quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Clubes em revisão

Valor Econômico

Por Luciana Monteiro e Alessandra Bellotto, de São Paulo
24/02/2010

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quer mais transparência e maior regulação para os clubes de investimento, oferecidos pelas corretoras de valores. O órgão regulador colocou ontem em audiência pública uma minuta de instrução para revisar a legislação dessas aplicações. Entre as principais novidades estão a redução no número máximo de investidores, a obrigatoriedade da realização de assembleias de cotistas e a adoção de limites de exposição a derivativos e alavancagem.

A regra atual é de 1984 e, na avaliação da CVM, está muito defasada para um mercado que cresceu exponencialmente. Em 2000, havia 379 clubes com patrimônio de R$ 1,3 bilhão. Já em dezembro do ano passado, eram quase 3 mil clubes registrados na BM&FBovespa, que reuniam mais de 140 mil investidores e R$ 14,1 bilhões em ativos sob gestão. O total em clubes equivale a 8,2% dos R$ 170,946 bilhões presentes em fundos de ações.

Inicialmente concebidos para incentivar a participação de pequenos investidores reunidos em grupos no mercado de ações, o conceito dos clubes acabou se desvirtuando nos últimos tempos. Algumas corretoras passaram a usar a estrutura para oferecer carteiras abertas a qualquer aplicador, uma forma de oferecer fundos de investimento travestidos de clubes, o que chamou a atenção do órgão regulador.

A atual minuta não impede que isso aconteça, mas deixa a vida dos que tentarem fazer isso bem mais difícil. "Os clubes, que deveriam promover um maior envolvimento dos investidores, acabaram permitindo que eles assumissem uma posição passiva", diz Otávio Yazbek, diretor da CVM. Segundo ele, a preocupação é a de que os clubes estejam servindo para o que ele chama de "arbitragem regulatória". Como nos clubes o rigor é menor, a estrutura é mais simples e menos custosa e sujeita a menores controles que a dos fundos de investimento, muitos potenciais fundos poderiam estar sendo constituídos como clubes. Segundo Yazbek, atualmente há cerca de 60 reclamações de investidores em clubes em análise na CVM.

A primeira mudança proposta está no número de cotistas. A minuta propõe que os clubes passem a ter no mínimo 3 e no máximo 50 cotistas. Hoje, eles podem ter até 150, com possibilidade de aumento em alguns casos. "A CVM entende que esse limite permite a criação de clubes completamente dissociados das finalidades desses veículos, facilitando a arbitragem regulatória e distanciando os cotistas", diz o edital da audiência pública. Na visão da autarquia, a redução no total de cotistas não traria uma grande transformação no setor, já que 90% dos clubes hoje têm menos de 50 cotistas.

De acordo com a proposta, os clubes já existentes poderiam manter o limite antigo de cotistas, mas não receberiam mais investidores. Para as outras regras, por sua vez, o prazo para os clubes se adaptarem será de 120 dias a partir da aprovação pela CVM.

A minuta sugere ainda a proibição de publicidade de clubes. A propaganda institucional, do tipo "invista em clubes de investimento", seria permitida, mas não a de uma carteira específica. Com essa medida, o órgão regulador quer evitar que essas aplicações sejam vendidas como fundos e que os investidores sejam seduzidos por esquemas irregulares de investimento com promessas de rentabilidades "mágicas", diz Yazbek. Recentemente, a CVM aplicou multas de R$ 1,5 milhão à Agente BR Sociedade Corretora de Câmbio e de R$ 1,5 milhão ao diretor responsável Túlio Vinícius Vertullo, por administração irregular de carteiras, formação irregular de clube de investimentos e uso irregular de assinaturas e carimbos da autarquia.

Outra distorção está em clubes que, apesar de aplicarem majoritariamente em ações, cobram taxa de performance sobre um referencial ligado à renda fixa ou mesmo sobre o retorno que exceder a caderneta de poupança. "Pela nova regra, isso não poderia mais acontecer, deixando os clubes mais parecidos com as regras existentes para os fundos", diz Yazbek.

Também é novidade a obrigatoriedade da realização de pelo menos uma assembleia anual de investidores. A fim de evitar custos para as corretoras, entretanto, a sugestão é de que o encontro de cotistas possa ocorrer de forma eletrônica. "Isso estimula a participação dos investidores, valorizando as discussões", avalia o diretor da CVM.

A minuta propõe também o fim da figura obrigatória do representante dos cotistas. Quem quiser mantê-lo, tudo bem, só não haveria mais a obrigação de haver esse representante, que serve como interlocutor entre a corretora e os investidores. "Hoje os cotistas são mais próximos mesmo das corretoras e muitas vezes há um jogo de empurra-empurra entre essas duas figuras quando existe algum problema", afirma Yazbek. Outra proposta é a obrigatoriedade da criação de um serviço de atendimento ao cotista, que poderá estar ligado à estrutura de ouvidoria da corretora.

A nova regra sugere ainda que a corretora estabeleça limites de alavancagem para os clubes. Além disso, adote procedimentos mínimos de administração de riscos no caso das operações com derivativos. Hoje, os clubes já são autorizados a operar derivativos, como os mercados futuros e de opções, mas somente de índice e de ações. "Essa é uma regra que precisa ser modernizada", diz Yazbek, citando como exemplo um clube que tenha uma forte exposição no papel de uma empresa exportadora e que, portanto, poderia fazer um hedge cambial. "É preciso, no entanto, pensar também nos riscos, por isso a ideia de limitar a alavancagem." Pela minuta, os clubes limitariam a sua alavancagem e exposição em derivativos de modo que, em caso de prejuízo, as perdas não sejam superiores ao patrimônio.

A auditoria das demonstrações financeiras dos clubes continuaria facultativa, mas os clubes que não tenham suas demonstrações auditadas devem dar ciência de tal fato aos cotistas.

Será proibida ainda a gestão do clube por um agente autônomo, mesmo que ele seja cotista. Além disso, em caso de gestão por cotistas, não seria permitido que ele tenha mais de um clube sob a sua responsabilidade e que ele recebera qualquer espécie de remuneração ou benefício. Se houver prejuízos aos cotistas, haverá a "chamada responsabilidade solidária" entre administrador e gestor.

Outra proposta para evitar possíveis conflitos de interesse da corretora e dos investidores é a de que os clubes não poderiam adquirir papéis de emissão do administrador ou do gestor. Estaria vedada também a compra de cotas de fundos administrados ou geridos pela instituição. A administradora terá de enviar à CVM até o 15 dia de cada mês relatório consolidado.

Responsável pelo registro dos clubes e fiscalização, em conjunto com a CVM, a bolsa trabalha num código de autorregulação para o setor. Em comunicado, a BM&FBovespa diz que vê de forma muito positiva a revisão das regras para os clubes. "Trata-se de uma oportunidade de modernização e aperfeiçoamento das regras, visando a atender as necessidades de evolução do mercado", diz. Segundo a nota, a bolsa vai analisar a minuta e contribuir com sugestões. "Como autorreguladora do mercado, a bolsa também está trabalhando em nova regulamentação para os clubes, que será concluída e divulgada após a publicação da nova instrução da CVM."

A minuta ficará em audiência pública para receber sugestões até dia 23 de abril.

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