segunda-feira, 14 de junho de 2010

Eu, robô

Negociação automática com sistemas de algoritmos começa a ser oferecida por corretoras aos investidores pessoa física.

Valor Econômico

Por Antonio Perez, de São Paulo
14/06/2010

Dos replicantes de Blade Runner ao mundo virtual Matrix, o cinema sempre explorou a ideia de que a máquina um dia substituiria o homem nas atividades mais complexas. Aos poucos, o que era pura imaginação começa a ganhar contornos cada vez mais nítidos, pelo menos no mercado acionário. Depois de conquistar os fundos de investimento e os grandes investidores institucionais brasileiros, o uso de programas de computação baseados em algoritmos para negociação de ações começam a chegar às pessoas físicas.

Em geral, esses programas auxiliam os investidores a executar transações mais sofisticadas, que envolvem compra e venda simultânea de papéis e opções de ações (direito a comprar ou vender uma ação a um determinado preço em uma data futura). Para montar tais estratégias, o investidor tem que realizar rapidamente duas, três ou até quatro operações ao mesmo tempo, com a combinação exata de preços e quantidades.

É nesse ponto que os sistemas baseados em algoritmos entram em cena. Basicamente, o investidor define os parâmetros e alimenta o programa com informações como preços e quantidades desejadas. Em seguida, a ferramenta varre o mercado e, ao identificar as condições necessárias, pode avisar o investidor ou até disparar automaticamente as ordens para executar a operação. "Sem o sistema, o investidor dificilmente consegue fazer a transação na quantidade desejada e com o preço ideal", afirma Francisco Valente, gerente da mesa de negociação eletrônica da corretora Ágora, do Bradesco.

Ele explica que, com a adoção dos sistemas eletrônicos pelos investidores institucionais nos últimos anos, os preços de opções de ações passaram a oscilar com mais intensidade. "Hoje é tudo muito mais rápido, as oportunidade surgem e desaparecem em segundos", ressalta Valente.

Faz cerca de três meses, a Ágora começou a oferecer às pessoas físicas os sistemas de algoritmos já disponíveis aos seus clientes institucionais. Por ora, as operações são realizadas com o auxílio dos operadores da corretora. O cliente liga para a mesa de operações que insere os parâmetros da estratégia (preço e quantidade) no sistema.

O programa então verifica o mercado e, quando identifica uma oportunidade, executa as ordens. "A pessoa física já usa muito o algoritmo pela nossa mesa", conta Valente. "O cliente está cada vez mais percebendo o valor das ferramentas".

A Ágora acabou de lançar uma safra de algoritmos, com a possibilidade de acesso ao sistema pela internet. Além das estratégias usuais de arbitragem de ações e opções, haverá a ferramenta chamada Volume Weighted Average Price, que busca executar ordens a um preço médio próximo ao valor em que a ação foi negociada no período da estratégia.

Na corretora Coinvalores, as pessoas físicas passaram a ter acesso ao sistema de algoritmos da mesa de operações da corretora - desenvolvido pela empresa de tecnologia CMA - há cerca de dois meses. Além de oferecer a ferramenta, a corretora assessora os clientes na escolha de estratégias. "Nós ajudamos a identificar oportunidades e montar as operações", afirma Francisco Nogueira, operador da Coinvalores, que vem notando um interesse crescente pelo sistema de algoritmos. "Os investidores buscam mais essas operações quando o mercado vive momentos de instabilidade", ressalta.

Nas operações de arbitragem com ações e opções, os ganhos não dependem diretamente da valorização da bolsa. Segundo Nogueira, os adeptos são investidores já com experiência no mercado e valores elevados para aplicar. O valor médio das operações de arbitragem de ações, por exemplo, gira em torno de R$ 40 mil.

Há também ferramentas mais simples para a pessoa física, como o "Best Offer" desenvolvido pela CMA. O algoritmo programa o sistema para sempre manter a ordem de compra e venda do investidor em primeiro lugar no livro de ofertas. Se o investidor quiser, por exemplo, vender rapidamente um lote de ações da Petrobras, o programa reduzirá automaticamente o preço caso outro investidor incluia uma oferta de venda menor.

Algumas corretoras também já oferecem plataformas para que os clientes operem diretamente com sistemas de algoritmos. É o caso da LinkTrade, home broker da Link Investimentos. Por R$ 2 mil por mês, o cliente tem acesso à plataforma. "São pessoas físicas com mais recursos e vivência no mercado", conta Mônica Saccarelli, diretora do Link Trade. "Mesmo assim, realizamos cursos, já que não dá para oferecer um sistema desses sem educar o investidor", ressalta.

Mônica acredita que, em pouco tempo, haverá opções de estratégias com algoritmos diretamente na tela do home broker. A própria Linktrade já estuda alguns sistemas com estratégias mais simples e preços menores, acessíveis ao investidor. "O mercado de home broker ainda é pequeno no Brasil e os custos devem cair à medida que o número de investidores crescer", diz.

No Brasil, as transações com algoritmos respondem por cerca de 6% do volume negociado no segmento Bovespa, com predominância dos investidores institucionais. Nos Estados Unidos, as negociações automáticas já superam 70% do volume negociado. Mônica lembra que, dos 500 mil investidores cadastrados na bolsa, apenas metade opera frequentemente. "Quando esse número saltar para 2 milhões, por exemplo, os algoritmos serão usados com frequência", acredita ela.

A corretora Icap Brasil, filial da britânica Icap, promete lançar em três semanas o primeiro sistema de algoritmos para seus clientes. Será uma espécie de radar que identificará oportunidades de execução de estratégias com opções, seja em um mercado de alta ou de baixa. Caberá, contudo, ao investidor realizar a operação, disparando as ordens de execução no sistema.

Daqui a quatro meses, o cliente da Icap Brasil terá um sistema que identificará as oportunidades e, após a autorização dos clientes, executará as ordens. "O cliente pessoa física ainda não se sente à vontade em deixar tudo com a máquina", diz Paulo Levy, diretor da Icap Brasil e responsável pelo home broker da corretora, o MyCap.

O próximo passo, diz Levy, será deixar que a máquina execute automaticamente as ordens. O investidor vai apenas definir a estratégia, com preços e quantidades. A partir daí, o sistema identifica e executa as transações. "Quando a máquina fizer, não vai mais existir o estresse de ficar acompanhando", afirma Levy.

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