quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O perigo de se incentivar o consumo sem educação financeira

Valor Econômico

14/01/2010

A sociedade brasileira conseguiu superar a crise financeira internacional de forma mais amena do que a maioria dos países desenvolvidos. Um dos vetores que possibilitaram essa trajetória foi a manutenção do crescimento do consumo das famílias, com destaque para a classe C, a chamada nova classe média brasileira.

O governo federal reduziu alíquotas de impostos sobre bens industrializados para incentivar o consumo e utilizou todo o arsenal disponível pelo Banco Central, incluindo a participação dos bancos públicos, que mantiveram os empréstimos nos momentos mais tensos da crise. O resultado foi um fim de ano de elevado padrão de consumo em quase todos os segmentos de negócios.

O ano de 2010 inicia-se com boas perspectivas e muito otimismo na economia. Existe uma nova realidade de consumo por parte das famílias brasileiras. Diga-se: um justo desejo de adquirir e usufruir bens e serviços.

É preciso, porém, avaliar que essa nova realidade impõe algumas responsabilidades relacionadas à educação dos consumidores, a fim de evitar que o prazer e a alegria de realizar desejos e sonhos de consumo transformem-se na perda do crédito, do emprego e na desestruturação do relacionamento familiar.

Está imposto, portanto, um desafio à comunidade de finanças, que pode ser visto como uma oportunidade para todos os profissionais que se relacionam com o mundo financeiro, sejam economistas, administradores financeiros, professores, jornalistas ou psicólogos.

A iniciativa do governo federal de trabalhar os conceitos de economia e finanças para alunos do ensino Fundamental e Médio, embora louvável, parece insuficiente, pois um dos elos mais importantes no processo de ensino, o professor de economia e finanças não foi, até o momento, incluído formalmente no processo.

Isso porque não é só a questão do conhecimento específico que está em jogo nesse processo, mas também a experiência de sala de aula, bem como as dificuldades de trabalhar conceitos que vão além de simples dicas do tipo gaste menos do que recebe e anote todos os seus gastos em uma planilha.

Incentivar uma sociedade ao consumo sem alertá-la sobre os riscos do desequilíbrio no orçamento gerado pela tomada excessiva de crédito é bastante perigoso. O consumidor não pode se esquecer de seu papel de contribuinte e cidadão, responsável por suas atitudes de consumo e pelas consequências, individuais ou coletivas, de todas as suas escolhas.

Promover a educação financeira entre jovens estudantes é uma tarefa que exige a utilização simultânea e coordenada de diversas disciplinas. Desde o português, que promove a capacidade de interpretação de textos, fundamental para tomadas de decisões financeiras, até a matemática, que permite a interpretação de conceitos importantes, como taxa de juros e sistemas de amortização de empréstimos.

Há também a geografia e a história, que são instrumentos relevantes para uma avaliação acurada de variáveis que têm influência sobre as decisões econômicas de países, empresas e consumidores.

Note o leitor que está posta uma rara oportunidade para integração entre as disciplinas escolares, possibilitando maior motivação por parte dos alunos. Neste momento, portanto, ouvir a comunidade acadêmica faz-se necessário, pois sem a participação dela não é possível superar o desafio de promover a educação financeira da sociedade brasileira.

Aprender o significado e as diferenças entre poupar e investir e, especialmente, quais são os riscos dessas alternativas pode significar a diferença entre uma sociedade bem sucedida e uma sociedade fadada ao fracasso. O cidadão brasileiro tem se mostrado extremamente empreendedor, mas precisa aprender a calcular de forma adequada os riscos e os retornos desejados para seu esforço.

Acreditar que educação financeira é simplesmente ensinar aos jovens a maneira adequada de gastar seu dinheiro é ignorar a necessidade e o desafio de se gerar poupança voluntária de longo prazo.

É preciso entender as consequências positivas que o ensino de finanças exerce sobre o cidadão e a sociedade, discutir assuntos como empreender, poupar, investir e consumir de forma abrangente, equilibrada e correta. Para alcançar esse objetivo, o jovem estudante é o público ideal, porque será um amplificador desses conceitos na esfera familiar.

Em complemento, o atual momento da economia é mais do que oportuno. Desde meados da década de 90, o Plano Real e a estabilidade da moeda permitem a reflexão sobre o futuro, a importância da previdência e dos seguros. Resta ao país saber aproveitar a oportunidade.

Ricardo Humberto Rocha, é professor de finanças do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa

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