quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Investimentos às cegas

Valor Econômico

28/10/2010

Por Luciana Monteiro | de São Paulo


Interessado no mercado acionário, o funcionário público Édson Sabino, de 48 anos, abriu uma conta no ano passado na corretora do Real - mais tarde Santander -, para investir em ações pela primeira vez. Como não é muito dado a computadores, ele ligou diretamente para a mesa de operações da instituição e mandou comprar papéis da Vale.

O papel se valorizou e Sabino, animado, vendeu as ações e ficou esperando por uma outra oportunidade. Depois de quatro meses, viu que os BDRs (recibos de ações de empresas com sede no exterior) da Parmalat/Laep estavam entre os papéis mais negociados da bolsa. Aqui começa o drama do funcionário público.

Interessado, Sabino ligou para a mesa da corretora e pediu para comprar 108 mil BDRs da Laep, na época cotada a R$ 1,12, o que totalizou R$ 121 mil. Mas o papel começou a cair sistematicamente. O investidor, então, ligou para a corretora em busca de um relatório, de preferência técnico, sobre a empresa e foi informado que o Santander não faz a cobertura desse papel. Depois de perder dinheiro dia após dia, Sabino resolveu vender os papéis a R$ 0,71 e amargou um prejuízo de R$ 44 mil.

"Sei que aplicar em bolsa é arriscado, mas acredito que a corretora deveria ter me alertado sobre o risco específico desse papel", reclama. "É como comprar um carro usado e ninguém te avisar que o motor está prestes a fundir", diz o funcionário público. "Ações são investimentos de alto risco, mas em nenhum momento alguém me disse que se tratava de um papel de baixa liquidez." Ele afirma que achou que se tratava de um papel que tinha alta liquidez e alega que não teve o auxílio e assistência da corretora do banco.

O caso do funcionário público não é isolado. É comum investidores iniciantes serem seduzidos por fóruns de discussões que manipulam informações a favor de empresas de baixíssima liquidez e que oscilam fortemente ao sabor dos boatos. Outros, se deixam levar por dicas de conhecidos, que entendem tanto quanto eles de mercado. E, com a bolsa em alta nos últimos anos, criou-se o mito de que o ganho em ações é fácil, rápido e certo, fazendo o iniciante desprezar o estudo e o conhecimento dos papéis.

A situação é mais delicada no momento em que bolsa e corretoras se unem para aumentar o número de investidores. Hoje, são cerca de 630 mil pessoas físicas com contas na bolsa. E o projeto da BM&FBovespa é atingir 5 milhões de investidores em cinco anos. Mas como evitar que uma massa de investidores inexperientes comprometa suas economias?

O caso suscita uma pergunta: a corretora deve alertar o investidor quando ele decide comprar um papel sem liquidez? Eduardo Jurcevic, superintendente-executivo da Santander Corretora, explica que o operador da mesa não pode orientar a compra ou a venda de um papel, mas pode falar com base em um relatório elaborado pela área de pesquisa. "Mas, no caso de um papel que não coberto pela corretora, não é possível fazer qualquer comentário, já que não há no que se basear, não há uma análise", afirma.

O executivo ressalta que a corretora faz a cobertura de 104 empresas, que representam 96% do volume da bolsa. E recomenda: "Quem está começa a investir em bolsa agora deve procurar ações que sejam analisadas pelas corretoras e tenham liquidez alta", diz. Para Jurcevic, é preciso olhar o número de negócios com o papel por mais de um dia, para não ser levado a acreditar que uma ação tem liquidez quando, na verdade, está sendo puxada por especulação.

Mas fica a pergunta: por que essas recomendações não podem ser dadas ao investidor na hora em que ele compra ações ilíquidas na corretora? Até para isentar as instituições - que investem pesado em cursos e palestras de divulgação do mercado - de qualquer problema.

Depois das reclamações, Sabino foi procurado pelo gerente de uma sala de ações do Santander, explicando que ele poderia ter se informado sobre os papéis que comprou com um dos especialistas do serviço. "O problema é que ninguém me disse que havia esse serviço à disposição", diz o funcionário público.

Isso levanta outra discussão, que é a necessidade de integração entre corretora e os gerentes dos bancos, ainda focados em produtos oferecidos pela instituição, como fundos e CDBs. O investidor, no entanto, também precisa fazer a sua parte: no site da corretora do Santander, por exemplo, há uma lista com as cerca de cem salas de ações disponíveis pelo Brasil.

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