quarta-feira, 22 de julho de 2009

O investidor na era do juro menor

Aplicador terá de poupar mais e fazer um bom planejamento financeiro neste novo ambiente.


Valor Econômico

Por Angelo Pavini e Luciana Monteiro, de São Paulo
22/07/2009

 

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) hoje, provavelmente reduzindo os juros básicos da economia para 8,75% ao ano, consolida uma nova era para os investidores: a dos ganhos mais baixos na renda fixa. O aplicador terá se ser mais ativo e atento não só ao rendimento das aplicações como vinha fazendo até agora como também aos custos de administração cobrados pelos gestores, assim como ao impacto da tributação no curto e médio prazos.

Olhando para o que o investidor leva para casa em uma aplicação de 9% ao ano - conforme projeta o mercado futuro de juros para os próximos 12 meses -, descontando inflação (4%), 2% de impostos (20% na média) e 1,5% de taxas de administração, sobraria 1,5% de retorno real líquido, percentual bem abaixo dos gordos retornos dos anos passados, calcula Pedro Martins, chefe de análise para Brasil da Merrill Lynch. "A percepção de que deixar o dinheiro parado no banco era suficiente acabou", diz.

O investidor precisará daqui para a frente ter mais sangue frio para correr um pouco de risco se quiser ganhar mais do que os juros. Mas o mais importante de tudo é que o investidor terá de planejar melhor sua vida financeira. Para isso, terá de se preparar melhor, estudando os funcionamentos dos diferentes mercados ou buscando orientação de profissionais especializados.

As pessoas vão ter de ser mais empreendedoras e arriscar mais, diz Martins. "Vamos ter uma onda de pessoas abrindo negócios diretamente ou financiando projetos via bolsa de valores ou compra de títulos de empresas, mas todos terão de colocar o dinheiro para trabalhar", afirma. Projetos que antes eram desprezados porque o retorno era pequeno em relação aos juros agora passarão a ser vistos com outros olhos.

Outro resultado dessa queda dos juros será o que Martins chama de "rotação de carteiras". Hoje, do total aplicado em fundos de investimento, cerca de US$ 660 bilhões, apenas 15%, estão em ações. Comparando a parcela de renda variável com outros países, Martins estima que, anualmente, cerca de US$ 22 bilhões podem trocar os fundos de renda fixa por ações e ativos de crédito nos próximos anos.

Para se entender o efeito da queda dos juros, basta tomar como exemplo uma pessoa com R$ 1 milhão aplicados em títulos públicos, afirma Rogério Bastos, sócio da consultoria financeira FinPlan. Pela taxa média dos juros dos últimos cinco anos, de 14,95%, essa pessoa teria R$ 10,8 milhões após 20 anos. Descontando uma inflação pelo IPCA de 5,36% ao ano, o ganho real seria de R$ 3,8 milhões, ou quase quatro vezes o valor aplicado. Essa mesma aplicação, com juros de 9% ao ano, como o atual, resultaria em R$ 4,3 milhões nominais. E, levando-se em conta a inflação, estimada em 4% ao ano, o ganho real cairia para R$ 2 milhões, ou 52% do valor obtido na época do juro alto.

Bastos observa que muita gente fez seu planejamento usando projeções de juros acima da realidade. Como os juros reais vinham numa média de 9% ao ano nos últimos cinco anos, muitos planos de previdência e gestores de patrimônio usaram cenários em que as taxas acima da inflação ficavam entre 7% e 10% ao ano. E o juro real de 2008 já foi de 6% e, em 2009, deve ficar em torno de 5% ao ano. E, se for descontado um imposto de renda de 15% e a taxa de administração, esse juro real cai para menos de 2% ao ano. "Isso vai pegar muita gente de surpresa quando estiver perto da aposentadoria", alerta.

