terça-feira, 24 de julho de 2007

Calibragem do risco

Valor Econômico de 24/07/2007

Por Danilo Fariello

A alta de mais de 60% do Índice Bovespa nos últimos 12 meses encerrados na sexta-feira fez com que muitos investidores que haviam planejado uma carteira com risco mais moderado para este ano agora tenham uma parcela além do desejado de renda variável. Quem aplicou metade dos recursos em uma aplicação ligada ao Ibovespa em julho do ano passado e outra metade em juros tem hoje quase 60% do seu patrimônio em bolsa. Isso ocorreu porque, no mesmo período, os investimentos em renda fixa subiram apenas 13%, segundo CDI. O imposto de renda pago antecipadamente nos fundos de renda fixa também colabora com essa distorção, reduzindo o patrimônio dessas carteiras.
Os manuais de finanças pessoais indicam ao investidor que este seria o momento de calibrar a distribuição de risco da carteira, para não ficar mais exposto do que o previsto no momento do planejamento inicial. Porém, a atual exuberância das ações faz com que muitos investidores tomem gosto por essa maior agressividade obtida. Se aceitar embarcar nessa aposta mais ousada, deve estar ciente de que corre mais risco do que outrora.
"O investidor tem de reavaliar a carteira porque está com percentual maior de risco do que pensava", diz Márcia Dessen, consultora de investimentos sócia da BankRisk. "Ele pode manter a aplicação ou até elevar a parcela dedicada a mais risco, mas tem de ter a consciência do que faz." Acontece que poucos investidores têm metas qualitativas de resultados para isso, reconhece ela.
Outro consultor, Sérgio Manoel Correia, da LLA Investimentos, usa um tratamento de choque para explicitar aos seus clientes o risco de aumentar a exposição em bolsa. Ele pega o mês de maior perda da bolsa nos últimos dois anos (maio de 2006, quando o Ibovespa caiu 9,5%) e questiona seus clientes: "Você está disposto a ter qual parcela da sua carteira sujeita a essa perda em apenas um mês?" diz ele. "E se isso ocorrer por dois meses consecutivos, como já aconteceu no início da década?", aterroriza.
Entre os que ouviram essas perguntas está o empresário Ricardo, que ainda assim resolveu arriscar 40% dos investimentos em ações. Há um ano, ele investia em bolsa apenas 5% do patrimônio, que hoje chega a R$ 400 mil. Além disso, resolveu aplicar mais capital em seu próprio negócio, no setor de agronomia. "Não é uma loucura porque fiz hedge (proteção) na outra parcela dos meus investimentos." Se perder algo parecido com 20% em pouco tempo, ele estará disposto a permanecer mais dois ou três anos no mercado de ações, à espera de uma recuperação. Ricardo é um exemplo da maioria dos investidores no mercado atualmente.
O empresário não nega que seu impulso de investir pesado em ativos mais arrojados venha do retorno de cerca de 200% do CDI da aplicação em renda variável no último ano. Mas ele diz que o principal motivo é o encolhimento do retorno da renda fixa, com os seguidos cortes na taxa Selic, que caiu de 15,25% ao ano no início de julho de 2006 para 11,5% ao ano. "Há um ano, o rendimento dos juros me satisfazia, mas agora isso mudou e o risco das ações diminuiu", diz Ricardo, que tem a assessoria de uma consultoria de investimentos há 5 anos, mas só agora embarcou de vez na onda da renda variável.
Há um ano, um aplicador que colocava 30% da sua carteira em ações era considerado um investidor super-arrojado, diz Correia, da LLA. Hoje, quem tem essa parcela em renda variável é um aplicador moderado, avalia. "O apetite a riscos aumentou de forma geral com a redução da taxa de juros." Na semana passada, com a queda do juro para 11,5% ao ano, uma aplicação que ofereça retorno pela Selic, isenta de qualquer taxa e imposto, renderia apenas 0,91% ao mês. Percentual considerado baixo por muitos acostumados a retornos acima de 1%.
Embora a renda fixa tenha enfraquecido, Márcia, da BankRisk, alerta para o crescimento das ações em carteira e a conseqüente exposição a riscos. Quem investiu 30% em ações há um ano agora tem cerca de 36%, ou seja, 6 pontos percentuais acima do que planejou inicialmente. "Se for fiel ao seu objetivo primeiro, o investidor deverá rebalancear", diz ela.
Para quem não está disposto a correr mais riscos, a consultora diz que este poderia ser um bom momento para vender parte dos ativos de renda variável, que já subiram demais. No mercado, essa atitude é chamada de realização de lucros, ou seja, quando se converte uma expectativa de retorno em dinheiro. Ela lembra que, atualmente, os investidores fazem projeções levando em conta um cenário de pouco risco, que preponderou nos últimos cinco anos. "É bom pensar em notícias ruins e numa perda de 20% no curto prazo para saber se se é mesmo tolerante a perdas."
Mas são poucos os investidores que privam de uma consultoria para alertá-los sobre o risco que passaram a correr com o crescimento da parcela de bolsa em carteira, lembra Márcia. "É muito difícil ponderar o horizonte de tempo, o comprometimento do orçamento doméstico nas aplicações, o cenário ou a tolerância a riscos e volatilidade de forma autônoma", diz. O investidor precisa entender que a decisão de arriscar mais ou não é muito complexa, comenta. "Quantos têm uma reserva financeira intocável, para doença e desemprego, que está alocada em recursos de baixo risco?", questiona, para citar um exemplo de falta de planejamento. Não é preciso contratar um consultor para avaliar o próprio risco, mas já é um bom avanço planejar metas e monitorar as perdas para atingir os objetivos, dizem os profissionais
Márcia Dessen revela que o passo final de uma boa estratégia de investimento é o monitoramento da carteira assumida. Assim como ajustes deveriam ser feitos agora, quando a bolsa sobe demais e eleva a parcela de risco, o mesmo deve ocorrer quando ela cai e o investidor fica, naturalmente, mais conservador, diz ela.

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