domingo, 7 de novembro de 2010

Barato lá fora, caro aqui

O Globo

07/11/2010


Produtos no Brasil custam até seis vezes mais que no exterior, devido principalmente a altas margens de lucro e carga tributária

Vivian Oswald e Martha Beck
BRASÍLIA

Aonda de crescimento econômico e o câmbio valorizado despertaram o brasileiro para as compras, mas também revelaram um problema antigo do qual poucos haviam se dado conta: o Brasil é um país cada vez mais caro. Produtos simples podem custar nas lojas brasileiras mais de seis vezes o que saem seus similares no exterior, caso de uma bomba para retirar leite materno.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que uma conjunção perversa de fatores contribui para essa distorção, da carga tributária elevada às margens de lucro exorbitantes, mas também têm forte caráter cultural.

Para baixar custos, a saída de muitos tem sido ir comprar lá fora.

Pesam também o mercado consumidor ainda em desenvolvimento, a abertura recente da economia, a falta de referência de preços e a crença de que importados são produtos de luxo e de melhor qualidade e, por isso, naturalmente mais caros. Tradicionais vilões que também deixam sua marcas são o oligopólio de importadores, a excessiva burocracia e a falta de uma infraestrutura que permita custos de transporte mais baratos num país de dimensões continentais.

A entrada de mais 30 milhões de pessoas na classe média também fez com que as empresas revissem estratégias de marketing e investissem em campanhas que levassem a população a querer comprar o que consumidores de outros países adquirem.

Segundo fontes ligadas ao setor de publicidade, as áreas de marketing costumam avaliar quanto o público-alvo aceitará pagar por um produto na hora de fixar a margem de lucro do fabricante. Quanto mais cobiçado ele for, mais se cobrará.

A brasiliense Cristina Madeira é apenas uma das dezenas de mães recentes que optaram por montar os enxovais de seus filhos fora do Brasil: — Comprei no exterior, porque a qualidade dos produtos é melhor e os preços, muito menores. Comprei carrinho, roupas, cadeirinha para o carro e bebê conforto. Tudo o que trouxe para o Rafael, que vai fazer um ano agora, vai dar nele até os dois anos.

Cristina gastou R$ 5 mil com as compras. No Brasil, só o carrinho de bebê sairia a R$ 2.500.

— Agora, Miami está no meu roteiro — completa.

— Há alguma coisa muito errada quando vale a pena a pessoa tomar um voo de nove horas para fazer compras no país mais rico do mundo para economizar. Para ter uma moeda forte, o país precisa passar por profundas reformas e investir em infraestrutura — avalia o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, cujo setor sofreu com a competição dos importados, mas vem se ajustando.

As operadoras de turismo já identificaram o novo nicho e planejam criar roteiros de compras dedicados às jovens mães em seus pacotes aos Estados Unidos. O consumo já está em alguns roteiros. A CVC, por exemplo, lançou há um ano o pacote “Compras em Buenos Aires” e acaba de incluir na rota de Las Vegas um périplo por outlets com os quais fez acordos para garantir bons descontos aos clientes.

— As pessoas querem viajar. Mas têm manifestado o desejo de comprar também — diz Vitor Bauab, da área de estratégia e novos negócios da CVC.

Os brasileiros estão sujeitos à cota de US$ 500 para passar com suas compras na aduana. Mas muitos consideram que vale a pena pagar o imposto de 50% sobre o que extrapolar.

— Trouxe um laptop último modelo há um ano, paguei o imposto, e ele ainda me saiu R$ 1.500 mais barato — conta o consumidor Henrique Lopes.

Viagens e internet dão noção de preços

Estrangeiros que desembarcam aqui com dinheiro para gastar também se surpreendem com os preços. Não à toa o país acaba de ser eleito o quarto mais caro do mundo, segundo o índice que compara preços de um sanduíche Big Mac em várias economias.

Após quase quatro anos de espera, o PlayStation 3 chegou ao Brasil por R$ 2 mil. Nos EUA, o mesmo equipamento sai a US$ 300, ou cerca de R$ 510. Neste caso, certamente os tributos não chegam a quatro vezes o valor do produto.

É de cerca de 70%.

Pesquisa do Movimento Brasil Eficiente indica que, enquanto um Toyota Corolla XEI 2.0 custa R$ 75 mil no Brasil, sai a R$ 58.740 na África do Sul, R$ 33.782 no Japão e R$ 32.797 nos EUA. O grupo garante que a chave do problema está na alta carga tributária. Mas ela sozinha não explica diferenças.

Estudo do Morgan Stanley feito no ano passado na Inglaterra mostra que algumas montadoras instaladas no Brasil são responsáveis por boa parte do lucro de suas matrizes e que grande parte disso vem dos carros com aparência de off-road. Os técnicos do banco calcularam que o custo de produção desses carros é 5% a 7% acima do custo de produção dos modelos dos quais derivam. Mas são vendidos por 10% a 15% a mais no país.

O oligopólio (poucas empresas dominando um mercado) é outro fator que joga contra o consumidor. Este seria o caso dos vinhos. Editor da revista eletrônica EnoEventos, Oscar Daudt diz que as margens de lucro são altas e as diferenças podem chegar a 150% em relação aos mesmos vinhos importados nos EUA.

De 2003 a 2009, o mercado consumidor ganhou um exército de 35 milhões de pessoas que ascenderam às classes A, B e C. As viagens ao exterior (dois milhões a mais foram para fora do país no período) e o acesso crescente à internet foram importantes para dar referências sobre preços, segundo o chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri.

A liberdade para pagar as compras também aumentou nos últimos anos.

O número de cartões de crédito, que em 2000 era de 28,5 milhões, passou a 153,4 milhões em 2010.

Margem até 100% no Brasil, 10% nos EUA

Para agradar os consumidores as empresas vão ter de diminuir as suas margens de lucro. Especialistas afirmam que está começando a mudar a cultura no Brasil de que as empresas podem ter margem de 100%, enquanto em países como os Estados Unidos, por exemplo, isso é impossível. Estimase que as empresas americanas apliquem margens de 5% a 10%.

Apesar de tudo, as importações têm favorecido o consumidor. Mesmo com toda a gritaria do setor têxtil, por exemplo, a abertura da economia permitiu que o item vestuário nos últimos 15 anos subisse menos da metade da inflação média, segundo a FGV.

— A cara do mercado vai mudar com a abertura da economia e o aumento consistente da classe média.

Haverá alternativas para consumo, novos preços e qualidade no futuro, mas de maneira heterogênea. Falta muito para nos aproximarmos de outros países.

Estamos no meio do caminho — diz Salomão Quadros, coordenador de Análises Econômicas da FGV.

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