quarta-feira, 12 de setembro de 2007

De olho no pré

Valor Econômico
Por Adriana Cotias
12/09/2007


A crise internacional e as perspectivas menos favoráveis em relação à inflação no curto prazo jogaram os holofotes nas aplicações em títulos prefixados longos, grande vilões das perdas recentes em fundos de renda fixa e multimercados. As taxas subiram no mercado secundário e os preços dos papéis, que andam na direção inversa, caíram. Para o investidor que se fia num cenário local ainda benigno, com continuidade de cortes da Selic e índices de custo de vida sob controle, o momento de comprar pode ser, justamente, na hora em que a temperatura aumenta e os ativos perdem referência ante os fundamentos. Trata-se, porém, de uma opção que pode ter tanto risco quanto a renda variável.


Na ponta do lápis, dá para identificar ganhos substanciais, dependendo de quando o aplicador decide comprar um papel pelo Tesouro Direto, o sistema de negociação de títulos públicos federais pela internet.


Quem, por exemplo, adquiriu Letras do Tesouro Nacional (LTN, prefixadas) com vencimento em 1º de outubro de 2009 em 13 de julho, dia em que ficaram disponíveis no Tesouro Direto, pactuou um retorno de 10,67% ao ano. Se escolheu 17 de agosto, no auge do aperto de liquidez decorrente da crise das hipotecas americanas de alto risco ("subprime"), conseguiu uma taxa de 12,69% ao ano e para um prazo um pouco menor - o que quer dizer que o dinheiro poderia, nesse intervalo, estar rendendo em outra aplicação, como num fundo DI. Para um investimento de R$ 100 mil, a diferença entre uma data e outra de compra da LTN seria de quase R$ 3,1 mil no resgate, já descontados imposto de renda e custos da CBLC e da corretora escolhida como agente de custódia (cobrando 0,25% ao ano pelo serviço).


"Mesmo que o Banco Central (BC) não fizesse mais nada neste e no próximo ano, deixando a Selic estacionada em 11,25%, a LTN de 2009, hoje na casa dos 12%, está com uma taxa excelente para um período não tão longo e que já pega a menor alíquota de imposto de renda (de 15%)", diz o experiente analista de investimentos da Coinvalores Antenor Ramos Leão. "O cenário mais pessimista indica que a taxa não cairia mais em 2007, com alguma estabilidade em 2008, para depois haver uma retomada dos cortes, mas essa não é a hipótese dominante no mercado."


Os papéis federais - os prefixados e os corrigidos pelo IPCA, como as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) - reagem não só à crise externa como também às pressões observadas recentemente nos preços dos alimentos. Mas é, sobretudo, o destempero externo que faz as taxas descolarem do cenário para juros e inflação.


"O governo incentivou, com vantagens tributárias, a demanda dos estrangeiros por títulos públicos, e esse é um aplicador que sai a qualquer preço na hora que o calo aperta", diz o economista-chefe da Infinity Asset, André NG. "Se o investidor comprou um papel indexado ao IPCA (a NTN-B Principal com vencimento em 2015) a 6,5% em abril e acredita que está tudo certo, este pode ser o segundo momento de usar o mercado e aumentar o investimento, por que não adquirir mais títulos com a taxa de 7%, 7,2%?". Em 17 de agosto, o papel chegou a esbarrar nos 8% ao ano.


Segundo o último boletim Focus divulgado pelo BC na segunda-feira, as instituições financeiras esperam mais um corte de 0,25 ponto percentual na taxa básica da economia em 2007, para 11% ao ano, com o IPCA em 3,99%, abaixo, portanto, da meta de 4,5%. Para 2008, as estimativas indicam inflação em 4%, expectativa mantida há dez semanas, com o juro primário em 10%.


Mais volátil, o mercado de títulos públicos tem vivido um ajuste de preços, mas muito provavelmente isso será temporário, assinala o estrategista de Renda Fixa da Quest Investimentos, Humberto Vignatti. Com diferenças visíveis entre previsões macroeconômicas e cotações, há uma boa oportunidade para o investidor com perfil mais agressivo nos prefixados. Ele considera que, embora o cenário externo esteja mais incerto, não está em discussão, por enquanto, um quadro tão adverso a ponto de jogar a economia americana numa recessão. E, no Brasil, ainda está preservado um ambiente de atividade robusta, mesmo com alguma deterioração da inflação no curto prazo. "Não há nada que indique um risco iminente de alta de juros em 2008, apesar de a parte longa da curva (dos contratos futuros com vencimento mais longo) trazer implícita uma elevação."


O contrato de depósito interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2009 indicava ontem taxa anual de 11,60% na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Como a percepção geral de risco aumentou, o mercado passou a incorporar prêmios adicionais aos derivativos e aos títulos públicos. Para quem está um pouco mais avesso aos sobe-e-desces, Vignatti recomenda papéis corrigidos pela inflação. Se tudo desandar e o BC elevar a Selic como resposta à alta do IPCA, o investidor tem a compensação inflacionária. Os títulos com vencimento em 2015 e 2024, sem pagamento de juros semestrais (NTN-B Principal), são os mais indicados para a pessoa física.


Já para aquele aplicador sem peito para enfrentar intempéries de qualquer natureza, NG, da Infinity, sustenta que as Letras Financeiras do Tesouro (LFT, pós-fixadas) são o porto-seguro à prova de volatilidade. "Mesmo que a Selic caia a 10% ao ano e a inflação fique em 4%, 4,5%, o investidor ainda tem um juro real atrativo, na casa dos 6,5%." No Tesouro Direto há opções com vencimento em 2010 e 2013, prazos que também proporcionam o benefício da menor alíquota de IR. Já as NTN-B com vencimentos mais longos, como 2013, 2015 ou 2017, são mais indicadas para se fazer uma reserva para aposentadoria. NG sugere ainda que qualquer que seja o horizonte de investimento, o aplicador evite fazer giro entre diferentes títulos de renda fixa, pois as chances de se acertar a hora da mudança são raras. "E, os custos são maiores do que nas aplicações em ações."


Vignatti, da Quest, adverte que os títulos prefixados ou aqueles atrelados à inflação têm de ser encarados como estratégias de risco, em comparação a opções mais conservadoras como a poupança, os fundos DI ou mesmo os fundos de renda fixa, que costumam ser mais diversificados. Como o cenário requer cautela, ele recomenda os papéis do Tesouro especialmente para as sobras de caixa. Para quem estiver com a carteira calibrada à conjuntura atual, não é o melhor momento de fazer alterações. "Tem incertezas no ar, não dá para se fazer nenhuma avaliação com muita convicção ou dizer que não tem erro nessas alternativas."

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