segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Arigatô, Brasil

Revista Exame

26/12/2009


Acostumados com aplicações de baixíssimo retorno, investidores japoneses começam a descobrir as oportunidades do mercado brasileiro -- e isso é uma ótima notícia para as empresas e o governo.

Guilherme Fogaça

Masahiro Morita, o japonês de 31 anos que aparece na foto acima, está feliz da vida por ter descoberto as oportunidades de investimentos disponíveis no Brasil. Funcionário da área de marketing da gestora de recursos Mitsubishi UFJ, em Tóquio, Morita foi um dos primeiros a aplicar no fundo de renda fixa que o Bradesco lançou no Japão, há cerca de um ano. Hoje ele é um dos 9 000 cotistas impressionados com a rentabilidade alcançada. Em 2009, o Bradesco Brazil Saiken Fund deu um retorno de 45% em iene. Se aplicasse num fundo de renda fixa japonês, Morita teria de esperar mais de 370 anos -- é isso mesmo, 370 anos -- para acumular um retorno dessa magnitude. Em razão da perspectiva de crescimento econômico, a opção Brasil é cada vez mais atraente aos olhos dos japoneses. O fato de o país ter a nota "grau de investimento" das principais agências de risco acalmou parte dos investidores. Com taxas de retorno de dois dígitos, o Brasil parece um eldorado para aplicadores como Morita.

É verdade que a Selic caiu no decorrer de 2009, mas o juro brasileiro -- em 8,75% -- é gigantesco para os padrões japoneses. A taxa básica de juro da economia japonesa, que se arrasta há quase duas décadas, é de 0,1% ao ano. Na bolsa de Tóquio, a situação também não tem sido muito alentadora. O Nikkei 225, principal índice do mercado de capital japonês, está no mesmo patamar de 1984. Para completar a lista de vantagens atribuídas ao Brasil, há a questão do câmbio. O real, quem diria, é uma das moedas que mais se valorizaram no mundo neste ano. Em relação ao iene, a alta foi superior a 30% desde janeiro -- o que ajuda a explicar o rendimento de 45% do fundo do Bradesco. "Tenho dinheiro em fundos que investem em outros países emergentes, mas são aplicações em dólar. O único país em que invisto na moeda local é o Brasil", diz Morita

O aumento do interesse dos japoneses pelo Brasil fica evidente quando se acompanha a cobertura dos grandes jornais de Tóquio. "A demanda por informações realmente cresceu e, durante a crise, fui muito questionado sobre a situação do país", diz Makoto Danjo, correspondente para América Latina e Caribe do Nihon Keizai Shimbun, um dos principais jornais japoneses, com tiragem diária de 3 milhões de exemplares. "A economia brasileira não se destaca mais apenas pela produção de commodities", diz Danjo, que fica baseado em São Paulo e recentemente produziu um especial de cinco páginas sobre o Brasil. O desembarque dos fundos no Japão a partir de 2007 chamou a atenção pela maneira como aconteceu. De forma geral, não foram os bancos brasileiros que perceberam uma oportunidade do outro lado do mundo. Foram os investidores japoneses que começaram a se interessar pelo mercado, entraram em contato com suas corretoras locais, que, por sua vez, procuraram bancos com operações no Brasil, como Credit Suisse e HSBC. É como se os fundos tivessem sido comprados pelos japoneses -- e não vendidos pelos brasileiros.

Mesmo com a predisposição favorável ao Brasil, os gestores sabem que precisam respeitar certos ritos para garantir que a intenção se transforme em investimento efetivo. O diretor responsável pelos clientes globais do Itaú Unibanco, Roberto Nishikawa, sempre reserva um dia para jogar golfe com os representantes das corretoras locais quando vai ao Japão. Na maioria das vezes, não trocam uma palavra sobre investimentos. "Não é a hora. Os japoneses querem avaliar minha personalidade nos pequenos atos, como a minha reação ao dar uma tacada errada. Eles consideram fundamental fazer esses encontros pessoais para construir uma relação de confiança", diz Nishikawa. O Itaú Unibanco lançou em novembro o fundo de ações Rio Wind e captou 1,2 bilhão de dólares em apenas 20 dias -- um recorde entre os fundos brasileiros na Ásia.

De acordo com os executivos que viajam periodicamente ao Japão, parte dos investidores que buscam mais informações sobre o Brasil fica surpresa com o que descobre. Um dos fenômenos que mais chamam a atenção é o crescimento do consumo interno. Outro fator que causa boa impressão é a existência de empresas de alta tecnologia -- nesse quesito, o destaque é a Embraer. "O Brasil deu um salto", diz Kenji Yamamoto, executivo responsável pela comercialização e pelo marketing dos fundos brasileiros do HSBC no Japão. Yamamoto morou no Brasil na década de 80 e ficou maravilhado quando visitou São Paulo em 2008. "Quando pisei na avenida Faria Lima parecia que estava em outro país. Vários carros são mais novos do que os que rodam no Japão e há restaurantes com preços de Nova York que estão sempre lotados", diz Yamamoto.

Algumas gestoras já estão sofisticando as opções de investimento. Na categoria dos fundos de renda variável, a quase totalidade deles é composta pelos de ações que seguem um índice, como o Ibovespa, e os que podem aplicar em qualquer papel listado na bolsa brasileira. Como a demanda é forte, o BNY Mellon Arx, gestora de recursos do grupo americano BNY Mellon no Brasil, pretende abrir o leque. Está previsto para janeiro o lançamento de um fundo de ações setorial voltado para as áreas de infraestrutura e consumo. "Existe a expectativa de que esses setores sejam dois importantes vetores de crescimento da economia brasileira nos próximos anos", diz Alexander Gorra, diretor da plataforma internacional do BNY Mellon Arx. Há dois anos, a participação dos japoneses no patrimônio da gestora era zero. Agora, estima-se que ela chegue a 30% até o final de 2012.

Um território ainda a desbravar no mercado japonês são os fundos de pensão e outros grandes investidores. Embora reconheçam o bom momento vivido pelo país, parte deles exige um histórico positivo dos investimentos de, no mínimo, cinco anos antes de qualquer aporte. Já os investidores comuns são menos criteriosos e, no total, contam com uma poupança de cerca de 16 trilhões de dólares. É claro que apenas uma pequena parcela desse montante realmente aterrissará em solo brasileiro -- mas o que vier será muito bem-vindo. Embora os aplicadores estrangeiros pressionem o câmbio, o dinheiro que trazem ajuda a capitalizar as empresas, inclusive as do estratégico setor de infraestrutura. Além disso, o capital internacional poderá ter um efeito positivo na gestão da dívida pública. "À medida que a demanda dos estrangeiros aumentar, o governo poderá pensar em lançar papéis com prazos maiores", diz Cristiano Souza, economista do Santander, outro banco presente no Japão. Se depender de investidores como Morita, a demanda não vai cair. "Por mais que procure, sei que é quase impossível encontrar outro lugar para investir que tenha essas taxas de retorno. Vou continuar com esse dinheiro aplicado por mais 40 anos", diz ele. O Brasil está igualmente satisfeito.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page