segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Os calouros da bolsa

Valor Econômico
26/11/2007

As reuniões da família Brito já não são mais as mesmas. Se antes boa parte das conversas era dedicada a palpites sobre a escalação e peripécias dos times rivais São Paulo e Palmeiras, agora são os vaivéns do Ibovespa e de alguns papéis que dominam os diálogos. Termos como "day trade", "flipping", "stop loss", análise técnica ou fundamentalista pontuam os colóquios, às vezes bastante inflamados. Só que são os mais jovens, Maurício e Leandro, ambos com 32 anos, que mostram aos tios Nilson e Nilton, de 43 e 45 anos, maior destreza no trato com os riscos da renda variável. Em comum, eles têm o fato de querer administrar por conta própria a parcela da poupança investida em ações.

É esse perfil que tem inflado as estatísticas de pessoas físicas na Bovespa. Já são mais de 310 mil investidores ativos. Os jovens, com até 40 anos, representavam, em julho, 25% da base. Trata-se de um público que tem plena afinidade com a tecnologia e não encontra barreiras para comprar e vender ações pelo home broker, o sistema de negociação pela internet, diz o diretor de marketing da Bovespa, Luis Abdal. Ele estima que 35% dos 500 mil participantes do programa Bovespa vai até você sejam de jovens. "Eles vêm com a ansiedade de duplicar ou triplicar o patrimônio em pouco tempo e desmistificamos isso, deixando claro que o investimento em ações é para o longo prazo, em empresas que são suscetíveis a fatores da economia e setoriais", diz.

O engenheiro Maurício é, dos Brito, quem está há mais tempo na bolsa e já sentiu o gostinho de ganhar e o dissabor de perder. Há dois anos ele começou a "brincar" com as ações por influência de um amigo e hoje 80% dos recursos estão na renda variável. "Tenho um perfil arrojado, mas lido bem com o risco", diz. "Não me incomodei em perder um pouco no começo para no médio e longo prazos ganhar mais, fiquei confortável para aumentar o investimento."

Se, no princípio a estratégia era comprar e vender ações mais voláteis, como Cosan, e até participar de ofertas públicas iniciais (IPO, em inglês) com o intuito de obter ganhos imediatos, agora o dinheiro de Maurício está distribuído em nomes mais robustos, como Vale do Rio Doce, Petrobras, Itaú e Tractebel. "Prefiro setores que podem puxar o crescimento da economia, como os fornecedores para a indústria ou empresas que estão fazendo investimentos, olho mais para fundamentos e, se um papel poderá subir em um ou dois anos, acho que vale a pena."

A fixação de Maurício pelo mercado acabou levando o primo Leandro ao mesmo caminho. Ele entrou na bolsa em maio, dois meses antes de estourar a crise das hipotecas americanas de alto risco. Em pouco tempo conseguiu um retorno de 12% para a carteira composta por Itaú, Bradesco, Vale, Petrobras e Gerdau. Só que a chacoalhada do "subprime" acabou transformando aquele lucro num prejuízo de 13%. Foi ali que o administrador de empresas se confrontou pela primeira vez com o risco bolsa. "Na conta total perdi mais de 20% porque deixei de realizar os lucros anteriores e não tinha nenhum "stop loss" (ordem de venda, com a fixação de um preço inferior ao corrente) que protegesse parte dos ganhos", diz. "Se tivesse estudado antes de começar, teria evitado muita besteira."

Leandro aprendeu com os próprios erros. Passou a dedicar as poucas horas livres, adentrando as madrugadas, ao estudo da análise técnica, baseada na interpretação de gráficos de preços e volumes para identificar tendências. Ganhou, assim, segurança para operar com papéis de segunda linha, sempre atualizando os limites de desvalorização de cada ação. Para a carteira global, que inclui aquilo que tem em renda fixa, a oscilação máxima que aceita para os ativos é de 6% para baixo. Na hora de comprar, olha para os gráficos, mas não descuida de questões que remetem a fundamentos. "Mesmo que o gráfico mostre compra, se a empresa paga mal seus fornecedores ou tem protestos, não compro."

Já o tio, o engenheiro Nilson, não olha para nada disso e entrou de cabeça no "day trade" (compra e venda no mesmo pregão) em papéis mais voláteis como Klabin, Embratel e Embraer. Descontente com os ganhos que vinha obtendo em fundos de renda fixa e multimercados, ele julgou-se, mesmo leigo, com capacidade para conseguir melhor retorno do que um gestor profissional. A estratégia é bem intuitiva: ele acompanha as cotações históricas para identificar se as ações estão caras ou baratas e, pelo noticiário, tenta enxergar algo que possa mover os papéis. "A minha meta é conseguir 1% ao mês", diz.

Ele acertou no timing. Entrou no mercado em agosto, em plena crise do "subprime" e, desde então, conseguiu retorno de 8% no primeiro mês, 6% no seguinte e 4% em outubro. Em novembro, a carteira ainda está no vermelho. Só 25% da sua poupança está em ações, mas essa parcela tem sido ampliada porque o investidor opera alavancado, com empréstimos da corretora. Quando não consegue vender a ação ao preço predefinido, automaticamente aumenta sua exposição em bolsa e a um custo de 2,99% ao mês.

O irmão Nilton, analista de sistemas, é o calouro da turma. Tirou todo o dinheiro que tinha de um fundo de renda fixa e colocou, há cerca de duas semanas, em apenas dois papéis, Petrobras e Vale, com a intenção de ganhar no curto prazo. Deu uma sorte danada. Vendeu Petrobras com um lucro de 14% no dia da divulgação da descoberta do Campo de Tupi. "Eu nem sabia o que estava acontecendo, mas vi o papel subir e vendi logo."

Disparadas como a da Petrobras e o sucesso de muitos IPOs desde 2004 têm atraido boa parte desses novos investidores. O dentista Marcelo Antunes de Paiva, de 36 anos, mantinha todas as suas aplicações em fundos de renda fixa. Começou a se entusiasmar com a bolsa ao ver alguns amigos se gabando dos ganhos instantâneos. "Resolvi pagar para ver o que era tão bom nesse tal de IPO."

Nos primeiros, Antunes teve ganhos, mas nada comparável com o que lucrou com a oferta da Bovespa Holding. Ele comprou R$ 12 mil e, alguns dias depois, vendeu o lote todo de ações, que já valia R$ 16 mil. "Tento não vender logo no dia seguinte para não cair na malha fina dos "flippers" nas próximas ofertas, mas foi irresistível não sair do papel."

Diferentemente de seus amigos, que se jogaram de cabeça em bolsa, Antunes segue à risca a regra que impôs a si mesmo, de ter entre 30% e 40% do patrimônio em ações. "Tenho disciplina, toda vez que as ações se valorizam e ganham um peso maior do que esse percentual eu vendo e coloco esse dinheiro na renda fixa", garante o dentista. Ele reconhece que alguns se deslumbram com o ganho, muitas vezes significativo e do dia para a noite, perdendo a medida do razoável. "Um amigo meu, que foi mandado embora, pegou todo o dinheiro do FGTS e aplicou em ações. Agora ele passa 24 horas por dia comprando e vendendo os papéis via internet."

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