sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mercado do ti-ti-ti

Valor Econômico

29/01/2010

Por Angelo Pavini, de São Paulo

Enquanto o Índice Bovespa cai mais de 5% no ano, um grupo de papéis dispara, com ganhos que chegam a superar 200%. O volume de negócios também explode, saltando de poucos milhares de reais para milhões por dia. É o mercado do "ouvi dizer", do "ti-ti-ti", da "dica quentíssima", que ainda fascina muitos investidores novatos, movidos pelo sonho de ficar ricos na bolsa da noite para o dia e que pegam carona nesses boatos. E, normalmente, quebram a cara.

A lista inclui papéis conhecidos, como Parmalat, Gradiente, Cobrasma e Telebrás, além de outros bem menos famosos, como a Refinaria de Petróleo Manguinhos ou Kepler Weber. Em comum, todas estavam praticamente esquecidas até pouco tempo atrás, têm cotações muito baixas, em centavos de reais, nenhuma cobertura de analistas de corretoras, baixa liquidez e, o mais importante, algum fator que pode mudar radicalmente sua situação, em geral de estagnação ou dificuldades. É o zumbi que, de uma hora para outra, pode se transformar na fênix e renascer das cinzas. Outro ponto em comum é que elas reúnem uma legião de investidores interessados em especular.

Estudo feito pela Economática detectou mais de 20 ações que subiam 50% ou mais no ano. Há casos em que o volume disparou, aumentando até 121.000%, de R$ 6 mil por dia em 2009 para R$ 7,292 milhões por dia neste ano. A Laep, controladora da Parmalat, chegou a ficar entre as três ações mais negociada em um dos pregões, dividindo os holofotes com as estrelas Petrobras e Vale, movimentando R$ 400 milhões, quase o dobro de seu valor de mercado na época.

Em alguns casos, os boatos se confirmam parcialmente. Laep e sua controlada Parmalat não foram vendidas para um grande grupo frigorífico, mas anunciaram ontem que conseguiram transformar parte da dívida em capital (ver página D2). Gradiente não recebeu uma injeção milionária de fundos de pensão, mas divulgou um princípio de acordo com credores nesta semana. Com Telebrás, o governo se encarrega de alimentar o vaivém, ora confirmando, ora negando a ressurreição da companhia telefônica.

Quando detecta esses movimentos estranhos, a bolsa e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) questionam a empresa, mas a resposta, normalmente, é que os executivos desconhecem os motivos da alta. Se depois surgem motivos reais, há a possibilidade de investigações sobre uso de informações privilegiadas. "Mas os valores são tão pequenos que acabam no fim da fila das prioridades de investigação, o que atrasa e dificulta uma punição", diz um executivo de mercado que pediu para não ser citado.

Os investidores buscam essas empresas menos líquidas na esperança de achar algum valor esquecido, alguma "galinha morta", diz Lika Takahashi, chefe de análise da Fator Corretora, casa especializada em papéis de segunda linha, mas que não acompanha as ações da lista. "Talvez até ache algo bom, mas talvez não sejam histórias de tanta qualidade", avalia. Para ela, esse é um sintoma também de um mercado que estava muito esticado, o que leva os investidores a procurarem alternativas. "Mas geralmente essas empresas não têm análise nenhuma e é difícil saber se é coisa boa ou não", diz. A maior parte delas é movida por eventos, lembra Lika, e há sempre o risco do "timing", ou seja, a solução pode demorar muito mais tempo do que se esperava e o investidor acaba "casando", com o papel.

Alguns grupos de mercado precisam propagar notícias para dar liquidez a alguns papéis, observa Maílson Rykavei, sócio da consultoria de investimentos FinPlan. Para atrair essa liquidez, usam empresas que estão sujeitas a um possível evento, como foi o caso de Parmalat e Laep. Em alguns casos, a empresa mais engenhosa até se aproveita disso, para divulgar alguma informação positiva. "São fatos ou factoides que têm a possibilidade de acontecer", observa. Como a parcela do capital dessas empresas que está no mercado, o chamado "free float", é pequena, pouca coisa já provoca fortes altas, sem afetar a estrutura de capital da companhia. "Mas o que o investidor precisa conhecer é o pano de fundo daquela empresa e quanto aquela informação que circula pode se concretizar", diz.

No mais, trata-se de de um processo típico de especulação, em que a empresa tanto pode dar a volta por cima quanto falir, afirma o consultor. Ele conta o caso de um cliente que resolveu investir em uma dessas empresas. Antes, foi visitá-la, conheceu os administradores, os projetos e então resolveu aplicar 1% das economias nas ações da companhia. "As ações saíram de R$ 0,17 centavos para R$ 0,25 apenas com as compras dele, em duas semanas", afirma.

Esse é outro risco do investidor: começar a comprar e o preço disparar. "E a corretora continua comprando, mesmo depois de o papel subir 40%", alerta. "Os casos de fracasso costumam ser maiores que os de sucesso, a questão é que ninguém conta quando perde, só quando ganha", diz Rogério Bastos, também da FinPlan.

O movimento dos chamados "micos" de mercado é sazonal, costuma ocorrer no início do ano, diz Ricardo Pinto Nogueira, ex-superintendente da Bovespa e hoje diretor da corretora Souza Barros. "É época de férias, todo mundo querendo saber o que vai subir", conta ele.

Em geral, o boato tem origem em sites de bate-papo ou fóruns de debate especializados, ou ainda em corretoras, quando um papel começa a se mexer demais e é preciso encontrar uma explicação. E todos têm uma certa lógica: é o trem-bala que vai usar vagões da Cobrasma ou uma empresa estrangeira que vai comprar fios da Kepler Weber. A boataria é tanta que só o bilionário Eike Batista já teria comprado pelo menos três empresas neste ano. Quando a companhia é questionada pela bolsa e vem o desmentido, a especulação muda de endereço. "Mas até isso acontecer, a especulação pode durar semanas", diz.

Em alguns casos, os boatos são plantados propositadamente, por espertalhões que querem aumentar o valor de suas carteiras, alerta Nogueira. E é difícil detectar o culpado, pois em geral quem espalha a notícia é um conhecido ou "laranja". Em outros casos, pode haver algum fundamento na informação.

Ele chama a atenção para o fato de que, como os papéis são muito baratos, chamados "papel de pó", qualquer centavo de alta já representa um ganho expressivo para o especulador. "Uma ação que custa R$ 0,50 e que sobe para R$ 0,51 já representa um ganho de 2%, o que está bom em um mercado onde o juro anual é de 8,75%", lembra. E, com as corretoras reduzindo as taxas de corretagem, fica mais barato especular com esses papéis, comprando e vendendo no mesmo dia, no chamado "day-trade". O que o investidor esquece é que, se o papel cai alguns centavos, aí o prejuízo também é elevado.

Nogueira lembra que, há dois anos, os protagonistas desse mercado do ti-ti-ti eram outros, como Grazziotin, Recrusul e Gazola. Mas até Souza Cruz já foi vítima. Segundo ele, a bolsa tem poucos recursos para impedir esses movimentos. "O que pode ser feito é colocar esses papéis em leilão, pois as negociações param por uma hora e isso reduz a especulação", diz.

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