segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Juro baixo é desafio para fundos, diz ex-BC

Folha de S Paulo 27/08/2007

Para Gustavo Franco, queda da taxa deve fazer com que recursos em fundos DI migrem para outros investimentos, como CDBs

Poupança também deverá deixar de ser a principal fonte de recursos para o financiamento da casa própria, afirma Franco

TONI SCIARRETTA
ENVIADO A CAMPOS DO JORDÃO

A indústria brasileira de fundos e os bancos sofrerão o seu maior baque quando os juros brasileiros recuarem para a casa de um dígito, fato largamente aguardado no país e que deve acontecer no mais tardar até o fim de 2008, segundo o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco (1997-1999), que comandou a política monetária brasileira com taxas de mais de 40% ao ano à época da crise asiática, em 1997. Hoje a taxa Selic está em 11,5%.
A mudança, disse Franco, levará a uma completa migração dos recursos hoje dos fundos DI, a aplicação financeira mais popular no Brasil, para investimentos como a poupança, os CDBs e os fundos multimercados. Levará ainda a uma diminuição das taxas de administração e de tarifas e irá expor os altos impostos incidentes sobre as aplicações financeiras.
"Sabe-se lá o que vai acontecer. Levamos toda uma geração para ter uma taxa de juros de um dígito. E isso agora causará uma encrenca para os fundos e o sistema financeiro. O que vai acontecer quando a Selic [taxa básica de juros do BC] estiver em 7%? Descontados impostos e taxas, a poupança renderá mais [que os fundos DI]."
Acostumado aos antigos juros do "overnight", com rendimento diário, o investidor brasileiros terá de se acostumar a retornos baixos e a abrir mão da liquidez diária dos fundos, que permite resgates a qualquer momento, disse Franco.
"Os fundos terão de ter liquidez semestral ou anual. Mas o brasileiro não abre mão da liquidez diária e do rendimento alto dos juros. O Tesouro emite papéis mais curtos, que dá menos trabalho. Mas não terá escolha além de alongar o prazo da dívida pública. Os papéis de curto prazo são um resquício da época de inflação" afirmou.
A visão é compartilhado pelo professor Ney Ottoni Britto, da UFRJ. Para justificar as altas taxas de administração, afirma, os fundos terão de "mostrar serviço" para os cotistas.
Ele prevê uma mudança estrutural na indústria, com os fundos deixando de oferecer produtos massificados, como os DI, para atender a necessidades mais personalizadas de retorno, risco e liquidez dos cotistas. "Os gestores terão de ouvir o que o cotista quer e oferecer o melhor produto para ele."

Poupança
Para o ex-presidente do BC, a poupança também deverá deixar de ser a principal fonte de recursos para o financiamento da casa própria, como acontece hoje. Franco prevê um rendimento ainda menor da caderneta, possivelmente com o fim da TR. "Não teria mal nenhum [em abolir a TR]. É muito baixa, já está no chão."
Para deslanchar o crédito imobiliário, que hoje é de apenas 2% do PIB, Franco afirma que os bancos terão de encontrar novas fontes de captação além da poupança. "O crédito imobiliário depende da capacidade de o sistema bancário de captar recursos mais longos. A [captação da] poupança representa um teto para o financiamento imobiliário no país. Para crescer, o crédito imobiliário deve ser desamarrado."
Ele defende que as instituições financeiras busquem esse dinheiro com os investidores com interesse em tomar o chamado risco imobiliário, que surgirão quando os juros recuarem para menos de 10% ao ano.
Franco citou instrumentos alternativos de captação, como as letras hipotecárias, os fundos imobiliários e os de recebíveis de prestações das construtoras, que já começam a aparecer no Brasil, como aconteceu no México e no Chile.

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