segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Dividir para multiplicar

Valor Econômico
Por Daniele Camba
10/09/2007


À primeira vista, a compra do grupo Ipiranga pela Ultrapar, Petrobras e Braskem e a da Suzano Petroquímica pela Petrobras são apenas duas grandes aquisições sem grandes diferenças. Mas por que as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da Ipiranga não reagiram ao negócio, enquanto que as PNs da Suzano subiram mais de 70% nas 48 horas após o anúncio da operação? A resposta é simples: o fato de a Suzano dar aos donos de PNs o direito de receber 80% do valor pago aos controladores em caso de venda da companhia, o "tag along", ao passo que a Ipiranga não oferecia o benefício.


Esse é um exemplo prático de como o tag along pode fazer diferença no mercado de capitais. Os investidores já perceberam isso e preferem comprar ações de empresas que adotam esse tipo de prática. É o que mostra a dissertação de mestrado defendida por Júlia Elias Nicolau no Instituto Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo revela que as ações de empresas com um "tag along" maior que o obrigatório por lei são mais valorizadas.


Pela Lei das Sociedades Anônimas (S.A.), as companhias precisam oferecer "tag along" mínimo de 80% para as ações ordinárias (ON, com direito a voto). Já para as PNs, a lei não obriga nenhum percentual. Júlia analisou, entre 2002 e 2005, 75 empresas que concedem algum tipo de "tag along" adicional, mais de 80% para as ON e qualquer percentual para as PNs, por menor que ele seja. A conclusão é que as ações dessas companhias se valorizaram mais do que os papéis de outras empresas no mesmo período. "O investidor já sabe que esse benefício extra significa que ele também terá ganhos junto com o controlador na hora da empresa ser vendida, portanto, prefere as ações com esses direitos, fazendo com que elas subam mais do que outras", diz Júlia.


Pelos cálculos do orientador de Júlia na pesquisa e professor do Coppead, André Carvalhal, nesses quatro anos analisados, as ações ordinárias de companhias que concedem "tag along" maior tiveram uma valorização adicional média de 60%, enquanto que, nas preferenciais, o ganho extra foi ainda maior, de 78%.


"Para cada R$ 1 que a ação ON de uma empresa sobe, a ON de uma companhia com 'tag along' adicional sobe R$ 1,60 e, no caso das PNs, R$ 1,78, é um ganho surpreendente no bolso do investidor", diz Carvalhal. A valorização é maior nas preferenciais porque pela lei elas não têm direito a "tag along". Portanto, quando recebem qualquer pedacinho desse benefício, o efeito em seus preços é muito maior. "Geralmente as preferenciais são negociadas com um desconto porque os investidores sabem que numa eventual venda da companhia eles não levam nada", diz Júlia. Esse desconto passou a existir a partir de 2001, quando a nova Lei das S.A. trouxe de volta o "tag along" de 80% para as ordinárias. Até então, as PNs freqüentemente valiam mais do que as ONs por possuírem uma liquidez bem maior.


O "tag along" adicional agrega, inclusive, liquidez para as ações, mas não para todas. O trabalho de Júlia revela que o benefício extra aumenta a liquidez das ordinárias. Mas não mexe nas preferenciais. Os cálculos do professor Carvalhal vão nessa linha e mostram que o nível de liquidez das ON praticamente triplica, aumentando, em média, em 181%. "Como boa parte das ONs está nas mãos dos controladores, elas historicamente são pouco negociadas e qualquer vantagem a mais é suficiente para aumentar muito essa liquidez", afirma Carvalhal. Assim como o "tag along", a enxurrada de aberturas de capital no Novo Mercado, ambiente da Bovespa no qual as empresas só podem ter ONs, também contribuiu para o acréscimo de liquidez desses papéis, uma vez que os investidores passaram a preferir essas companhias com melhor governança corporativa.


Já nas ações preferenciais, a concessão do "tag along" não aumenta a liquidez, revela a pesquisa, exatamente por já serem altamente líquidas, argumenta Júlia.


Além da valorização e liquidez, o trabalho detectou também se o "tag along" adicional contribui para reduzir a volatilidade dos papéis. O que se constatou é que o benefício não mexe uma vírgula no nível de oscilação, tanto de ordinárias quanto de preferenciais. "Isso me surpreendeu, esperava que, com esse direito, os investidores optassem por ficar muito mais tempo com as ações, diminuindo o sobe-e-desce delas", afirma Júlia.


Para o professor Carvalhal, o fato de a volatilidade dos mercados de países emergentes, especialmente o do Brasil, ter caído ao longo dos anos impede que outros elementos tenham um efeito significativo sobre as oscilações. Fernando Tendolini, da Fator Administração de Recursos e gestor dos fundos Sinergia voltados à governança corporativa, acredita que a volatilidade tem muito mais a ver com fatores como o setor da companhia e a situação da economia local e internacional do que com a adoção de boas práticas.


Comprar ações de empresas que concedem "tag along" adicional não é garantia de ganhos maiores. A valorização depende muito do quão provável é ocorrer uma troca de controle na companhia. "O 'tag along' é muito mais valioso numa Telemar ou na Brasil Telecom do que na Petrobras", exemplifica Tendolini. Companhias familiares, aquelas com brigas entre os sócios e as de setores em franca consolidação são as que teriam maior valorização de suas ações em virtude do "tag along". "Esse direito cai como uma luva em setores como telefonia, imobiliário, software e alimentos, todos que nitidamente passarão por uma fase de fusões e aquisições", diz o gestor.


Muitas vezes, o fato de a companhia não ir um passo além do "tag along" exigido por lei se reflete na enorme valorização de suas ONs em detrimento das PNs. Um caso clássico, na visão de um analista, é o do Unibanco, o único dos três maiores bancos privados do país que não oferece "tag along" extra. As ONs valem cerca de 150% mais do que as PNs.


O fato de o investidor atribuir tanto valor ao "tag along" não é necessariamente uma boa notícia. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em governança Alexandre Di Miceli, isso mostra que ele ainda teme ser prejudicado, por isso valoriza a proteção. "Quanto maior o valor que se dá a esse benefício, maiores as chances de o controlador levar vantagem sobre os minoritários", diz. Prova disso é que o "tag along" é bem menos relevante em países escandinavos, onde a governança é maior, do que em países como Brasil, Itália, Coréia do Sul e Rússia, onde as boas práticas ainda estão avançando. "Não faltam controladores que acham que a sua função é expropriar os minoritários", afirma o professor. Não é à toa que na Rússia, por exemplo, as ações dos controladores valem cerca de 1.000% mais que a dos minoritários, diz.

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