segunda-feira, 1 de junho de 2009

Órfãos do Tesouro

Corretora do Real se descredencia das negociações de títulos públicos na rede e manda 2 mil clientes embora

Valor Econômico
Por Adriana Cotias, de São Paulo
01/06/2009




Os clientes da Real Corretora foram recentemente surpreendidos por uma correspondência que informa que os serviços que presta como agente de custódia junto ao Tesouro Direto vão ser encerrados em 31 de julho. Desde 25 de abril, quem tinha adquirido títulos públicos pela corretora só pode vender, resgatar ou transferir os papéis para outra instituição. É isso mesmo: os investidores estão sendo mandados embora e agora têm de bater às portas de outro intermediário. Com a aquisição do controle do ABN Amro pelo Santander, o Tesouro Direto saiu do escopo de produtos considerados estratégicos pelo Banco Real, que era a subsidiária brasileira do banco holandês.

Bem no momento em que a BM&FBovespa começa a popularizar a venda de títulos públicos pela internet e estimula a integração da plataforma do Tesouro Direto ao home broker das corretoras, sai de cena mais um nome do varejo brasileiro na oferta desse serviço. A Real cobrava 0,40% e ocupava, ao fim de 2008, a sexta posição no ranking do Tesouro de intermediários mais ativos no programa. Segundo a assessoria de imprensa da corretora são cerca de 2 mil clientes que vão ter de se mudar para outra corretora.

Aos olhos dos grandes conglomerados financeiros, desde quando foi criado, em 2002, o Tesouro Direto vem sendo encarado com certas ressalvas, por representar concorrência à oferta de fundos na rede bancária. Trata-se de um segmento em que os bancos arrecadam receitas vultosas com taxas de administração, principalmente junto ao público de varejo, que aplica valores baixos e tem pouca mobilidade.

Mas essa situação também pode estar mudando. A Bradesco Corretora baixou drasticamente a taxa cobrada como agente de custódia, de 4% ao ano para 0,5% ao ano, ficando mais em linha com os custos do mercado. Desta forma, a Itaú Corretora será a única a manter preços proibitivos, de 4% ao ano no varejo e de 3% ao ano para os clientes da segmentação de alta renda do Personnalité. Cobra ainda R$ 25 por operação realizada.

Num momento de redução do juro básico - a Selic pode cair abaixo de 10% ao ano na semana que vem -, tanto maior o peso dos custos no rendimento do investidor. Um aplicador que tivesse adquirido na semana passada R$ 5 mil em Letras do Tesouro Nacional (LTN) com vencimento em 1º de janeiro de 2012 teria na Itaú Corretora um rendimento de 5,17% no resgate, já considerados os custos e a tributação. Se optasse, por exemplo, por uma corretora que não cobra pelo serviço, caso da Banif, Socopa e Spinelli, teria um retorno líquido de 8,95%. Entre uma alternativa e outra, a diferença é de R$ 319, o equivalente a 6,4%, mais do que o juro real. Isso quer dizer que se for considerada a inflação no período, o aplicador pode ficar mesmo no prejuízo.

Ao ser questionado pelo Valor, o Santander, controlador do Real, informou que "a decisão pela descontinuidade do produto Tesouro Direto foi tomada pois ele não está alinhado com os objetivos estratégicos atuais da organização." A própria corretora do Santander, que no seu site se identifica como líder no segmento de pessoa física, já não ofertava o serviço. A Bradesco Corretora, habilitada desde 2005, conseguiu, por sua vez, vencer uma barreira interna ao baixar os custos para 0,50%, mesmo nível de quando foi credenciada ao sistema.

A crise internacional teve muito a ver com tal iniciativa. "Com a volatilidade do mercado no ano passado, o cliente saía da bolsa e não tinha onde investir na própria corretora, acabava saindo e não voltava mais", diz o superintendente executivo da Bradesco Corretora, Vladimir Bidoy Mendonça, reconhecendo que o custo de 4% ao ano no Tesouro Direto era considerado alto demais pelos clientes da casa. A resistência dentro do conglomerado foi quebrada a partir do entendimento de que o segmento de fundos no banco já está bem consolidado. "Quem tem conhecimento da renda fixa opera sozinho pelo Tesouro Direto e os que são leigos podem recorrer à gestão profissional, nos fundos."

