quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ensina-me a gastar

Valor Econômico

30/12/2009

Por Janes Rocha, do Rio

Desde que deu início, em 2008, a um programa de educação financeira e previdenciária junto aos 40 mil funcionários da patrocinadora Vale do Rio Doce, a Valia, fundo de pensão dos empregados da mineradora, viu aumentar em quase 60% o número de consultas ao canal direto de comunicação dos participantes, o "Fale Conosco".

Porém, mais importante que o número é a "qualidade" das consultas, na opinião Eustáquio Coelho Lott, presidente da Valia. "Eles (os funcionários) acompanham as notícias da bolsa, querem saber por que o nosso fundo rendeu tanto e a bolsa tanto, por que aplicamos em tais ações", relata Lott.

Há alguns anos, iniciativas como a da Valia estão se espalhando pelo país. Só no setor bancário e de mercado de capitais são 17 instituições que já oferecem algum tipo de programa de educação financeira, seja presencial, seja "on line", seja pela TV, calcula o superintendente de Proteção e Orientação a Investidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), José Alexandre Vasco.

Entre elas estão as associações de bancos, de corretoras e a bolsa. A BM&FBovespa, por exemplo, está expandindo seu programa televisivo para a rede nacional de TV educativa, diz Paulo Oliveira, diretor executivo de Desenvolvimento e Fomento de Negócios da bolsa.

"Temos conhecimento que existem muitas iniciativas de educação financeira no Brasil, mas são pontuais", diz Alzira Reis e Silva, assistente da Diretoria de Educação Integral do Ministério da Educação (MEC). Agora, o Ministério espera integrar as ações em um grande programa nacional de educação financeira nas escolas, que será lançado neste início de 2010 por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O resultado de programas como o da Vale aparece no nível das perguntas dos funcionários, que subiu muito, diz Elisabete Silveira Teixeira, diretora de Seguridade da Valia. "Antes, no máximo, queriam saber quanto tinham para receber". O salto nas consultas, de 4.265 para 5.584, se deu já entre 2007 e 2008, o que, para Elisabete, reflete os efeitos das "aulas" de orçamento e planejamento financeiro pessoal organizadas pela Valia e a área de Recursos Humanos da Vale por meio de um jornalzinho interno e da intranet.

Embora não disponha de números exatos, Elisabete acredita que a preparação para o equilíbrio financeiro potencializou o interesse dos funcionários por um projeto lançado recentemente, em setembro, chamado "perfil de investimentos". Por esta ação, os participantes do fundo (mais de 90% dos funcionários da Vale) são convidados a escolher o perfil individual de aplicações da carteira entre conservador, moderado e agressivo - ou seja, com mais ou menos peso dos ativos de renda variável. Neste fim de ano, o número de consultas ao Fale Conosco da fundação atingiu 6.698.

O programa do governo, a cargo do MEC e do Coremec, comitê que envolve os principais órgãos supervisores do mercado bancário e financeiro, ganhou apoio do Banco Mundial. A instituição vai emprestar US$ 800 mil para financiar a avaliação dos resultados e o estudo de impacto nos alunos e suas famílias. A avaliação será aplicada desde o primeiro dia de aula nos Estados do Distrito Federal e Tocantins, afirmou Vasco, da CVM. A CVM é um dos integrantes do Coremec junto com Banco Central (BC), Superintendência de Seguros Privados (Susep) e Secretaria de Previdência Complementar (SPC).

O programa também tem apoio do Instituto Unibanco que contratou as consultoras independentes em pedagogia Heloisa Padilha e Laura Coutinho. Elas trabalham no projeto pedagógico voltado para o ensino médio e que será conteúdo de um livro que o MEC vai distribuir às escolas a partir de março.

Segundo Laura e Heloisa, o primeiro documento já foi elaborado, consiste em sete objetivos e 140 ações em 73 situações pedagógicas. Em linhas gerais, dizem as consultoras, o projeto trata a educação financeira não como mais uma matéria do currículo escolar, mas como parte em várias matérias. O conhecimento será dividido em duas dimensões, a individual e a social.

"Os alunos vão aprender a anotar suas despesas, os cuidados na hora de ir ao supermercado, olhar os anúncios publicitários com espírito crítico", explica Laura. Além disso, completa Heloisa, parte das ações terá como objetivo inserir os alunos no contexto macroeconômico do país, com noções que vão desde trabalho e empreendedorismo até bens e serviços públicos. Nessa etapa, o aluno refletirá sobre como o dinheiro dos impostos retorna (ou deveria) em forma de bens e serviços que ele encontra no seu dia a dia, do poste de luz à coleta de lixo.

O programa de educação financeira do governo federal é um dos dez "microcampos" de investimentos dentro do orçamento geral do programa Mais Educação, que tem perto de R$ 1 bilhão, explica Alzira Reis e Silva, do MEC. Segundo ela, até 1.650 escolas de ensino médio do país poderão adotar, em 2010, a disciplina de educação financeira, além de outros 1.200 colégios públicos e privados, em um universo de cinco mil instituições de ensino que estão aptas a participar do programa.

O programa, que conta com o apoio da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), está em estudo desde 2007. No decreto do presidente que o tornará política nacional, devem ser criados dois comitês que coordenarão o sistema de educação financeira, um voltado para a estrutura organizacional e outro voltado para o apoio pedagógico.

Para o economista Haroldo Torres, da consultoria Plano CDE, não há dúvida sobre a necessidade de aumentar a cultura financeira no Brasil, principalmente quando se pensa em inclusão bancária e popularização do mercado de ações, dois argumentos que vêm embalando as iniciativas no âmbito privado.

Especializado em pesquisas sobre a base da pirâmide social, Torres alerta, porém, para a importância de identificar "o que funciona e o que não", visando a mudar a atitude das pessoas frente ao dinheiro. Ele diz que "não está convencido de que ações educacionais funcionem isoladamente" e sugere que talvez seja o caso de analisar a adoção a combinação de educação, comunicação e repressão aos abusos de bancos e lojas, a exemplo de políticas de saúde bem-sucedidas de combate ao cigarro ou de uso de preservativo.

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