quinta-feira, 20 de março de 2008

Conta de bar e Teoria dos Jogos

Valor Econômico
Por Carlos Eduardo Soares Gonçalves
20/03/2008



Caballero

Nos tempos de faculdade, as idas aos bares e restaurantes com grupos de amigos eram eventos de grande descontração, nos quais, entre outros assuntos, sonhávamos com o sucesso profissional que teríamos após acabar os estudos. O futuro parecia promissor: dinheiro não seria mais o problema, imaginávamos, e contar chopes não seria mais humilhantemente necessário. Mas, não raro, ameaçando o entusiasmo e o clima relaxado, se encontrava o espectro de uma gorda conta final a ser repartida entre todos no fim da noite.


Muitas décadas antes dessas incursões noturnas, matemáticos como John Von Neumann e o célebre John Nash, em vez de freqüentar bares com seus colegas de universidade, estavam mais ocupados desenvolvendo uma nova área da economia denominada Teoria dos Jogos. Um dos conceitos importantes dessa vertente da economia moderna é a noção de estratégia dominante. Ela nos ajuda a explicar o inchaço da conta do bar quando é dividida entre todos na mesma proporção, além das ameaças aos recursos naturais e a crise financeira na Argentina em 2001.


Na Teoria dos Jogos, é usual postular que, quando os ganhos e perdas dos indivíduos, em qualquer situação em que haja interação com outras pessoas, dependem tanto das suas ações como das ações daquelas, cada um tomará o curso de ação que lhe gerar maiores ganhos líquidos (no sentido amplo, e não necessariamente financeiro, da palavra) baseando-se na hipótese de que todos os outros assim também procederão. Parece simples, mas a idéia de levar em conta ação alheia na hora de escolher a sua ainda não tinha fincado pé na teoria econômica de modo sistemático.


Simplificando, no bar com os colegas há dois cursos de ação: cada um pode escolher o prato mais barato e pedir água como acompanhamento, ou pede comida cara e bebe cerveja importada. Quando um indivíduo decide pela primeira opção, ele economiza para todos, que pagarão uma conta menor no fim da noite. Mas o problema é que, assim fazendo, ele pagará por essa economia sozinho caso os outros optem pela segunda opção, a mais cara. Percebendo que ficará com os custos, mas muito provavelmente não se apropriará dos benefícios de tal decisão, ele termina optando pelo menu mais "salgado".


Pedir o menu mais caro é a estratégia dominante na mesa do bar, pois, dadas as expectativas de cada um sobre o que os outros vão fazer, pedir o menu mais simples diminui apenas marginalmente o tamanho da conta. Como ela será dividida em parcelas iguais para todos, a economia que volta a quem pede água é apenas uma fração de quanto seu menu é mais barato que os dos outros. Se minha expectativa é de que outros vão pedir o prato mais caro, pedir o mais barato ajuda muito pouco a diminuir quanto desembolsarei no fim da noite. E, se minhas expectativas são de que os outros escolherão o prato mais barato, posso tranqüilamente escolher o mais caro, pois o fardo financeiro de tal decisão será dividido com meus pares. Assim, a melhor escolha para mim é sempre pedir o mais caro. Todos raciocinando de modo similar, o resultado é uma conta assustadoramente elevada.


A divulgação de que o desmatamento na Amazônia voltou a crescer recentemente provocou grande bafafá na mídia, protestos dos ambientalistas e desmentidos de algumas áreas do governo. Freqüentemente, recursos naturais são explorados de modo predatório pela mesma razão que produz a conta elevada no bar. Fala-se que quem explora uma floresta ou outro recurso natural qualquer não se preocupa em preservá-lo para uso futuro. Condena-se a ambição dos exploradores, que supostamente leva ao fim da floresta. Mas essa é uma caracterização imprecisa do problema. Ambição não é algo inerente apenas a quem corta madeira na floresta pública.


A exploração excessiva das florestas é mais um exemplo de estratégia dominante. O explorador abusa da derrubada de árvores porque não tem incentivo nenhum para "poupar" a floresta para o futuro. De novo, ele escolhe seu curso de ação com base no que espera que os outros exploradores farão. Cortar menos árvores tem a vantagem de preservar a floresta para exploração futura, mas se eu economizo e os outros não o fazem, a floresta se deprecia do mesmo modo e nada ganho com minha escolha. Se o explorador espera que os outros não economizarão árvores na derrubada, a melhor coisa é derrubar o máximo possível, pois amanhã não haverá mais floresta. Se a expectativa é de que os outros cortarão poucas árvores, ele tampouco terá incentivos para imitá-los, visto que, se os outros preferem a preservação, seu corte excessivo de árvores não trará por si só o fim acelerado da floresta.


A única estratégia dominante nesse jogo interativo, no qual a floresta é de todos e, portanto, de ninguém, é explorar em demasia a floresta. A bem da verdade, o problema é ainda mais grave, pois a decisão individual de derrubar árvores e promover queimadas afeta outras pessoas via maior poluição do ar e erosão do solo. Esse tipo de "externalidade negativa" - como gostam de dizer os economistas - é tema para crônica futura.


No começo deste século, nossos "hermanos" da Argentina passaram por grave crise econômica. Entre outros fatores, a imprudência fiscal das províncias estava na raiz dos problemas macroeconômicos daquele país. Por que as províncias gastavam demais? A explicação é similar à apresentada nos dois casos anteriores.


As províncias gastavam e recorriam ao governo federal para cobrir seus rombos. Uma atitude mais austera por parte de uma dada província geraria uma economia para o governo federal. Mas o "sacrifício" em termos de menos gastos seria então apropriado pelas outras províncias gastadoras que não procedessem assim. Mais ainda, a economia individual de uma província não salvaria o governo central da crise financeira - que é ruim para todas. E, se as outras fossem austeras, gastar mais à custa do governo federal não aumentaria muito a probabilidade de catapultar uma crise, graças à economia feita por aquelas.


Diga-se que sempre há os que eticamente não pedem os pratos mais caros, são prudentes no corte de madeira movidos pelo respeito à natureza e não têm a desfaçatez de passar seus pepinos para outras instâncias de governo. Infelizmente, algumas andorinhas não fazem verão.


Como, então, evitar contas desnecessariamente altas nos bares, o desmatamento excessivo e as crises econômicas causadas por gastança desmedida de unidades de governo subnacionais? Resposta: fazendo que as ações de cada um não afetem os custos e benefícios dos outros, mas apenas os próprios. Cartões individuais nos bares e restaurantes, direitos de propriedade bem definidos nas terras ocupadas e dar às unidades federativas não somente o direito de gastar, mas também o fardo de tributar, são as soluções.


Já sabe o leitor por que as pessoas tomam banhos mais demorados em prédios do que em casas? Na próxima reunião de condomínio leve a solução econômica desse problema a seu síndico.


Carlos Eduardo Soares Gonçalves é doutor em economia, professor no departamento de economia da FEA-USP e autor, com Bernardo Guimarães, do livro "Economia sem Truques".

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