segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

De devedor a poupador

Valor Econômico
Por Adriana Cotias, de São Paulo
07/01/2008

Em fevereiro, a auxiliar administrativo Patrícia da Penha, de 31 anos, vai quitar um empréstimo que fez em 2005 com a empresa onde trabalha, a ArcelorMittal Tubarão (antiga CST). Será o fim de um período de reestruturação financeira, de mudança de hábitos e de muita disciplina orçamentária. De devedora de R$ 6 mil em linhas caras como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial, a funcionária quer passar à condição de poupadora. Ela pretende, a partir do pagamento da dívida, economizar R$ 10 mil ao ano e até 2011 realizar o sonho da casa própria. E não pensa em recorrer a um financiamento imobiliário, tão em voga. Ela pretende comprar o imóvel à vista, usando o que vai acumular nesse intervalo mais os recursos depositados no FGTS.


A guinada que Patrícia está prestes a dar só foi possível porque junto com o dinheiro camarada (sem juros) veio o apoio de uma espécie de "personal economist", indicado pela empresa. Com o auxílio desse consultor financeiro, ela negociou prazos e descontos, reorganizou gastos e colocou numa planilha absolutamente todas as suas despesas, das fixas às mais banais como um inocente chocolate. Hoje, Patrícia já adota um discurso consciente em relação às estratégias para gerenciar finanças pessoais. "As lojas oferecem prazos para pagar a partir de tal mês em oito, dez parcelas no cartão e isso ilude muito o consumidor, as famílias se endividam e ninguém pára pra pensar que talvez fosse melhor economizar R$ 20 por mês para fazer a compra depois."


O programa de gestão orçamentária em que Patrícia se inscreveu existe na ArcelorMittal Tubarão desde 1996, mas há cerca de cinco anos foi repaginado. Como o planejamento familiar baseado apenas na construção de uma planilha financeira não estava alcançando os resultados esperados, ele ganhou enfoque na economia comportamental e passou a incluir a figura do "personal economist", conta a assistente social Leila Fátima Pinheiro. "A forma como cada um gasta o seu dinheiro está relacionada à história de vida da pessoa, à origem familiar e é esse pano de fundo que explica como ela responde aos apelos de consumo", diz. "E, se esse consumo é compulsivo, sem objetivo, ele tem de ser tratado como uma doença, a oneomania." Hoje, o programa é dividido em dois módulos, um preventivo, pelo qual já passaram 5.343 pessoas entre empregados e familiares, e, o curativo, que conta com a assessoria do especialista, que atendeu a 64 pessoas.


Deixar dívidas para trás e passar à condição de poupador pode ser uma tarefa árdua nesses tempos de crédito fácil, mas é uma transição plenamente possível para qualquer que seja a faixa de renda, defendem os especialistas. Ganhar bem não significa ter as finanças pessoais em ordem, assim como ser assalariado, recebendo entre R$ 1 mil e R$ 2 mil por mês, não é incompatível com fazer reservas para investimentos, diz o economista Hugo Azevedo, autor do livro "500 perguntas (e respostas) avançadas de Finanças". Outro extremo, acrescenta, é ter um patrimônio alto, acima de R$ 1 milhão, com diversificação zero, mantendo tudo na poupança. "Todos esses perfis requerem um replanejamento financeiro", afirma.


Cortar dívidas doentias, aquelas originadas pelo descontrole financeiro ou pelo consumo desordenado, é um primeiro passo para a mudança, defende Azevedo. A dívida sadia é aquela que vem com um planejamento prévio, como a aquisição da casa própria ou de um carro, em prestações que efetivamente caibam no orçamento. De resto, a receita da administração financeira eficiente é a mesma que vale para qualquer empresa ou governo: gastar menos do que se recebe. "O brasileiro não tem cultura de poupança e faz muito pouca conta", diz. "São notórios os casos em que o indivíduo mantém uma aplicação na caderneta ou num fundo de renda fixa que rende 0,70%, 0,90% ao mês e ao mesmo tempo fica pendurado no cheque especial, pagando 12%."


Para disciplinar os gastos pessoais, ele sugere que o consumidor faça um controle diário de todas as despesas, sem negligenciar nenhuma delas, nem mesmo os R$ 2,00 do cafezinho após o almoço. "Se você toma café dia sim dia não, já são mais de R$ 250,00 por ano e se está rolando uma dívida de R$ 800,00 isso faz toda diferença e aí é aconselhável que haja um esforço pelo consumo mais consciente."


Abdicar de tudo aquilo que se sobrepõe à receita corrente é condição vital para restabelecer a saúde financeira, reitera o supervisor da Meta Asset Management, Maurício Gentil. "É bom lembrar que crédito abundante e que tende a ficar mais barato é ótimo para algumas situações, mas perigoso para quem não tem disciplina." Vender um carro, um imóvel e renegociar dívidas e prazos é um caminho para reequilibrar o fluxo de caixa, lista. Vencidas essas etapa e passando ao estágio do investimento, ele defende que é preciso fazer uma reserva considerável em aplicações conservadoras antes de pensar em diversificação.


Se o investidor está bem empregado e numa fase de ascensão profissional, Gentil sugere que ele faça uma poupança equivalente a seis, oito meses de gastos correntes. Quem não tem essa condição e pode ter dias mais incertos pela frente, o recomendável é acumular um ano do padrão médio de vida mensal. Se, por exemplo, as despesas chegam a R$ 10 mil por mês, o ideal é ter R$ 120 mil aplicados em opções de baixo risco. "A partir desse valor, o investidor já deveria assumir riscos adicionais", diz.


O profissional ressalva que se o cenário externo motivar mais insegurança, o melhor mesmo é ficar com ativos de renda fixa. Qualquer que seja o fundo escolhido é preciso ler o prospecto, observar se a carteira pode gerar perdas para os ativos e se essas perdas se restringem ao capital investido ou se podem requerer aportes adicionais. "A CVM, o código de auto-regulação da Anbid transferem claramente para o investidor o entendimento do risco de cada aplicação e ele tem de saber que não está coberto pela instituição financeira onde mantém seus recursos."

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