quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Cheque especial do acionista

Valor Econômico
Por Danilo Fariello
18/10/2007


Os bons ventos que levam a bolsa de valores brasileira para o alto podem muitas vezes pegar alguns investidores desprevenidos, com água na boca para comprar novos papéis, mas sem recursos disponíveis na conta das corretoras para aplicar. Para suprir essa escassez temporária de dinheiro, algumas corretoras oferecem aos clientes, no mercado à vista da Bovespa, a chamada conta margem. Ela é uma espécie de empréstimo das corretoras para os investidores que são pegos de bolsos curtos por motivos eventuais - apesar do prazo de três dias para bancar qualquer compra de ações na Bovespa. Por esse empréstimo, ações em posse do aplicador são dadas como garantia. Dessa forma, os investidores podem alavancar operações e correr mais riscos. O juro cobrado não é baixo - em geral de 4% ao mês, mas pode variar -, porém supre necessidades de curtíssimo prazo.


A Socopa pretende lançar até o fim deste mês um financiamento para a pessoa física comprar ações com garantia nas ações de sua propriedade, informa o diretor Homero Amaral Júnior. Segundo ele, não há valor máximo disponível para a linha de crédito que será concedida pelo Banco Paulista, que controla a Socopa. "Nos Estados Unidos, esse tipo de crédito é muito comum, mas no Brasil ainda não temos uma cultura de alavancar a compra de ações com crédito, principalmente entre as pessoas físicas", afirma. Amaral Júnior não quis revelar as taxas de juros que serão cobradas. "Tudo vai depender das ações que o cliente tiver em carteira."


Segundo a Bovespa, no dia 11, havia um volume de R$ 6,5 milhões emprestado a investidores pela conta margem. Há corretoras que até já divulgam o benefício em publicidade. A MaximaTrade, home broker do Banco Máxima, apresentava na última Expo Money, em São Paulo, a faixa "financie suas operações".


Ainda são poucas as corretoras que oferecem esse serviço, mas isso deve mudar. Com a oferta de ações da Bovespa e, por conseqüência, o aumento de caixa das corretoras, a operação poderá se tornar cada vez mais freqüente, segundo análise de Geraldo Biojone, presidente da Associação Nacional das Corretoras de Valores, Câmbio e Mercadorias (Ancor). "Durante muito tempo, a conta margem ficou de lado, porque não se via muitas facilidades operacionais, mas sinto que já está sendo mais usada."


Com a desmutualização da bolsa - sua abertura de capital -, as corretoras terão mais dinheiro porque faturarão com a venda dos papéis. Assim, poderão se capitalizar para fazer mais empréstimos, prevê Biojone. Atualmente, quem usa a conta margem são, na maioria das vezes, grandes investidores, mas ele conta que, ao conceber a Instrução 51, de 1986, quando fazia parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o empréstimo mirava a popularização do mercado. A instrução também regulou o aluguel de ações, revisto posteriormente.


A Bovespa permite o uso de uma lista de 169 papéis, entre ações de primeira e segunda linhas, a serem entregues como garantia para o uso da conta margem. Em geral, as corretoras exigem volume em ações equivalente a 140% do valor emprestado como garantia, o que limita, portanto, a quantia emprestada ao porte do acionista. Ou seja, se o aplicador tem R$ 140 em ações da Petrobras, ele poderia adquirir mais R$ 100 em novas ações, mas deverá depositar mais margem se a Petrobras cair e as ações deixarem de representar 140%.


Como o juro do empréstimo ronda os 4% ao mês, o investidor que usar esses recursos terá de obter ganho acima dessa taxa para ter lucro. Ou seja, se em um mês a ação render apenas 2%, ele terá prejuízo no retorno líquido, porque embolsará os 2% de alta da ação, mas terá de bancar os 4% do empréstimo. Trata-se, portanto, de uma operação de alavancagem que implica em riscos mais elevados do que a simples aquisição de papéis na bolsa.


A Ágora Corretora, maior operadora do sistema home broker da Bovespa, já oferece o serviço. Claudio Pracownik, diretor de operações, diz que a conta margem fideliza os clientes, mantendo-os ainda dentro do ambiente do mercado de capitais quando precisam de recursos. Mas ele alerta que a conta margem é para ser usada apenas por uma restrição instantânea de caixa, com limites. "Os investidores pagam, em geral, o juro equivalente a um dia ou dois apenas", diz.


Os usuários mais freqüentes da conta margem são aqueles com maior conhecimento de mercado, que sabem lidar melhor com a alavancagem e o risco mais alto, diz Pracownik. "As pessoas têm de ser muito bem instruídas", diz. Mas, diz ele, tendo ações para oferecer como garantia, não há restrição para qualquer investidor usá-la.


Como agora seu cliente vai poder alavancar as compras, a Socopa lançará um curso pela internet que ensina a proteger sua posição por meio de derivativos, conta Marcos Monteiro de Barros, diretor da Socopa. "Será um curso de verdade, com prova e tudo", afirma Barros.


Para ter o benefício do empréstimo, o investidor tem de assinar um contrato específico sobre o assunto com as corretoras, que o torna ciente de ter de honrar o pagamento do valor emprestado e dos riscos. "Quanto mais maduro o mercado, maior será o uso do artifício", diz o executivo da Ágora.


Para Gabriel Vidigal, gerente de produtos da corretora Ativa, porém, só usa a conta margem o acionista desorganizado ou mal informado, porque o produto é mais caro. Segundo ele, as corretoras oferecem também os contratos a termo, que envolvem o mercado futuro e cobram o juro equivalente ao Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) no período. Esse contrato, porém, é mais complexo e arriscado, pois permite elevar em até cinco vezes o valor investido.


Biojone, da Ancor, diz que o uso da conta margem tende a aumentar em um cenário bom, quando perspectivas positivas indicam ao aplicador que a alta das ações bancará ao menos o custo do empréstimo. (Colaborou Cristiane Perini Lucchesi)

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page