Bastos fez algumas simulações para quem pensa em preparar uma boa aposentadoria usando fundos de investimento DI, com come-cotas e imposto de renda de 15% ao ano. A situação seria de uma pessoa com 40 anos que quer se aposentar aos 60 anos com uma renda de R$ 10 mil por mês e uma aplicação inicial de R$ 200 mil. No cenário antigo, a aplicação mensal seria de R$ 3.833,00 por mês. Já com juros de 9% ao ano, a contribuição teria de subir para R$ 6.940,00. E, se os juros forem para 8,75%, seria preciso guardar R$ 7.170,00 por mês. Mas isso não considera as taxas de administração dos fundos. Se a carteira cobrar 1% ao ano, reduzindo o retorno a 7,75% ao ano, a necessidade de guardar sobe para R$ 8,170.

Uma forma de reduzir esse valor seria aplicar parte do patrimônio em renda variável, diz Bastos. Segundo ele, seria possível aumentar em cerca de dois pontos percentuais a rentabilidade anual da carteira - no caso de 9%, o ganho subiria para 11% . Segundo Bastos, cada cliente tem de consultar seu planejador financeiro ou, por conta própria, ver quais alternativas há para diversificar em bolsa ou crédito privado ou "private equity", para maturar daqui 10 anos. "Bolsa é o caminho natural, mas não é o único."

Mas, antes de sair desesperadamente atrás de mais risco, o investidor precisa revisar sua carteira e as classes onde já está investindo, afirma William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV-SP. "É preciso ver se não dá para melhorar a rentabilidade dos fundos DI, por exemplo, procurando carteiras com taxas de administração mais baixas, ou optando por carteiras mais ativas, com um pouco mais de risco, como os fundos de renda fixa com crédito e papéis prefixados", diz. Na renda variável, pode ser o caso de trocar fundos indexados por carteiras ativas.

O segundo passo é tornar-se mais disciplinado e guardar mais dinheiro. "Sem disciplina, ninguém fica rico", diz. E, se depois de tudo isso, o investidor achar que está ganhando pouco, deve então analisar outras opções, não só ações, como crédito de empresas de primeira linha ou ativos imobiliários. "Mas o investidor vai ter de estudar mais, se informar, discutir com o gerente do banco antes de arriscar", afirma Eid. Além disso, aprenderá a aproveitar as oportunidades, especialmente nas crises. "Sempre há crises, o importante é saber como tirar proveito delas."

Isso, porém, vale para quem consegue guardar mais de R$ 2 mil por mês. "Menos que isso, o melhor é ficar mesmo em poupança e CDB, o ganho de diversificar 10%, 20% da carteira é muito pequeno", diz. Para essa faixa de renda menor, vale mais a questão da disciplina, diz Eid.

Apesar de a Selic já ter caído bastante desde janeiro, quando estava em 13,75%, o juro continua proporcionando uma rentabilidade ainda boa, avalia Edivar Vilela de Queiroz Filho, sócio da Luz Engenharia Financeira empresa que atua na gestão de riscos. "Mas quem quiser retornos maiores terá de amadurecer à força, fazer sua lição de casa", diz. O investidor brasileiro vai ter, por exemplo, de chegar em frente do consultor e saber qual é o perfil de risco dele, quanto quer ganhar, se está disposto a arriscar mais ou menos, explica ele.

"Bem-vindo ao mundo dos investimento". É assim que Adriano Gomes, professor do Departamento de Finanças da ESPM e consultor da Méthode, avalia essa nova era de juros baixos. "Antes, não havia muita diversão; era só aproveitar a Selic alta, tanto que o CDI bateu até a bolsa num período de dez anos", lembra. "Agora, o investidor deverá olhar não apenas a taxa que a aplicação oferece, mas a tributação sobre o investimento."

Mas assim como os investidores, as instituições financeiras também terão de se mexer para ter profissionais mais qualificados para dar orientação financeira. "O investidor pode não entender de tributação ou mesmo do nível de risco de uma aplicação, mas, ao final de um período, ele vai comprar com outras aplicações e o banco poderá perder esse cliente", afirma Gomes. Para o professor, o mercado brasileiro de investimentos tenderá a se sofisticar e mais aplicadores devem aumentar a parcela de renda variável em suas carteiras.

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