quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Loucas por derivativos

Valor Econômico
Por Adriana Cotias, de São Paulo
19/12/2007



Aos 64 anos, a empresária Therezinha Ramos opera com desenvoltura os contratos de boi gordo a fim de garantir preços para o pequeno rebanho que mantém numa fazenda em Minas Gerais. A advogada Andréa Souza Santos, de 29 anos, encontrou recentemente uma segunda ocupação, a de corretora de imóveis, com a intenção única de incrementar as aplicações em opções de Vale e Petrobras e em mínis de Ibovespa. Quer ser investidora profissional e integrar a lista de milionários brasileiros num prazo de 8 a 10 anos. Já a gerente comercial Alexandra Euzébio, de 32 anos, faz compra e venda diária de Ibovespa futuro para amplificar os ganhos mensais da sua carteira de ações. No começo do ano, ela quebrou a cara no mercado de opções, mas encarou o prejuízo como um "investimento em educação".


Essas investidoras mostram uma face diferente da popularização dos mercados de futuros no Brasil. Num ambiente árido, ainda dominado pelo público masculino, elas têm avançado progressivamente e vêm imprimindo um estilo todo particular de operar. "As mulheres são imediatistas, cobram mais por resultados e têm uma certa tendência a querer controlar, já vêm com uma opinião formada, não é fácil direcioná-las", diz o assessor de clientes da corretora Terra Futuros Paulo De Mingo, que, recentemente, fez uma apresentação sobre derivativos no Clube Paulistano, em São Paulo, para uma platéia de 51 pessoas - 48 mulheres. "Mas quando perdem dinheiro, elas são as primeiras a dar a volta por cima, querem recuperar, enquanto os homens levam mais tempo se lamentando."


A gerente comercial Alexandra sabe bem o que é ver o dinheiro escoar pelo ralo na alavancagem com derivativos. Em fevereiro, ela adquiriu opções de compra (direito de adquirir o ativo a um determinado preço numa data futura) de Petrobras, que simplesmente viraram pó quando a bolsa chinesa despencou e a crise das hipotecas americanas de alto risco dava os seus primeiros soluços. Da má experiência, que resultou num rombo de R$ 6 mil, Alexandra diz ter aprendido duas lições: "Aprendi a escutar e agir conforme a orientação do analista e jamais ter apego ao papel, calculando e seguindo à risca o percentual que posso aceitar perder, caso contrário, o prejuízo é de 100%", diz.


Desde então, Alexandra deixou as opções de lado e passou a operar os mínis contratos de Ibovespa na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Não se trata, porém, de uma estratégia para proteger a carteira à vista, formada por papéis como Banco do Brasil, Gerdau Metalúrgica, BM&F e Vale. O que a investidora quer, comprando e vendendo índice futuro diariamente, é um tostão a mais no fim do mês. E pensar que, há dois anos, todo seu dinheiro estava num fundo de renda fixa. Hoje, está tudo em ações e derivativos.


Diversificação também não é o forte da advogada Andréa, que começou a aplicar em ações há dois anos, descobriu as opções há pouco mais de um e, em maio, passou a operar os mínis de Ibovespa no "day trade". Com pouco capital para investir, ela aplica em opções de Vale e Petrobras apenas três vezes por ano, nos meses em que os gráficos indicam haver, historicamente, tendência de alta para os papéis. "Descobrindo a série mais líquida, que subirá primeiro, é possível ganhar 1.000% em cada opção", diz. Em novembro, particularmente, as suas opções de Petrobras ganharam o empurrão da descoberta do Campo de Tupi pela estatal, inflando a conta para 2.500%.


Empolgada com essas cifras, Andréa virou recentemente corretora de imóveis. "Tudo que eu ganho na rua eu ponho na bolsa." Sua ambição é viver do mercado. Para tanto, ela já descobriu que não poderá descuidar da tela do pregão da BM&F. "Uma vez sai para almoçar e o Ibovespa oscilou mais de mil pontos, agora não corro mais esse risco e, quando estou operando, como na frente do computador."


De 2004 para cá, o Brasil viveu uma primeira onda de popularização do mercado de ações e agora é a vez dos derivativos, aposta o diretor da Terra Futuros, Ricardo Brasil. "Nos Estados Unidos, os futuros são mais negociados pelas pessoas físicas do que as próprias ações", diz. O que se observa é que esses instrumentos estão virando opção de diversificação para o pequeno aplicador também por aqui, completa.


Após a proliferação das ofertas públicas iniciais (IPO em inglês) de ações, é que natural que o investidor veja nos mínis contratos negociados na BM&F uma alternativa ao mercado à vista, diz o diretor da Interfloat Ricardo Lombardi de Barros. "É só ver a evolução do número de pessoas físicas na CBLC (eram 328 mil em novembro)", diz. "É razoável supor que uma boa porcentagem desse público comece a operar os derivativos, com o objetivo de obter um adicional de rentabilidade ou para proteger algum ativo."


É justamente para garantir um valor médio de venda para o gado que cria em Minas que a empresária Therezinha começou a negociar contratos de boi gordo na BM&F. Como tem por hábito se desfazer de algumas cabeças em outubro - época de seca, em que os preços geralmente sobem -, ela busca compensar nos derivativos aquilo que eventualmente perderia no mercado físico se essa tendência não se confirmar. "Se tenho um contrato a R$ 75,00 e o preço cai para R$ 70,00, fecho a posição antes do vencimento e ganho R$ 5,00 por arroba na BM&F", diz.


Therezinha já sentiu na pele, entretanto, o dissabor de ser uma pequena investidora no meio dos grandes. "O mercado de boi é regido pelos frigoríficos, não dá para apostar contra eles", diz. Por isso, independentemente de ter ou não o rebanho, ela opera comprando e vendendo contratos para tentar acertar a mão. "Se acho caro e resolvo vender, mas eles estão comprando, é perda na certa." Pior ainda quando a briga é entre bancos de um lado e os frigoríficos de outro, acrescenta. "Não dá para bobear, não tiro o olho da tela, sob o risco de sobrar um grande prejuízo para o dia seguinte."


Lidar com riscos, aliás, é o forte da empresária, que tem como atividade principal a fabricação de câmeras de segurança que transmitem imagens a longas distâncias. Por considerar o mercado de derivativos muito especulativo, ela empenha apenas uma pequena parte do patrimônio nesse tipo de negociação. "É preciso saber quanto você agüenta perder", ensina. "Da mesma forma que se ganha num dia e vem a animação, no outro a história pode ser diferente."

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