de comércio eletrônico, que vai de vento em popa por conta da expansão do PIB brasileiro e aumento da inclusão digital. "Para pegar uma carona no crescimento da China, estou também pensando em comprar ações de siderurgia e mineração."


O público jovem tem mostrado entusiasmo crescente pelo mercado acionário. Em uma outra corretora que não costuma atender pessoas físicas, das 200 que compraram as ações da Bovespa HLD, 40 eram novos clientes e a grande maioria com idade entre 25 e 35 anos, com ofertas de compra de R$ 5 mil a R$ 10 mil. "São jovens que ingressaram no mercado de trabalho nos últimos anos e, com o programa 'Bovespa Vai até Você', passaram a conhecer o mercado", diz o diretor dessa corretora. Ele lembra que, desses novos investidores, cerca da metade já vendeu as ações da Bovespa HLD que possuía, mas reaplicou em outros papéis. "A oferta da bolsa foi a porta de entrada do mercado para muita gente."

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