quarta-feira, 26 de março de 2008

Prudência e canja de galinha

Valor Econômico
Por Luciana Monteiro, de São Paulo
26/03/2008



A instabilidade das bolsas ao redor do mundo está provocando uma redução do risco nos portfólios dos investidores. E, como diz o ditado popular, prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém, os aplicadores saíram em busca de proteção. Dados do site financeiro Fortuna mostram que, no ano, os fundos multimercados registram resgates de R$ 11,768 bilhões, até o dia 20. Só para se ter uma idéia, no mesmo período do ano passado, a categoria registrava ingressos de mais de R$ 8 bilhões.


Os multimercados são carteiras que podem aplicar em bolsa, juros, câmbio, títulos da dívida externa e até no exterior, conforme a estratégia adotada pelo gestor. O problema é que, com tanto vai-e-vem, obter retornos diferenciados tornou-se uma tarefa hercúlea, já que está praticamente impossível prever como os ativos irão se comportar. Com isso, boa parte dos investidores bateu em retirada diante de retornos pouco atraentes ou até perdas. Conforme os números do Fortuna, os multimercados rendem no ano 1,46% para 2,32% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). Somente neste mês, até o dia 20, a categoria perde 0,73%, para 0,59% do CDI no período.


Enquanto os multimercados perdem recursos, os tradicionais fundos DI captam. Consideradas as carteiras mais conservadoras do mercados, os DIs estão recheados de papéis que seguem a taxa de juros, portanto, não correm o risco de uma oscilação das taxas. Em caso de alta da Selic, por exemplo, cenário que vem se desenhando cada vez mais provável pelos analistas, os títulos presentes nesses fundos acompanham a alta. Segundo o Fortuna, a categoria apresenta ingresso de R$ 12,024 bilhões no ano, até o dia 20. A forte captação contrasta com os resgates de R$ 789 milhões dessas carteiras no mesmo período do ano passado.


Há uma migração evidente de recursos de fundos multimercados para DI, apesar de a tributação decrescente inibir um pouco esse movimento, diz Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna. Pelas regras, o investidor paga menos imposto de renda quanto mais tempo permanecer na aplicação, uma diferença que pode ir de 22,5% para 15% sobre o ganho.


Os multimercados, na cabeça do cliente, não são tão agressivos como os fundos de ações, por exemplo, e o cliente não atura perdas por muito tempo, diz Rogerio Betti, sócio dó escritório de aconselhamento financeiro Beta Advisors. "Mas não são apenas os investidores que estão mais avessos ao risco, os gestores também estão", diz. "Como a volatilidade está muito alta, até uma posição pequena em bolsa pode trazer fortes perdas para o fundo."


Mesmo os fundos de ações não escapam. Embora os números mostrem que a categoria tem captação de R$ 1,489 bilhão no ano até o dia 20, são as carteiras compostas somente por Petrobras e Vale que estão sustentando esse ingresso de recursos. Esses fundos são formados por dinheiro dos próprios aplicadores, já que as carteiras de FGTS não podem mais receber dinheiro. As carteiras de Petrobras têm no ano captação de R$ 1,026 bilhão, enquanto as de Vale apresentam entradas de R$ 711 milhões.


O investidor que optou por essas carteiras, no entanto, está praticamente se sentindo numa montanha-russa. Em janeiro, por exemplo, as carteiras de Vale tiveram perdas médias de 14,42%. Em seguida, apresentaram alta de 16,42%. Agora, em março, até dia 20, perdem 11,35%. No acumulado do ano, as perdas somam 11,68%. Com os fundos Petrobras não é diferente. Em janeiro, houve queda de 8,17% e, em fevereiro, alta de 4,28%. Neste mês, as carteiras formadas por papéis da estatal do petróleo perdem 16,70%. No acumulado do ano, as perdas são de 20,23%.


As incertezas sobre quão demorada e profunda a crise será nos Estados Unidos aumentaram bastante, pois o que se tem no curto prazo são apenas dados conflitantes, lembra George Sanders, gestor de renda variável da Infinity Asset Management. Internamente, são as pressões inflacionárias que preocupam e, na opinião do executivo, há argumentos tanto para a manutenção dos juros nos atuais 11,25% quanto para uma alta preventiva. "A maioria dos indicadores de inflação está vindo mais alto que o esperado e um aumento no juro poderia ser preventivo", diz. Com o cenário indefinido tanto interna quanto externamente, os gestores também estão reduzindo a exposição ao risco dos fundos. Segundo Sanders, a maioria vem trabalhando com derivativos a fim de diminuir possíveis perdas.


A interpretação do mercado de que será possível haver uma alta da Selic, após a divulgação no dia 13 da ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), trouxe perdas para os títulos com juros prefixados. Com isso, os fundos de renda fixa, que podem aplicar em papéis prefixados, sofreram. Essas carteiras concentram títulos públicos e privados prefixados. O preço desses títulos varia de forma inversa ao comportamento das taxas de juros: quando os juros sobem, o preço dos títulos cai; quando os juros caem, o preço sobe.


Os dados do Fortuna mostram que, no mês, até o dia 20, a categoria tem rentabilidade média de 0,47%, ante 0,59% do CDI, e captam R$ 20 milhões. O retorno no mês é inferior ao ganho de 0,56% dos fundos DI, por exemplo. No acumulado do ano, o retorno é de 2,33% para 2,32% do CDI. O rendimento no ano ainda é levemente superior ao dos DIs, com 2,22% até o dia 20. A captação dos renda fixa soma R$ 2,004 bilhões no período.

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