sexta-feira, 19 de junho de 2009

CVM propõe aumento de transparência para FIDC

Regulação: Divulgar as operações de recompra de recebíveis em atraso é a principal sugestão.

Valor Econômico

Por Alessandra Bellotto, de São Paulo
19/06/2009

 



 
 

Gustavo Lourenção / Valor

Ricardo Pires, da PR&A: investidor deve passar a monitorar operações


 

Melhorar a transparência dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), que reúnem um patrimônio líquido de R$ 59,5 bilhões, é o principal objetivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao colocar em audiência pública proposta para aperfeiçoar a Instrução 356, que regula o mercado. A minuta em discussão recomenda ampliar e tornar recorrente a divulgação de informações relativas ao desempenho real das carteiras de recebíveis, como estatísticas de inadimplência, eventos que possam afetar o fluxo de pagamento e, principalmente, operações de recompra e substituição de direitos creditórios.

A iniciativa atende a uma demanda do próprio mercado por maior transparência, especialmente em relação às recompras realizadas pelas instituições que cedem os recebíveis aos fundos, destaca a gerente de Aperfeiçoamento de Normas da CVM, Flávia Mouta Fernandes. Hoje, conta, o investidor só tem acesso aos indicadores reais de inadimplência de uma carteira de recebíveis no prospecto do fundo, que também traz a informação se o cedente tem ou não a intenção de realizar recompra ou substituição de ativos.

Depois que a operação se inicia, o cotista não tem mais informação se há ou não recompra e se os indicadores de inadimplência refletem a real situação da carteira ou foram mitigados por substituição, passando a falsa sensação de estabilidade, destaca Flávia. "Não estamos questionando se a prática de recompra é boa ou não, mas ela precisa ser informada", afirma. "Nossa intenção é harmonizar as informações disponíveis ao investidor na largada e ao longo de toda a operação do fundo."

 

 

A proposta, que está em linha com as recomendações do Comitê Técnico da Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Iosco), prevê que essas informações estejam explícitas no demonstrativo trimestral do fundo, que já é enviado à CVM. A medida foi bem recebida pelo mercado. "Qualquer iniciativa para aumentar a transparência e o volume de informações disponíveis tende a trazer mais conforto para o investidor, além de uma percepção positiva ao mercado", destaca o analista chefe da Standard & Poor's, Jean-Pierre Cote Gil.

O desempenho que aparece nos relatórios oficiais dos fundos pode muitas vezes levar o cotista a conclusões equivocadas. Caso do fundo de recebíveis Panamericano Veículos I, em que o indicador de inadimplência real da carteira, expurgando os efeitos de recompra de recebíveis pelo cedente, são bem piores do que o dado depois da "faxina" na carteira, destaca o diretor sênior de Operações Estruturadas da Fitch Ratings, Jayme Bartling. Em dezembro de 2008, os empréstimos com atraso acima de 90 dias eram 6,6% do volume total cedido para o fundo, depois da recompra realizada pelo Panamericano. Considerando os ativos recomprados pelo cedente, no entanto, a inadimplência, real, subia para 30,9%.

Essa questão ficou mais evidente com a crise financeira global, que teve seu ápice em setembro de 2008. Os graves problemas de liquidez enfrentados pelos bancos médios brasileiros, principais originadores dos recebíveis cedidos aos fundos, acabaram diminuindo, ou até interrompendo, as operações de recompra de ativos. Isso fez aparecer a verdadeira inadimplência dos fundos, passando, em alguns casos, a sensação de piora.

As agências de classificação de risco, contudo, monitoram as carteiras expurgando os efeitos de recompra ou substituição de recebíveis. "Não podemos dar crédito às recompras, pois, além de esse mecanismo ser voluntário, na maioria dos casos o rating dos cedentes é pior do que o do fundo", diz Bartling. O diretor da Fitch ressalta, no entanto, que para que essa análise mais profunda seja realizada a agência tem de solicitar mensalmente aos administradores de 15 a 30 relatórios para cada operação. A falta de consolidação das informações, segundo ele, é um grande entrave para o monitoramento. Cote Gil, da S&P, espera que a iniciativa de tornar obrigatória a divulgação das informações sobre recompra e indicadores de inadimplência facilitem, e até acelerem, o trabalho de análise.

Na visão de Ricardo Pires, sócio-diretor da consultoria PR&A - que atua, entre outras áreas, na análise e monitoramento de fundos de recebíveis para investidores -, a iniciativa da CVM foi um passo importante para despertar entre os cotistas a cultura do monitoramento dos fundos. "O investidor não dá muita ênfase ao acompanhamento dos indicadores de inadimplência das carteiras, que podem levar um fundo a uma liquidação antecipada."

Os eventos de avaliação previstos nas estruturas de FIDCs, segundo Pires, devem ser monitorados de perto pelo investidor até como uma forma de proteção. Eles funcionam como alertas de eventuais problemas. A proposta de ampliar a divulgação de informações sobre as carteiras, com foco nas recompras, vai facilitar esse acompanhamento. "A qualidade da informação, contudo, não está garantida", ressalta Pires. O aprimoramento deve vir com o tempo, segundo ele, a medida que o investidor passar a usar as informações.

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