quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A multiplicação do risco

Valor Econômico
Por Angelo Pavini, de São Paulo
19/11/2008


"Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo", dizia o cientista e matemático grego Arquimedes. No Brasil, os gestores alavancados conseguem fazer isso e muito mais. A alavancagem na gestão de recursos é como veneno, dependendo da dose, pode ser remédio ou matar. A observação de Dorio Ferman, da Opportunity Asset Management, é uma boa forma de olhar para a estratégia de assumir riscos acima dos valores que se tem e que pode, no limite, levar o investidor a perder tudo e ainda ter de colocar mais dinheiro no fundo para cobrir eventuais dívidas. Mas a maneira sábia de usar essa estratégia - ou não usá-la no momento certo - pode trazer lucros imensos.

O problema é que, em momentos como o atual, em que a maioria dos gestores perde, os alavancados sofrem mais e acabam no centro das atenções. Poucos reparam, no entanto, que essa mesma estratégia deu ganhos também enormes no passado, atraindo vários investidores. Mesmo hoje alguns gestores conseguem usar a estratégia a seu favor em meio à crise.


A alavancagem nada mais é que a capacidade de assumir posições grandes com valores pequenos. É o caso, por exemplo, quando o gestor compra ou vende um contrato futuro de dólar, juros ou Ibovespa e se compromete a pagar ou receber a variação de centenas de milhões de reais desse ativo diariamente, dando apenas alguns milhões de reais como garantia. Com isso, a alavancagem amplifica a variação dos ativos em várias vezes.


Em geral, a alavancagem é mais comum em fundos multimercados. Mas, neste ano, o assunto entrou no radar por conta do fundo de ações GWI FIA, que teve fortes perdas com a queda da bolsa, a ponto de a gestora fechar a carteira para resgates e verificar se os investidores queriam seguir a viagem com ele ou trocar o condutor. Até dia 13, o fundo perdia 95,61% no ano. Em 2007, esse mesmo fundo rendeu 90,30%. Os cotistas decidiram manter o gestor e reabrir a carteira para resgates dia 16 de dezembro. Procurada, a GWI não quiser falar sobre suas carteiras.


Mas, antes do GWI, outros casos de fundos alavancados tiveram resultados mais graves, lembra Marcia Dessen, da consultoria Bank-risk. "Tivemos o caso dos fundos do antigo Banco Boavista que, quando o real passou a flutuar, em 1999, perderam mais que o patrimônio". No fim, o banco acabou assumindo a dívida dos cotistas - o que levou, inclusive, o Banco Central a criar uma regra proibindo esse tipo de socorro. "Hoje, o patrimônio do fundo é totalmente separado do do banco e o investidor é responsável pelas perdas."


Apesar de os fundos que correm mais riscos que o patrimônio trazerem no nome a palavra "alavancado", muitos investidores não reparam nisso. E não é obrigatório que um fundo que pode fazer alavancagem esteja sempre alavancado, lembra Luiz Carlos Simão, da Brascan Gestão de Ativos. "Desde que a crise piorou, em junho, paramos de alavancar as carteiras e passamos a aproveitar a volatilidade dos mercados para ganhar". Segundo ele, com a forte oscilação dos mercados, uma pequena aplicação do fundo já pode trazer um grande ganho - ou uma grande perda -, sem a necessidade de alavancagem. A abstinência deu resultado: o Brascan Superior Hedge II e Brascan Superior Diferencial 30, que têm ganhos de 23,45% e 15,38% no ano até dia 13, respectivamente, para um CDI de 10,55% no período.


Outra gestora com histórico de trabalhar alavancada é a Sparta, especializada em commodities, diz o sócio Ulisses Nehmi. "Trabalhamos em 14 mercados diferentes, com 10% do patrimônio em um, 20% em outro, e acabamos ficando com posições acima do nosso patrimônio." O fundo chegou a ficar com até 100% do patrimônio alavancado em um único mercado. "Mas agora estamos trabalhando com uma alavancagem reduzida, para procurar resultados aproveitando a oscilação maior", diz.


Nehmi lembra que o impacto da alavancagem varia de acordo com o mercado. "Em euros, por exemplo, a oscilação é de 1%, 2% e dá para alavancar mais, mas na bolsa, oscilando quase 10% em um só dia, ter 100% de alavancagem do patrimônio é criminoso", diz. Ele admite que os fundos da Sparta têm oscilação alta, em torno de 50% ao ano. "Mesmo reduzindo a alavancagem, continuamos oscilando bastante por conta da volatilidade do mercado." As carteiras da Sparta perderam um pouco com o recuo das commodities na crise, mas ganharam protegendo a carteira de ações. A carteira Sparta Cíclico acumula no ano 145,44%.


Outro fundo agressivo é o Fator Hedge Absoluto. Apesar de poder alavancar em qualquer mercado, o gestor controla o risco com um limite de oscilação, o Value at Risk, ou VaR. "O fundo pode perder no máximo 5% em um dia, se passar disso, reduz as posições", explica Roseli Machado, da Fator Administração de Recursos. Dessa forma, se o mercado está muito instável, o controle de risco automaticamente reduz ou até zera a alavancagem.


Entre os multimercados alavancados, merece destaque a família Midi, do Opportunity. Os fundos Midi e Midi 90 são, de longe, os de maior risco da categoria, com possibilidade de variar mais de 100% para cima ou para baixo em relação à média histórica, segundo dados do site Fortuna. Mas, ainda assim, eles não correm risco de perder mais do que possuem, diz Dorio Ferman. Os fundos têm 70% da carteira em ações e usam os 30% restantes para operar com derivativos em câmbio, juros e opções. "Mas nós só arriscamos a parcela que sobra das ações", diz Ferman. Isso significa que, no pior cenário, o fundo perderia 30%. "E sobraria ainda a parcela em ações, que sempre vale alguma coisa."


A maioria dos multimercados diz que pode usar alavancagem, mas normalmente o gestor usa só uma parcela do limite que possui. Há ainda a possibilidade de um gestor que não usa alavancagem resolver usar. "No caso de uma mudança do gestor, o histórico do fundo pode não valer mais nada", diz Marcia, da Bankrisk.


Como o cotista pode saber antes de entrar? Ele deve ler o prospecto e o regulamento com muita atenção, par ver se usa alavancagem ou não, e em que mercados, se tem política de "stop loss" (limite de perda) e testes de estresse. "É preciso ver isso porque o risco está sempre de plantão", diz Marcia.

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