quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Deflação severa pode retardar alta da Selic

Valor Econômico

30/12/2009

Luiz Sérgio Guimarães


Depois de encontrar o fundo do poço em junho, a 4,90%, o juro real vinha ensaiando retornar aos 6% do início do ano. Mas, pelo critério mais utilizado pelos economistas do mercado - o que desconta o IPCA projetado para 12 meses pelo Focus da taxa do swap de 360 dias -, caiu ontem a 5,74%. Deveria ter caído muito mais. O recuo sofrido pela taxa do contrato de swap pré/DI, de 10,44% para 10,42%, foi desproporcionalmente pequeno em relação ao tamanho da justificativa: a pesada e inesperada deflação registrada este mês pelo IGP-M. O índice caiu 0,26%, quando a mediana das expectativas era de -0,15%. As implicações para o futuro da severa deflação acumulada pelo indicador em 2009 - de 1,72%, a maior da história de 20 anos do IGP-M - tornariam obrigatória uma queda mais firme e acentuada do swap de 360 dias. Mas os players do mercado futuro de juros da BM&F se recusam a retirar prêmio da estrutura a termo por causa de fatores cuja conexão com o IPCA é indireta e remota. São eles as mudanças em curso na diretoria do Banco Central, as eleições presidenciais e as estratégias de saída da crise empreendidas atualmente nos EUA. O mercado não sabe se teme mais o "novo desenvolvimentismo" supostamente professado pela candidata Dilma Rousseff ou a defesa do juro baixo e do real fraco encampada com notável coerência ao longo da atual década pelo governador José Serra.

Os grandes investidores relutam em emprestar dinheiro a taxas prefixadas - exigindo para tanto prêmios visivelmente inchados - por causa do crescente esvaziamento, na diretoria do BC, das ideias neoliberais. Já que o presidente Henrique Meirelles, embora oriundo do mercado, só representa a si mesmo depois que abraçou a carreira política, o único representante do mercado que ainda resta no Copom - o diretor de Política Econômica, Mário Mesquita -, deve sair do BC no começo de 2010 - antes da desincompatibilização de Meirelles, em março. Já no início do segundo trimestre do ano, o Copom terá uma cara diferente da atual, se não heterodoxa, menos conservadora. Se a inflação não constitui hoje uma ameaça real ao patrimônio desses investidores, poderá vir a tornar-se no futuro caso a nova diretoria do BC não mova pronto ataque às pressões de demanda.

Mesmo sendo difícil, diante da deflação do IGP-M, imaginar o retorno triunfal do dragão inflacionário, os players preferem não arriscar. Isso trava o DI. Apesar do declínio do swap de 360 dias, o contrato mais negociado, com vencimento no final do governo Lula, permaneceu estável em 10,44%. E, na véspera do último pregão do ano, não há liquidez suficiente para que a ala dos "vendidos" em taxa faça prevalecer os sinais emitidos pelo IGP-M. Para Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, a importância maior dessa deflação está nos benefícios futuros que ela pode trazer para os IPCs em 2010. O economista raciocina que, além do peso que o IGP-M tem nos preços administrados, não se deve esquecer que dois itens que fazem parte dos serviços - aluguéis e condomínios - também são influenciados por esse indicador. "Podemos também acrescentar como impacto benigno desse resultado, o fato do IPA industrial ter fechado 2009 com uma deflação de 4,74%, tornando muito mais difícil vermos uma rápida pressão dos preços industriais sobre a inflação no varejo, o que seria a característica do início de uma inflação de demanda", diz Leal. Os preços no atacado indicam pouca pressão na cadeia produtiva e a própria inércia reduzida da inflação passada ajuda na formação das expectativas da inflação futura. O economista-chefe da Gradual Investimentos, Pedro Paulo da Silveira, diz que os dados da FGV retiram parte das preocupações no início de 2010. Para ele, a onda deflacionista, fruto da ociosidade existente na indústria e do câmbio valorizado, deve persistir mais um pouco no país.

O mercado de câmbio recebeu escassa influência dos indicadores americanos do dia. Tanto o índice de preços de casas calculado pelo S&P Case Shiller (queda de 0,05% em outubro), quanto o índice de confiança do consumidor medido pelo Conference Board (que subiu de 50,6 em novembro para 52,9 em dezembro) ficaram dentro das expectativas. E o dólar interrompeu sequência de quatro quedas, subindo 0,11%, para R$ 1,7430, porque o mercado entendeu, sem confirmação oficial, que o governo tinha autorizado o Tesouro a comprar dólares para o Fundo Soberano do Brasil.

Luiz Sérgio Guimarães é repórter de finanças

E-mail: luiz.guimaraes@valor.com.br

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