segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Clube campeão

Carteiras reúnem grupos que compartilham bons retornos aprendendo a investir em ações com visão de longo prazo.

Valor Econômico

Por Antonio Perez, de São Paulo
23/08/2010

Ganhos polpudos na bolsa não estão reservados apenas a gurus ou a especuladores endinheirados com suas tacadas extraordinárias como muita gente pensa. Experiências de pequenos investidores em clubes de ações relatadas ao Valor mostram que, com disciplina, estudo e paciência, é possível formar um patrimônio e realizar sonhos de consumo aplicando em ações.

É o caso, por exemplo, da professora universitária Márcia Costa Chaves, do Rio de Janeiro. Após cinco anos de aplicações mensais de pequenos valores no clube de investimento MulherInvest, criado em 2004, ela sacou os recursos para comprar um apartamento. "Eu tinha esse objetivo e, com o bom rendimento do clube, consegui alcançá-lo", conta Márcia.

 

 

A professora universitária é um exemplo de investidores que embarcaram na febre dos clubes de investimento que tomou conta do mercado nos últimos anos. De 2003 para cá , o número de clubes saltou de 755 para mais de 3.100, e o patrimônio que eles administram, de R$ 1,269 bilhão para R$ 12,91 bilhões.

Não por acaso, o crescimento dos clubes coincide com um período de exuberância da bolsa. À exceção de 2008, auge da crise financeira internacional, o Índice Bovespa só fez subir e acumula valorização no período (2003 até hoje) de quase 500%.

É natural que muitos clubes sejam formados em períodos de ascensão da bolsa e ofertas públicas de ações, diz Mauro Calil, professor e educador financeiro da Calil & Calil. "Mas se o clube for formado com base apenas no entusiasmo de curto prazo, tem tudo para desaparecer rapidamente", ressalta. "Não é preciso nem que haja perdas, basta que o rendimento não seja tão bom quanto no começo para que as pessoas desanimem".

Clubes só funcionam se houver a perspectiva de longo prazo - pelo menos cinco anos, recomenda Calil - e aplicações constantes de pequenos valores, para diluir o risco. É o caso da professora Márcia. Antes do clube MulherInvest, ela aplicava em fundos de ações esporadicamente e sem uma estratégia de longo prazo. O clube, relata, trouxe a disciplina para investir sempre e a oportunidade de conhecer melhor o mercado acionário. "Aprendi que bolsa não é lugar para dinheiro que você pode precisar no curto prazo", afirma. "Isso porque é o grande o risco de ter que tirar o dinheiro em um momento ruim "

Além de compartilhar a visão de longo prazo, os investidores do clube têm que ter afinidades e laços que vão além do investimento, diz Calil. Isso aumenta o comprometimento dos investidores e auxilia na divisão de responsabilidade. "É preciso que os investidores realizem reuniões para decidir onde investir", recomenda o professor. "Senão o clube virá um fundo com um gestor não remunerado, que será sempre criticado pelos demais".

Amizade e interesses em comum de 14 mulheres está justamente na origem de um dos clubes de investimento mais longevos e bem-sucedidos do mercado brasileiro, o CiaInvest, criado em 2001. No início da década passada, às portas da aposentadoria, o grupo buscava uma ideia que pudesse mantê-las em contato após o encerramento da carreira. "A gente se encontrava sempre por causa do trabalho e sabia que, sem algo em comum, acabaríamos perdendo contato ", conta a supervisora aposentada Rosegleyde de Souza Rocha, fundadora e administradora do clube.

A primeira ideia que surgiu foi a de abrir um negócio em comum, lembra Rosegleyde. A opção óbvia era criar uma escola particular, já que todas tinham grande experiência na área pedagógica. Mas elas desistiram, temendo que a sociedade acabasse desunindo o grupo.

No começo de 2001, elas conheceram o programa "A bolsa vai até você" e se encantaram com a ideia de abrir um clube. "Embora a maioria só tivesse investido em poupança e fundos, todo mundo se entusiasmou", conta. "Era um meio de manter a amizade, ganhar dinheiro, sem ter o trabalho de tocar um negócio".

Com aplicações mensais de no mínimo R$ 100, o clube construiu um patrimônio que, antes da crise de 2008, chegou a superar R$ 1,4 milhões. Hoje, com cerca de 60 participantes, grupo no qual se inclui as fundadoras, o clube possui R$ 920 mil, aplicados em cerca de 10 ações.

Apesar de quase dez anos de existência, as supervisoras ainda se reúnem todos os meses para avaliar o desempenho da carteira e analisar oportunidades. "O clube está bem, o problema é a Petrobras, que não desencalha e machuca o coração da gente", conta Rosegleyde que, com os ganhos do clube, quitou o financiamento de um apartamento. "Muitas das fundadoras já são avós e planejam deixar a carteira de investimentos de herança para os netos".

Outra história de sucesso baseada no companheirismo profissional é do clube formado por servidores públicos do Poder Judiciário de São Paulo. O clube surgiu em 2004, por iniciativa da funcionária Zulene Galvão. Em seu departamento, ela conta, havia a formação da tradicional "caixinha", em que todos depositavam todos os meses uma quantia para ser distribuída no fim do ano. "Eu participei um ano, mas não gostei, porque não rendia nada, era pior que a poupança", lembra.

Em meados de 2004, Zulene viu em um telejornal que a bolsa havia subido 3% em um dia. Interessada, ligou para a bolsa e soube da existência do programa educacional. Depois de conversar com os colegas de trabalho, marcou uma reunião com pessoas da bolsa.

No início, houve certa resistência à ideia de aplicar em ações. "A maioria acreditava que a bolsa era coisa de rico", lembra. "Mas, depois de alguns encontros, as pessoas se animaram e resolvemos usar os R$ 14 mil que já havia na 'caixinha' para formar o clube".

Hoje, o clube de investimentos, que surgiu com 12 integrantes, possui 30 cotistas, todos funcionários do mesmo departamento, e patrimônio de R$ 300 mil. "Gente de fora quis entrar, mas não quisemos inchar o clube e perder a identidade", ressalta Zulene.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page