quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Caminhos para que o sonho da casa própria se torne real

Valor Econômico
Alcides Leite Júnior
30/01/2008


Muitos ainda se perguntam, com alguma dose de preconceito, como é possível que um morador de favela possa comprar eletrodomésticos sofisticados e até carro novo, enquanto aceita viver em condições tão degradantes de higiene e segurança. Entretanto, a questão seria mais esclarecedora se fosse formulada de outra forma. Partindo do pressuposto que a maioria das pessoas sabe escolher suas prioridades de consumo e investimento - e que se pudesse optaria por morar em condições mais favoráveis-, como é possível que o morador da favela possa ter acesso à compra de produtos de avançada tecnologia, como eletrodomésticos sofisticados e automóveis novos, e, no entanto, não consiga obter financiamento para melhorar suas condições de moradia?


É bem provável que, na maioria das grandes cidades brasileiras, o preço de um imóvel seja superior ao de um automóvel novo. Mas também é provável que, se houvesse financiamento de longo prazo com taxas de juros reduzidas, muitos moradores de favela ou cortiços teriam renda suficiente para pagar as prestações de uma casa própria.


Para se adquirir um automóvel novo hoje no país basta entrar em uma concessionária, escolher o veículo, fazer o plano de pagamento e sair com o carro. Se o modelo de aquisição da casa própria chegasse próximo do processo de aquisição do automóvel, com certeza teríamos menos pessoas alojadas em habitações populares precárias. É óbvio, porém, que a compra de um bem como o imóvel requer muito mais fiscalização do Estado e precauções pelo adquirente do que um carro. Mas, convenhamos, há um fosso creditório muito grande entre ambos bens na hora de alcançá-los.


Hoje, o déficit habitacional brasileiro chega a mais de oito milhões de unidades. Se considerarmos aquelas famílias que têm casa própria, porém em condições precárias, a demanda por investimentos no setor imobiliário seria ainda maior. Experiências bem-sucedidas no México mostram que é possível atender à demanda por moradia a custos e prazos satisfatórios, desde que o mercado financeiro desenvolva instrumentos de investimento rentáveis e de financiamento compatíveis com a renda da população.


A maioria dos empreendimentos habitacionais mexicanos é de responsabilidade da iniciativa privada, que desenvolveu técnicas modernas de construção em escala industrial, com boa qualidade e preços baixos. Uma casa de 70 m2 de área privativa é colocada à venda por um preço em torno de US$ 20 mil, algo como R$ 35 mil. Se financiada em 30 anos, com taxa de juros reais de 6% ao ano, a prestação mensal não passaria de R$ 200, ou cerca de um quarto da renda familiar da maioria da população que mora em favela em São Paulo.


A solução do problema habitacional brasileiro também passa pela questão da regularização da propriedade dos imóveis e pelo equacionamento da colateralidade necessária aos financiamentos. Hoje, muitos moram em áreas invadidas e não possuem nenhum título de propriedade. E a maioria não tem acesso a crédito porque não tem garantias para sustentá-lo.


Segundo o economista peruano Hernando de Soto, essas questões estão interligadas. Soto ficou mundialmente conhecido pela difusão de sua teoria sobre a importância da regularização da unidade habitacional familiar como instrumento de melhoria da condição social das camadas mais pobres da população. Segundo ele, o título de propriedade serve como importante garantia na obtenção de recursos para o financiamento de pequenos negócios que multiplicam a renda familiar e possibilita a aquisição de imóvel de melhor qualidade ou de realizar reforma do imóvel atual.


Um mutirão de regularização dos imóveis, ainda que precários, pode ser uma forma de se iniciar um círculo virtuoso no mercado imobiliário de baixa renda no Brasil. Recentes avanços na economia brasileira, como o controle da inflação, a redução das taxas de juros, o desenvolvimento de novos mecanismos de poupança e empréstimos, a abertura de capital das principais construtoras e a implantação de medidas que fortalecem as garantias dos empréstimos, como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação dentre outros, já permitem vislumbrar melhorias no mercado imobiliário.


No final do ano passado, foi veiculado nos principais jornais do país que uma importante empreiteira brasileira deseja construir na Grande São Paulo um megaprojeto habitacional nos moldes mexicano. Esperamos que esta iniciativa tenha sucesso e que muitas outras sejam implantadas em curto espaço de tempo. Se isso acontecer, ninguém mais precisa ficar surpreso quando souber que, além de eletrodomésticos sofisticados e carro novo, a população de baixa renda também poderá ter acesso a uma casa decente.


Alcides Domingues Leite Júnior é professor de Mercado Financeiro da Trevisan Escola de Negócios


E-mail: alcides.leite@trevisan.edu.br


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page