segunda-feira, 24 de maio de 2010

A consagração da classe média

Folha de São Paulo

24/05/2010

O chavão presidencial não perde sua veracidade: nunca antes na história deste país foram vendidos tantos imóveis


 



DE 2008 PARA cá, a economia brasileira, feliz como uma criança que brinca na segurança da sala de casa, ignorava as tempestades que caíam lá fora e crescia com saúde.
Não faltaram sinais: recordes de novos empregos com carteira assinada, de financiamentos imobiliários, de queda na informalidade e de arrecadação de impostos pelo governo federal.
Na crise que não existiu em algumas regiões do Brasil, a classe média ganhou força.
Confiantes, os empresários perceberam a oportunidade e geraram mais empregos formais, que não só aumentaram a renda das famílias mas também sua segurança -devido à proteção da carteira assinada.
Com um timing admirável, o governo adotou iniciativas há muito esperadas para incentivar o consumo: redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e subsídios ao financiamento imobiliário, somados ao aumento da contratação de servidores.
A pirâmide social brasileira, hoje predominada pela classe média, agora quer colher os frutos dessa conquista. Ou melhor, já está colhendo.
Em março deste ano foi registrado novo recorde histórico no volume de financiamentos imobiliários. O chavão presidencial é motivo de piadas, mas não perde sua veracidade: nunca antes na história deste país foram vendidos tantos imóveis.
Pode-se questionar esse otimismo, partindo da percepção de que nunca os brasileiros estiveram tão endividados. Na verdade, já estivemos mais endividados, mas nunca antes tantas pessoas assumiram financiamentos tão volumosos e de prazo tão longo.
Apesar de isso significar uma expectativa de grande desembolso de juros por parte das famílias, não podemos interpretar o fato como ruim, pois se trata do tipo mais barato de dívida que o brasileiro pode ter.
Também em março outro recorde foi registrado: o de nível mínimo de inadimplência. Esse fato, sim, explica muita coisa.
O brasileiro está se endividando, a custo cada vez mais baixo, e honrando cada vez mais seus compromissos. Na linguagem do mercado, nosso perfil de crédito está melhorando.
O raciocínio, porém, não vale para todo tipo de financiamento. Com o aumento da renda, a classe média passou a realizar também o sonho do carro próprio, da viagem própria e do cartão de crédito próprio.
Muitas oportunidades, muitas ofertas seduzindo. Se fôssemos financeiramente bem-educados (não somos), isso não seria problema.
Porém, para quem sempre esteve acostumado a pegar trocados no pote de biscoitos para pagar as contas na lotérica, muitas oportunidades podem se traduzir brevemente em muitos problemas.
Gastar a prazo sem um planejamento metódico provavelmente levará muitas famílias a perder as rédeas da situação, e em breve teremos um aumento significativo na inadimplência e no uso de instrumentos de crédito de péssima qualidade, como o cheque especial e o crédito rotativo no cartão.
Depois de tanto tempo esperando sua vez chegar, será que a classe média tem agora de se submeter ao velho conselho de economizar e se preocupar muito com o futuro? Minha opinião é que não.
Quem está com sua carteira assinada pela primeira vez merece comemorar e gastar um pouco mais. Porém, não faz muito sentido gastar a ponto de arruinar o orçamento dos meses seguintes. Equilíbrio é a palavra-chave. Gaste menos do que você tem, mas gaste principalmente com o que você gosta.
Celebre! Repense o tamanho de sua casa, escolha uma mais econômica, para que caibam mais prestações de coisas interessantes em seu orçamento.
E, independentemente do seu estilo de gasto, faça as contas e poupe o mínimo necessário, para que essa conquista se mantenha por toda a sua vida. Enriquecer é um processo relativamente simples para quem desfruta de estabilidade na renda, que exige de nós mais do que boas escolhas hoje.
Precisamos fazer boas escolhas sempre, conferindo sustentabilidade a nosso consumo. A estabilidade da economia brasileira depende essencialmente da estabilidade dos orçamentos de suas famílias.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Mais Tempo, Mais Dinheiro" (Thomas Nelson Brasil).
Internet: www.maisdinheiro.com.br

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