domingo, 7 de outubro de 2007

Dinheiro não é brincadeira

Folha da Tarde 07/10/2007

Compra consciente: ensine aos pequenos

Giuliana Reginatto

Pedro Talamoni de Abreu quer um presente, a mãe dele quer decorar a nova casa da família. Às vésperas do Dia das Crianças, vence o bom senso: o garoto não vai passar a data sem lembrancinha, mas terá de optar por um brinquedo baratinho. “Estamos gastando muito com a mudança e pedimos a ele que escolhesse algo na faixa de R$ 20. Ele compreendeu bem a situação, sem fazer drama”, diz Danielle Talamoni de Abreu, 28 anos.

No meio de crianças que gritam pelo shopping e se jogam no chão de todo supermercado, o gesto compreensivo do menino parece raro. Afinal, é possível limitar os gastos sem receber birras como resposta? Danielle garante que sim. Pedro tem só sete anos, mas aprendeu a gerenciar o próprio dinheiro quando ainda tinha cinco. “Na época, ele queria muito um brinquedo que custava R$ 80. Dissemos que pagaria com seu porquinho e que completaríamos o restante. Foi o que fizemos: Pedro contribuiu com R$ 35”, conta.

Mestre em psicologia pela USP, a psicoterapeuta Vera Iaconelli explica que o conflito financeiro na família pode ser motivado pela falta de coerência dos próprios pais . “O grande problema é o consumo irrefletido. Crianças não têm condições de refletir sobre isso sozinhas. E, muitas vezes, os próprios pais não servem de exemplo. A criança não consegue mensurar as variáveis envolvidas no seu pedido, mas precisa saber que a decisão de dar ou não um presente não é capricho: às vezes, os pais não aprovam o produto ou não podem comprá-lo. Quanto mais se demora para estabelecer critérios, mais difícil fica. Há pais tentando pagar a culpa que sentem com cheque”, opina.

De acordo com a especialista em educação financeira Cássia D’Aquino, o sucesso da negociação entre pais e filhos se resume à capacidade de planejamento da família. “Se o filho deseja algo que está fora do orçamento, mostre que será preciso criar um plano de poupança: é possível economizar locando menos DVDs ou reduzindo os almoços fora de casa”, sugere.

Maria Cristina Santos Schettini, 47 anos, já aprendeu que planejar as despesas da família é a única forma de satisfazer os cinco filhos. Paula, 10 anos, pediu uma boneca de R$ 290 para o Dia das Crianças, mas teve de escolher outra data para o presente. “Expliquei que agora preciso presentear os irmãos também e combinamos que a boneca ficaria para o aniversário dela, quando conto com a ajuda das vovós”, diz.

Segundo Cristina, pior que o apelo comercial de datas comemorativas como Natal e Dia das Crianças são as inúmeras promoções veiculadas pelos meios de comunicação. No embalo do troque suas tampinhas por um brinde, muitos pais sentem-se coagidos a consumir um determinado produto. “Essas promoções são um sério problema para toda mãe! Enquanto os filhos não juntam todas as embalagens que precisam, não param de pedir.”

Coordenadora do projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, a advogada Isabella Henriques enfatiza que até mesmo as propagandas que parecem inofensivas podem conter elementos sedutores para os pequenos. “Às vezes, o produto nem é para consumo infantil, mas é apresentado com mascotes, efeitos especiais e outros elementos que atraem as crianças. Chegamos a uma situação-limite. Os pais já não sabem o que fazer diante disso. Penso que dizer um ‘não’ é necessário, mesmo que a família tenha condições de suprir todas as vontades do filho”, argumenta Isabella. Em 2006, ela escreveu a dissertação de mestrado A Publicidade Abusiva Dirigida para Criança.

A consultora Ivani Rossi, que pesquisa há anos o poder de persuasão da criança junto à família, acredita que a influência crescente dos filhos nas compras está diretamente relacionada à exposição exagerada aos meios de comunicação. “Os pais trabalham muito, a mulher se firmou no mercado de trabalho e os filhos têm passado cada vez mais tempo diante da TV e do computador. Em alguns casos, encher a criança de presentes tem sido uma forma que o pai achou para se redimir da falta de tempo, de afeto”, argumenta.

Para tecer suas conclusões a respeito do comportamento dos pequenos consumidores, Ivani tem feito estudos anuais sobre o tema. Em 2006, ouviu 1.500 mães com filhos entre dois e 14 anos e descobriu que 85% das crianças exerciam influência nas aquisições da família. Em 2000, o índice era de 71%.

Ivani detectou três tipos de crianças: conformadas, estrategistas e rebeldes. “O tipo estrategista predomina, manifesta-se em 58% dos casos. São crianças que negociam com os pais por meio de argumentos conhecidos, tais como: ‘Mereço ganhar! Escovo os dentes sem você mandar’. As conformadas representam 14% do total”, relata a profissional. O estilo rebelde-mirim, aquele tipo que protagoniza as principais cenas de birra que se vê em público, corresponde a 29% das crianças pesquisadas.

Para a diretora clínica do Instituto de Neurociência e Comportamento de São Paulo, Maria Cristina Dotto, o consumismo irrefletido não é provocado apenas pelo excesso de propagandas. “Muitas vezes, pedir algo é muito mais uma forma de chamar a atenção do que a manifestação de um desejo de consumo”, defende. “Há crianças que chegam a substituir as brincadeiras lúdicas pela compra. Elas recebem, sim, a influência dos comerciais, mas também são influenciadas pelos pais”, completa. Ou seja: muitas vezes, o criticado modelo consumista é inspirado em alguém que dorme no quarto ao lado.

85%
das crianças influenciam as compras da família
Este é o resultado de uma pesquisa realizada pela empresa InterScience. Participaram dela 1.500 mães com filhos entre dois e 14 anos. Em 2000, o índice verificado foi de 71%.

30 mil mensagens
publicitárias por ano são oferecidas às crianças do País pelos meios de comunicação, segundo dados do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Ao todo, portanto, são mais de oitenta mensagens por dia.

53%
de crescimento no mercado infantil de beleza
foi o índice verificado no Brasil entre os últimos cinco anos, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. O País é o segundo maior mercado do mundo no setor.

R$ 50 bilhões
movimentados por ano no Brasil
é a cifra do mercado infanto-juvenil. Os investimentos publicitários em artigos infantis foram de quase R$ 210 milhões em 2006, segundo o Ibope Monitor. No mundo, a Mitel Internacional apurou que 20% das vendas do mercado de luxo se destinam aos pequenos.


LIVRO

‘Crianças do Consumo’
328 pgs., R$ 38
Susan Linn
Instituto Alana

Sucesso nos EUA, a obra ‘Crianças do Consumo - A Infância Roubada’
discute com propriedade o impacto do consumismo na formação dos valores da criança. Susan é professora de psiquiatria na Harvard Medical School (em Boston).

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