quinta-feira, 20 de maio de 2010

Coração de investidor

Valor Econômico
20/05/2010

A dona de casa Nilza Rocha, de 30 anos, aprendeu da pior forma possível como é arriscado investir em ações: perdendo dinheiro. Há cerca de um mês, Nilza tomou um empréstimo de R$ 2 mil com a mãe e convenceu o marido, o auxiliar de expedição Claudinei Rocha, a aplicar o dinheiro em um fundo de ações da Petrobras. "Achei esse negócio do pré-sal interessante e também sei que o governo ajuda um pouco essa empresa", conta a dona de casa, que nunca havia realizado uma aplicação financeira antes, nem mesmo na tradicional caderneta de poupança.

A ideia era deixar o dinheiro no fundo pelo menos até o fim do ano. Mas a maré negativa da bolsa - o Ibovespa cai 11,60% no mês - pegou a investidora novata no contrapé. Vinte dias após a aplicação, Nilza viu que seus R$ 2 mil haviam se transformado em R$ 1.860 e resolveu sair do fundo. "Em vez de render, o dinheiro sumiu, fiquei apavorada", revela ela. Apesar da experiência negativa, Nilza não desistiu de investir em ações. Mas, em vez de adotar uma estratégia menos agressiva, como aplicar em um fundo com papéis de diversas empresas, ela pretende adquirir ações por contra própria, pelo home broker, o sistema de compra e venda de ações pela internet.

A experiência de Nilza está longe de ser apenas um caso isolado de investidor que comprou na alta e vendeu na baixa. A valorização expressiva da bolsa nos últimos anos está trazendo para o mercado de ações um novo público, com menos recursos e pouquíssimo conhecimento, apontam analistas. Nilza, que encerrou os estudos ao completar o ensino médio, resolveu aplicar em ações com base apenas em pesquisas na internet.

Se investidores calejados costuma se machucar durante os solavancos da bolsa, a adesão maciça à renda variável deve tornar históricas como a de Nilza frequentes. A classe C está apenas começando a investir e já quer ir direto para a bolsa, sem passar pela renda fixa, alerta Márcio Rodrigues, professor da empresa de educação financeira Investeducar. "É um universo diferente, tem gente procurando a bolsa sem saber direito o que é o CDI, por exemplo", conta Rodrigues. Ele tem notado uma mudança no perfil dos alunos dos cursos da Investeducar. "Não são mais apenas engenheiros ou operadores de sistemas, há agora cabeleireiro e designers de roupas".

Esse crescimento do interesse pela bolsa pode ser verificado em um evento gratuito sobre investimentos realizado no último sábado pela LinkTrade, home broker da Link Investimentos, onde a reportagem do Valor conheceu a dona de casa Nilza Rocha. Dos 101 presentes, 10 ainda não tinham realizado nenhum investimento. Outros 22 aplicavam apenas em poupança e fundos de renda fixa.

Para Marcia Dessen, sócia da empresa de educação BMI e especialista em planejamento financeiro, a busca por investimento em ações tende a crescer cada vez mais, já que a renda fixa, mesmo com a alta recente da taxa Selic, não traz mais o retorno esperado pelos investidores. "O problema é que essa migração está sendo feita de forma muito impulsiva, sem planejamento", aponta. Os pequenos investidores, recomenda ela, devem começar "devagarinho", aplicando no máximo 5% de seus recursos em ações. E o dinheiro que vai para a bolsa não pode estar comprometido com uma despesa futura específica. "O investidor deve se perguntar se pode esperar três, quatro ou cinco anos para colher os resultados", diz.

É o caso da contadora Luciana Paixão, que aplica todos os meses R$ 200 em um fundo de ações desde o começo do ano e pretende formar um clube de investimentos para garantir a aposentadoria. Antes de se tornar investidora, contudo, Luciana era uma endividada crônica. Entre 2002 e 2009, ela perdeu três vezes o controle dos gastos com cartão de crédito. Em 2006, ela recorreu aos Devedores Anônimos, grupo de apoio psicológico de auxílio a devedores inspirado nos Alcoólicos Anônimos. "Achei que tinha um distúrbio, e precisava de ajuda", lembra. "Paguei o que devia, mas comecei a gastar de novo e em 2008 já estava endividada de novo".

Nesse período, Luciana perdeu o emprego em duas ocasiões. Com o dinheiro da rescisão do contrato de trabalho, quitou parte das dívidas em vez de realizar o sonho de um intercâmbio nos Estados Unidos. No início do ano passado, Luciana decidiu montar uma planilha para controlar sua vida financeira e se assustou com seus gastos. "Fiquei chocada e percebi que nunca teria nada na vida", lembra a contadora, que passou a frequentar cursos e palestras sobre finanças pessoais. "Comecei a me educar, paguei minhas dívidas e agora sou uma investidora."

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