segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Sem conhecer empresa, comprar ação é como ir ao cassino

Valor Econômico
Mara Luquet
15/10/2007



Na semana passada, enquanto caminhava pela corretora Geração Futuro, da qual é um dos sócios, Edmundo Valadão pôde ouvir a conversa de um dos consultores de investimento com um cliente. O consultor tentava conter a impaciência do cliente para explicar quais eram as empresas que constavam na carteira do fundo de ações que ele estava aplicando. "Empresas? As empresas são um detalhe, eu quero saber quando a bolsa vai cair", disse o cliente, um cidadão da classe média paulistano.


"Detalhe?", pensou Valadão. Ele então parou, pensou um pouco mais, fez meia volta e entrou na conversa. Disse apenas que sabia que a bolsa iria cair. Não saberia precisar a data, porém, tinha absoluta certeza de que a bolsa iria cair.


"Porque é assim", explicou Valadão, um experiente corretor de valores brasileiro que compra ações de empresas há muitas décadas e sobreviveu neste mercado, mesmo nos longos anos em que as ações estiveram longe até mesmo da imaginação do investidor brasileiro. "A bolsa sempre cai, mas também sobe, e o que faz dela um bom negócio é que historicamente ela sobe mais do que cai", explicou Valadão ao cliente sem paciência.


Mas como ele pode ter tanta certeza assim de que a bolsa vai subir mais do que cair? "Não fosse assim, você hoje não estaria sentado nessa confortável cadeira, mas num tronco de árvore e o assunto não seria investimento em ações", respondeu Valadão. A bolsa, ele disse, é o reflexo da riqueza econômica de um país.


Quando o mercado está numa trajetória de alta, nos limites da euforia, o maior risco é o investidor optar por ser um jogador. A conclusão é do psiquiatra Richard L. Peterson, sócio da Market Psycology Consulting e autor do livro "Inside the Investor's Brain". Segundo Peterson, quando o mercado está em alta, o investidor tende a achar que os ganhos ocorrem porque o talento dele para investir é fenomenal e não porque há uma tendência de alta. Ele só vai descobrir que não é tão talentoso assim quando vier o momento de baixa.


Mas é impressionante como o ganho das ações e a queda das taxas têm empurrado o brasileiro cada vez mais para o mercado de risco sem a menor cerimônia, como se tivesse crescido neste ambiente. Na semana passada, um ouvinte enviou ao âncora do programa "CBN Brasil", Carlos Alberto Sardenberg, um e-mail com a seguinte questão: "Tenho uma renda de R$ 6 mil, um automóvel financiado e um apartamento de R$ 80 mil, é recomendável vender meu apartamento para aplicar em ações?". É incrível, mas a euforia que está tomando conta dos investidores no país levou esse ouvinte a pensar em vender sua própria casa para aplicar num mercado que ele não conhece e que está batendo recordes de alta. Ou seja, ele vai comprometer boa parte da riqueza que conseguiu construir para comprar ações na alta.


Esse ouvinte e muitos outros brasileiros que estão entrando na Bolsa de Valores no embalo do ganho fácil e com "dicas" de amigos, parentes e vizinhos que juram que estão fazendo fortunas com ações são sérios candidatos a ter perdas com ações. Muito cuidado. No site de Peterson há um teste para você saber se é um jogador ou um investidor (www.marketpsych.com).


Como diz Peterson em seu livro, jogar no mercado financeiro é ainda mais arriscado do que jogar em cassinos. O problema do jogador, de acordo com Peterson, é que ele toma riscos que fazem com que os ganhos sejam insustentáveis.


Quando se vai para a Bolsa de Valores, a empresa não é um detalhe, é a essência do investimento. Comprar ações de uma empresa que você não conhece tem um efeito muito semelhante a de jogar roleta num cassino. Você pode até ganhar, mas será tudo uma questão de sorte.


Agora, se ainda assim você insistir em procurar dicas para ser bem-sucedido, aí estão quatro:


1) Você não vai ficar milionário pulando de uma aplicação para outra.


2) Gestores profissionais contam com equipes de analistas, softwares e pesquisas para operar mercados e ainda assim não é sempre que acertam.


3) Ninguém que ligue para sua casa oferecendo uma forma infalível de ganhar muito dinheiro pode ser levado a sério.


4) Todo investimento tem risco e retornos mirabolantes refletem riscos igualmente altos.


Mara Luquet é editora da revista ValorInveste e autora do livro "O Assunto é Dinheiro", escrito em parceria com o jornalista Carlos Alberto Sardenberg


E-mail: mara.luquet@valor.com.br

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