segunda-feira, 7 de junho de 2010

Acionistas perdidos

Valor Econômico

07/06/2010

Por Angelo Pavini, de São Paulo

Milhões de pessoas são acionistas e não sabem. Ou simplesmente esqueceram. Só da antiga Telebrás, o número de acionistas perdidos chega a 5 milhões, de um total de 12 milhões de investidores. A estimativa é de André Bernardino da Cruz Filho, diretor do Departamento de Ações e Custódia do Bradesco, banco que assumiu a responsabilidade pela escrituração dos papéis das teles - antes o trabalho de atendimento aos acionistas era feito pelo ABN Amro Real.

Além das teles, o Bradesco tem sob seus cuidados outros 2,5 milhões de acionistas inativos e 1,5 milhão de ativos de outras empresas para as quais presta serviços de atendimento ao investidor. "Somando tudo, temos 16 milhões de acionistas, dos quais 7,5 milhões inativos", explica Cruz Filho.

Mas quem são esses distraídos que esquecem que têm dinheiro? São pessoas que compraram planos de expansão de empresas de telefonia sem saber que tinham direito aos papéis, ou gente que adquiriu as ações de companhias, mudou de endereço e nunca atualizou seus dados junto aos custodiantes ou à empresa emissora. E há ainda os que já morreram e cujos herdeiros sequer imaginam que os papéis existam.

O problema maior é com os compradores mais antigos, pois até 1990 boa parte das ações era ao portador, ou seja, não carregavam o nome dos donos e eram negociadas pela troca dos certificados. Muita gente não trocou os papéis por falta de informação ou descuido ou mesmo por achar que não valiam nada - é preciso lembrar que a atenção ao minoritário é relativamente nova no Brasil. E muitas empresas foram absorvidas, mudaram de nome ou simplesmente faliram depois do milagre econômico dos anos 1970. Mas há casos mais recentes.

Em 2002, uma investidora, que pediu para não ter o nome revelado, comprou R$ 3 mil em ações da Petrobras. Os papéis ficaram custodiados no Itaú até 2004, quando a estatal transferiu-os para o Banco do Brasil. Na mudança, ela parou de receber os comunicados de juros e dividendos. Em 2008, olhando documentos antigos, ela encontrou os comunicados do Itaú e partiu em busca dos papéis. Nesse intervalo, a Receita Federal mudou o cadastro da investidora e errou seu nome. Ela conseguiu localizar os papéis no BB, mas, para regularizar a situação, teve de antes corrigir o cadastro na Receita, o que levou mais alguns meses.

Consultada sobre acionistas inativos, a Petrobras disse que tem ainda "certa quantidade de acionistas ao portador", mas que não é possível saber o número de investidores. São 30.525.758 ações preferenciais (PN, sem voto) ao portador, que representam, segundo a empresa, um percentual muito pequeno em relação ao total de ações. Considerando o preço da ação PN na bolsa hoje, em torno de R$ 30,00, esse total representaria cerca de R$ 900 milhões esquecidos há 30 anos. Já acionistas com dados cadastrais desatualizados representam aproximadamente 5% do total de 1 milhão de investidores, ou 50 mil pessoas. Em valores, representam 0,5% do capital social da Petrobras, ou R$ 390 milhões.

Na Vale, onde a parcela de investidores inativos é classificada como "ínfima", todo mês, uma ou duas pessoas procuram o departamento de acionistas da empresa para verificar se têm ações, informa a assessoria de imprensa da mineradora. "São pessoas que acham um documento do avô ou bisavô que morreu e vêm verificar se tem algum valor ou não", diz a assessoria, lembrando que boa parte delas são as antigas ações ao portador. Nesses casos, o departamento verifica a autenticidade dos documentos e, se comprovado que são verdadeiros, as ações são transformadas em nominais. No Banco do Brasil, que tem 344 mil acionistas, o total de inativos, ou com CPF cancelado pela Receita, é de 14 mil, com 754 mil ações, o que representaria R$ 20 milhões.

Mas o caso mais sério é, de longe, o das teles. Durante décadas, as empresas estaduais, e depois a Telebrás, venderam ações que davam o direito do dono ter uma linha telefônica. Mas, depois de dois anos de espera pela linha, ninguém sequer lembrava dos papéis, que valiam pouquíssimo, e nem procuravam os bancos para pedir as ações. Vendiam a linha, em geral por alguns milhares de dólares, e tocavam a vida, às vezes comprando outro plano de expansão.

Depois da privatização, a Telebrás remanescente virou uma casca vazia, mas os investidores receberam ações das novas empresas, na proporção do capital a que tinham direito. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), após as diversas operações de reestruturação que precederam a privatização, quem era acionista da Telebrás em maio de 1998 atualmente teria papéis da Telesp, Brasil Telecom, Tele Norte Leste/Oi, Contax, Embratel, Vivo e TIM.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page