No Banco do Brasil maior intermediário do Tesouro Direto - com um fatia de 21,4% do estoque de R$ 2,8 bilhões em títulos públicos vendidos até o fim do ano passado e com mais de 27 mil clientes cadastrados -, nunca houve o conflito fundos-Tesouro, afirma o gerente executivo da diretoria de Varejo, Antônio Cássio Segura. "Toda consultoria com o cliente é baseada no conceito da diversificação, procuramos entender o horizonte de investimento dele, o objetivo da poupança, os sonhos, e aí aconselhamos a carteira, que passa por fundos, títulos públicos e, dependendo do perfil, até por ações", afirma.

O executivo considera a taxa cobrada, de 0,50% ao ano, compatível com a Selic atual, de 10,25% ao ano, mas diz que se a trajetória de queda se aprofundar, a instituição será sensível à revisão deste custo. "O próprio mercado vai rearranjar os preços senão perde competitividade e vai se movimentar primeiro quem estiver perdendo participação, a velocidade dependerá disso."

O produto Tesouro Direto tem muita sinergia com os demais serviços prestados pela HSBC Corretora e, por isso, a opção de adotar uma taxa de 0,30% ao ano, a menor entre os bancos de varejo, segundo Jeferson Amaral, gestor do Portal de Investimentos. Oitavo colocado no ranking de agentes de custódia de 2008, ele afirma que a instituição consegue ter escala suficiente para cobrar barato, sem abrir mão de qualidade no atendimento.

Entre os clientes que optam pela compra direta dos títulos públicos, Amaral conta que está o perfil mais conservador e não, necessariamente, aquele que também investe em ações. E, no banco, não há barreiras de entrada. Quem quiser abrir uma conta investimento na instituição só para aplicar no Tesouro, por exemplo, tem essa alternativa, sem custos adicionais. No Bradesco e no BB, o aplicador tem de ser, obrigatoriamente, correntista das instituições, arcando assim com as tarifas de manutenção de conta corrente.

Ter uma taxa competitiva, de 0,20% ao ano, é uma forma de fidelizar o cliente na corretora, qualquer que seja o cenário para o mercado acionário, afirma o operador de Renda Fixa da Ativa, Fernando Marques. "Num momento ruim para ações, quando há fuga para a renda fixa, o investidor fica sempre conosco", afirma, lembrando dos momentos vividos a partir da quebra do Lehman Brothers, em setembro, quando as bolsas despencaram mundo afora e os aplicadores de lá e cá buscaram o conforto dos títulos públicos, considerados de baixo risco.

Para o técnico, com a Selic caindo para 9% ou ficando até abaixo disso, mais perceptível será o custo na rentabilidade do investidor. "O Brasil está hoje num nível de juros que o mercado nunca operou e 0,10, 0,20 ponto vai fazer diferença", diz. "Tivemos casos de clientes saindo de corretora que cobrava 0,25% para operar conosco." Nesse ambiente de juros sensivelmente mais baixos, ele considera que os prefixados longos ou mesmo os indexados à inflação são as alternativas mais atraentes, mas reconhece que o aplicador anda meio reticente em alongar prazos em meio às discussões para mudanças na caderneta de poupança e na tributação dos fundos de investimentos.

Na Spinelli Corretora, uma das três que não cobram pelo serviço de intermediário no Tesouro Direto, a isenção é um atrativo mercadológico incontestável, conta o diretor de operações BM&FBovespa, Marcos Amaral. "Sem a custódia, o investidor tem a rentabilidade cheia e é uma forma de trazê-lo para operar conosco, essa pode ser a sua porta de entrada na corretora."

A casa foi uma das eleitas pela BM&FBovespa para ter a integração do sistema do Tesouro Direto ao home broker, a plataforma de negociação de ações pela internet. Pelo programa, as corretoras mais ativas em negociação vão receber subsídio de R$ 50 mil cada para fazer os ajustes tecnológicos. As outras corretoras selecionadas foram Ágora, Alpes, Ativa, Banif, Coinvalores, Fator, Gradual, HSBC e Socopa. O BB já tem o serviço integrado ao seu internet banking, contratando o serviço de corretoras parceiras, enquanto não há uma definição sobre uma eventual centralização na corretora do Votorantim, banco ao qual a instituição se associou em janeiro, adquirindo uma participação de 50%.

A Itaú Corretora, bem como a Unibanco Investhop, já têm as plataformas home broker-Tesouro Direto integradas em seus sistemas. Resta saber se após a fusão do Itaú com o Unibanco, o Unibanco Investshop, que cobra 0,35% ao ano de custódia e é o sétimo no ranking do Tesouro, vai replicar a política de preços do banco parceiro. Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa do Itaú não dispôs de um porta-voz nem retornou aos pedidos de esclarecimentos da reportagem.

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