sábado, 27 de outubro de 2007

Oscilações no Tesouro Direto

Jornal: Gazeta Mercantil
Data: 26/10/2007
Crédito: Ricardo Binelli



“Lançado pelo governo federal em janeiro de 2002 o Tesouro Direto é uma daquelas boas idéias, que têm baixo custo de implantação, que não dependem de aprovação do legislativo para ser colocada em prática e que têm alto potencial de gerar proventos para a economia brasileira.

Colabora com a dispersão da dívida pública entre um número maior de investidores. Também apresenta qualidades no sentido de estimular a formação de uma cultura de investimento de longo prazo, em particular entre os investidores pessoas físicas. E, ao ser utilizado por uma parcela mais representativa da população, apresentará ainda condições de exercer o papel de indutor de um processo de redução nos custos dos produtos de renda fixa oferecidos ao mercado de varejo pelas grandes instituições brasileiras.

O Tesouro Direto tem um atributo pedagógico interessante que é o de explicitar para o investidor os efeitos da chamada marcação a mercado, metodologia de precificação baseada nas condições de oferta e demanda de cada momento.

Por causa dela, percebeu-se a relevância de se atentar para os riscos das aplicações de renda fixa - em particular os riscos de oscilação de preço -, algo entendido como desnecessário pela maior parte das pessoas há poucos anos atrás. Apesar de terem asseguradas as condições de remuneração pactuadas com o governo se carregarem seus títulos até o vencimento, os investidores terão que se sujeitar às condições de mercado caso queiram resgatar os títulos antecipadamente.

Pedagogicamente positiva, a marcação a mercado gera um natural desconforto em todos aqueles que, ao analisarem o valor de seus títulos, percebem que estes perderam preço. Não são poucas as pessoas que têm reduzido ou abandonado suas compras no Tesouro Direto por não compreenderem como seus títulos são rentabilizados e que os mesmos podem se desvalorizar. Esclarecer esse mecanismo, então, tornou-se um meio de tranqüilizar estes investidores estimulando-as a seguir com suas operações.

Com este intuito, vamos utilizar como exemplo a Nota do Tesouro Nacional Série B, sem juros intermediários, a NTN-B Principal. Ressaltamos, porém, que a síntese do raciocínio vale para todos os títulos. As NTN-B Principal são títulos que corrigem o valor do investimento pela variação do IPCA e oferecem uma remuneração fixa anual, que é capitalizada e distribuída no vencimento do título. Atualmente, as NTN-B Principal disponíveis para compra no Tesouro Direto são longas, com vencimento em 2015 e 2024.

As NTN-B Principal têm como valor de base de referência R$ 1.000,00 e data inicial de correção o mês de julho do ano 2000. Assim, estes R$ 1.000,00 são corrigidos pelo IPCA desde aquele momento. Este valor é multiplicado pelo valor presente do fluxo do título, descontado pela taxa de juros (remuneração fixa) a que o Tesouro Nacional dá o nome de "Cotação". Matematicamente falando, o cálculo da Cotação é expresso da seguinte forma.

Como no desconto de qualquer fluxo de caixa, o valor presente do título será diretamente impactado por variações na taxa e no prazo existente até o vencimento, que será o prazo durante o qual o fluxo será descontado. Assim, reduções na taxa de juros de mercado levarão a um desconto menor do fluxo e, portanto, a um valor presente maior da cotação, e, por conseguinte, do preço da NTN-B Principal. Da mesma forma, quanto mais se aproxima o vencimento, menor o tempo que o fluxo de caixa será descontado e portanto, maior o valor presente do título, mantida a mesma taxa de juros.
A NTN-B Principal com vencimento em 2015 começou o ano pagando a correção pelo IPCA mais uma remuneração fixa de 7,63% ao ano. Quem comprou um destes títulos no dia 2 de janeiro por R$ 857,43 assegurou essa remuneração. Com a melhora do ambiente econômico, em particular no que diz respeito ao risco país e ao controle da inflação, a remuneração fixa caiu para 5,81% ao ano no dia 23 de maio. Diante do cenário positivo, os investidores aceitavam emprestar dinheiro ao governo com uma remuneração menor.

O valor presente do título foi positivamente influenciado tanto pela queda da taxa de juros como pelo fato de que o prazo até o vencimento foi reduzido pelos dias transcorridos até 21 de maio. Nesta data, o preço da NTN-B Principal 2015 no mercado era de R$ 1.040,61, o que significava falar em uma valorização de 21,36% acumulada em 2007, fazendo a alegria de seus detentores.

A intensificação da crise do setor imobiliário americano fez com que o preço desta NTN-B percorresse o caminho inverso nos meses de julho e agosto. No ápice da crise, quando os investidores passaram a exigir um retorno maior para emprestar ao Brasil, a taxa dos títulos chegou a subir até os 7,16% ao ano, derrubando o preço da NTN-B para R$ 937,52. Em comparação ao máximo atingido, que, como seria de se esperar era a referência de preço na cabeça dos investidores, a desvalorização foi de quase 10%, o que gerou um bocado de nervosismo.

Alternativa segura

Percebido que mesmo uma alternativa segura como o Tesouro Direto apresenta sim riscos de oscilação de preços; o que o investidor precisa avaliar é se a condição pactuada com o governo no momento da aquisição do título, que está garantida se ele levar os papéis até o vencimento, lhe é favorável. No caso em tela: a taxa de 7,63% além da correção pelo IPCA, obtida no início do ano, é uma taxa interessante tendo em mente que o vencimento do título é em 2015? Se o investidor concordar que o país está caminhando para a condição investment grade entenderá que a taxa é bastante atraente e não deverá se preocupar com as flutuações de curto prazo.

Para não sofrer com as oscilações, o investidor poderá ainda atentar para a composição de seu portfólio, mantendo títulos mais curtos, menos sensíveis a variações na taxa de juros para uso em eventuais emergências.

Ricardo Binelli - Diretor de operações da Petra Personal Trader CTVM Ltda rbinelli@gazetamercantil.com.br”

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