segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O fim dos flippers?

Valor Econômico
Por Adriana Cotias
15/10/2007



Será na oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) da própria Bovespa Holding que a bolsa brasileira vai inaugurar o seu filtro contra especuladores de primeira hora, os chamados "flippers", que reservam ações de novatas para vender logo na largada, de olho no lucro rápido. A iniciativa, que vai ser testada agora, mas não vai virar regra, pretende dar aos emissores e coordenadores das operações a opção de privilegiar na colocação os investidores com perfil de longo prazo. O fato de a Bovespa adotar o mecanismo abre espaço para que outras companhias trilhem o mesmo caminho.


No lançamento da Bovespa Holding, os investidores de varejo terão de, no ato da reserva, classificar-se, como "com" ou "sem prioridade de alocação". O primeiro grupo será assim enquadrado se tiver mantido no primeiro dia de liquidação após a estréia no pregão pelo menos 80% das ações adquiridas em duas das quatro últimas ofertas públicas. Se o aplicador nunca participou de IPOs, ele será automaticamente classificado como prioritário. Já aqueles que não escolherem a classificação ou tiverem menos de 80% dos ativos adquiridos nas ofertas anteriores cairão na "malha fina" da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), recebendo o rótulo de "sem prioridade".


Quem quiser participar da oferta tem de hoje até o dia 23 para reservar as ações (ver reportagem abaixo). Comprar ações de uma bolsa de valores, no entanto, não é um investimento trivial. Não se trata de apostar numa empresa que fabrica um determinado produto e atende a um certo perfil de consumidor. O negócio bolsa abrange toda a cadeia de negociação, compensação, liquidação e gerenciamento de riscos dos ativos negociados naquele pregão. Debaixo da Bovespa Holding estão a Bolsa de Valores de São Paulo (BVSP, após a desmutualização) e a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC).


As classificações serão úteis para os bancos coordenadores escolherem como distribuir as ações no varejo em caso de excesso de demanda. Segundo o prospecto da oferta, a intenção é vender até R$ 20 mil para cada investidor preferencial e até R$ 5 mil para o não-preferencial. O rateio, para reservas acima desses valores, também privilegiará os aplicadores com perfil de longo prazo. Os parâmetros definidos na operação da Bovespa não são extensivos a todas as ofertas públicas. Caberá a cada companhia emissora decidir pelo uso do filtro e que critérios adotar.


Como nos IPOs a parcela para o varejo normalmente não passa de 10%, falta papel para a pessoa física. Essa é a brecha para a ação do "flipper", que compra no preço do lançamento para aproveitar a alta ocasionada pela demanda reprimida, atuando como uma espécie de cambista. Com isso, depois do rateio, até o investidor com perfil de longo prazo e que aposta no crescimento daquele negócio não se sente estimulado a ficar com os papéis porque a ele coube um lote inexpressivo, diz o diretor-superintendente da Associação Nacional das Corretoras (Ancor), Gilberto de Souza Biojone Filho. "O mecanismo de seleção vai permitir que o investidor individual de maior peso participe das ofertas de forma mais representativa."


A estratégia de privilegiar quem compra lotes maiores e fica mais tempo com os papéis pode, entretanto, ter um efeito adverso sobre a liquidez, pondera Biojone. "É só lembrar o que aconteceu nas décadas de 80 e 90, quando a pessoa física saiu completamente da bolsa, as ações estavam nas mãos dos investidores institucionais e o mercado ficou engessado."


A figura do formador de mercado, do banco ou corretora contratados para manter ofertas de compra e venda para os papéis, seria a forma de neutralizar uma eventual perda de liquidez, diz o gerente comercial da Ágora, Hélio Pio. Para ele, o filtro da bolsa é uma boa alternativa. "A medida visa criar proteção e pode estimular a participação de mais pessoas físicas nas aberturas de capital e até, quem sabe, encorajar as emissoras a aumentarem a parcela de ações destinada ao público de varejo."


Os "flippers" não serão banidos do mercado, mas a adoção dos filtros tira o poder de fogo desse investidor melhor informado, diz o professor William Eid Junior, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP). "O jogo vai ficar mais igualitário." O especialista acrescenta que há uma percepção de que a presença do especulador nas aberturas de capital distorce o preço das ações das debutantes. Os índices de IPO, criados pela entidade, espelham bem isso. O IPO-1, que reúne empresas novatas desde o primeiro dia de negociação na bolsa, tinha valorização acumulada de 475,3% de maio de 2004 até o início de setembro último. Já o IPO-2, que expurga o primeiro mês de transações e, por conseqüência a presença dos "flippers", apontava ganhos de 320,2%. "Com tantos IPOs bem-sucedidos, os 'flippers' têm nadado de braçadas", diz Eid.


Apesar de a valorização do primeiro dia não ser mais regra, na média, quem participou de todas as ofertas iniciais neste ano e vendeu no primeiro dia teve ganhos médios de 3,67% por operação. Na amostra de 50 companhias que deram as caras no mercado de janeiro para cá há, entretanto, exemplos muito mais vultosos, como GVT ON, que subiu 27,22% na estréia, ou Redecard ON, que avançou 24,67%. Anhangüera Educacional Unit (+21,4%) e São Martinho ON (+18,30%) não ficaram muito atrás. JBS Friboi, que caiu 12,5% logo na saída, é que puxa a estatística para baixo, seguida por Banco ABC Brasil (-5,66%), EZ TEC (-4,55%) e Multiplan (-4%).


Das 50 ofertas deste ano, 13 tiveram desempenho negativo no primeiro pregão. Em outras 10, os papéis empataram, fechando o dia no mesmo valor do lançamento e em 4 a alta não chegou a 1%.


Foi por conta dos resultados pífios e negativos, em meio a crises e excesso de ofertas, que os "flippers" já vinham se mostrando menos vorazes, diz o sócio da Value Consultoria, Rodrigo Pasin. "O próprio mercado começou a fazer uma depuração e as ofertas que estão chegando agora já vêm com preços e múltiplos muito mais razoáveis", diz. Se houver qualquer prejuízo à liquidez por conta dos filtros, o tiro pode sair pela culatra, avalia.


Como o uso do filtro não será uma regra, há o risco de a empresa que não adotá-lo ser tachada como emissora de ações para especulação, diz Alexandre Espírito Santo, sócio da Plenus Gestão de Recursos e chefe do departamento de Finanças da ESPM-RJ. "Embora na direção certa, de trabalhar o mercado de capitais como forma de financiar os investimentos produtivos de médio e longo prazo, se a medida é discricionária, a companhia já está na largada sinalizando se investidor tem permissão para especular com os seus papéis".

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