quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Os fundos de pensão e a redução da Selic

Autor(es): Guilherme Lacerda
Valor Econômico - 09/09/2009


Com a Selic a 8,75% ao ano, será necessário reorganizar os portfólios dos investidores institucionais

A sociedade brasileira e as instituições têm mostrado maturidade e flexibilidade para se adaptar às novas realidades econômicas. Atravessamos um período hiperinflacionário para aterrissar no ambiente atual de estabilidade da moeda e crescimento econômico. Muitos ajustes foram feitos, mas o legado inflacionário ainda não foi totalmente desmontado. Prova disso é a discussão em torno da caderneta de poupança, instrumento histórico criado para proteger os saldos líquidos de economias das famílias corroídos pela inflação. Afinal, em que lugar do mundo se corrige com 6% de juros reais um capital sem correr riscos e sem pagar imposto?

As políticas econômicas pós-ditadura acentuaram o vício da sociedade brasileira em juros. Durante muito tempo, generosas remunerações oriundas da sistemática perversa de rolagem da dívida serviram a uma classe financista que enriqueceu sem correr riscos, indo totalmente na contramão de uma atitude empreendedora, schumpeteriana. Esse processo criou uma dependência nefasta, disseminando o hábito de esperar um alto retorno através de um capital não produtivo. Os fundos de pensão também se beneficiaram nesse período e engordaram seus patrimônios - embora alguns tenham estacionado seus capitais em tempos de juros altíssimos! Mas isso é uma outra história.

Agora os tempos são outros. Com a Selic a 8,75% ao ano, será necessário reorganizar os portfólios dos investidores institucionais, orientando-os para outras paragens que vão além do "bê-a-bá" ortodoxo da renda fixa concentrado em papéis da dívida pública. Ou seja, os investidores institucionais deixarão de financiar o passivo nacional para financiar investimentos produtivos, buscando bons projetos com taxas de retorno satisfatórias e riscos sob medida.

Nesses termos, os fundos de pensão não serão empecilho para a Selic permanecer nesse patamar ou ter mais cortes. Explico: o ambiente econômico do Brasil e o avanço do mercado de capitais continuam favoráveis para que os gestores dos fundos de pensão superem suas metas atuariais, a exemplo do que vinha ocorrendo antes de 2008 e tal como ocorreu neste primeiro semestre. A bolsa brasileira continua com boas perspectivas, com desempenho superior aos dos demais países emergentes e do centro. E há um número grande de empresas médias que vão ganhando corpo e passam a ser opção para também serem listadas. Ademais, há setores do mercado de capitais que se consolidam e apresentam boas possibilidades de retorno, como a indústria de Private Equity e Venture Capital e os instrumentos de dívida para o crédito privado. Por último, não se pode subestimar o potencial de capitalização e ganhos do mercado imobiliário nacional, para não dizer de uma alternativa importantíssima que é aquela formada pelos diversos bons projetos em infraestrutura, os quais, até que enfim, estão saindo do papel e poderão ter os fundos de pensão como participantes.

Os títulos públicos federais também continuam atrativos. As NTNB"s que casam com o passivo dos fundos de pensão remuneram, a médio e longo prazo, algo em torno de 6,35% a 6,45% mais o IPCA. E, portanto, ainda retornam mais que as metas atuariais.

Nos países de mercados mais maduros, a taxa de desconto atuarial que precifica os passivos dos fundos de pensão varia entre 3% a 4% e geralmente é superior ao retorno advindo do ativo livre de risco. Ou seja, não é "nada do outro mundo" os gestores procurarem outros investimentos mais arriscados para garantir cumprir seus compromissos atuariais. Um desafio a vencer aqui no Brasil é dado pelo fato de que, até então, a maioria dos investidores institucionais previdenciários haviam transferido suas gestões próprias de ativos para bancos e estes têm mantido até agora uma postura resistente de adaptação aos novos tempos. Somente agora, em 2009, surge com mais força ofertas de fundos de crédito privado, intermediados por gestores exclusivos ou bancos.

Em verdade, aqueles administradores mais prudentes de entidades previdenciárias já vêm há alguns anos montando carteiras mais adequadas para conviver com essa nova e saudável realidade de juros. Nesse sentido, aproveitaram para alongar o "duration" dos ativos, assegurando um estoque que remunera mais que os compromissos atuariais. E, sobretudo, redirecionaram os investimentos para índices de conjuntura mais adequados.

A Fundação dos Economiários Federais (Funcef), por exemplo, migrou de 47% da carteira atrelada a CDI/juros em 2003 para atuais 17%; de 25% da carteira vinculada ao índice de inflação (2003) para atuais 44%; e aumentou para 39% a carteira designada aos ativos reais ancorados no setor produtivo (ações de empresas e segmento imobiliário). Nossa disposição volta-se para fazer aplicações bancárias associadas aos índices de preços nacionais com uma taxa real de juros e não mais a estimativas de CDI"s (Certificados de Depósitos Interbancários). Estamos abolindo as referências ao IGP, que tem trazido para os contratos uma instabilidade de rentabilidade danosa e perfeitamente dispensável.

Enfim, essas medidas tópicas vão aos poucos criando um novo ambiente no mercado financeiro e de capitais, com a supressão de resquícios incômodos dos padrões de indexação anteriores. Falta agora os gestores independentes ou vinculados a bancos compreenderem essa nova etapa e também ajustarem suas posições, inclusive trabalhando com menores taxas de administração de carteiras.

Em síntese, todos os atores deste ambiente terão que se adequar ao novo cenário. Haverá a necessidade de aumentar a exposição aos riscos para obter rentabilidade, condição que estimula o mercado de capitais a formatar produtos compatíveis, ter regulação com incentivos corretos, equipes internas mais capacitadas e uma melhor comunicação com os colegiados e os participantes. Sabemos que o Sistema de Previdência Complementar Brasileiro tem todas as condições para percorrer esses novos caminhos.

Guilherme Lacerda , presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), é economista com mestrado pela USP e doutorado pela Unicamp.

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