segunda-feira, 29 de março de 2010

Aplicação sem fronteira


 

Valor Econômico

29/03/2010

Por Luciana Monteiro e Antonio Perez, de São Paulo

Os fundos multimercados locais começam a flertar com a possibilidade de investir parte do patrimônio no exterior. Apesar de a regra para as aplicações diretas de fundos no mercado internacional existir desde fevereiro de 2008, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Instrução 450, só agora a movimentação para aplicar lá fora em ações, moedas e títulos está ganhando força. Todos os fundos podem aplicar 10% de sua carteira no exterior, sendo que os multimercados podem chegar a 20%. O percentual sobe para 100% em fundos com aplicação mínima de R$ 1 milhão.

Esse atraso se deve, sobretudo à crise internacional. Quando os gestores começavam a se preparar para explorar o potencial externo, veio a quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, derrubando os mercados mundo afora. Com as finanças dos países desenvolvidos em frangalhos, os gestores preferiram apostar na retomada da bolsa local, já que o Brasil estava distante do epicentro da crise. Agora, depois de concretizada a expectativa de forte recuperação do mercado brasileiro, já é possível garimpar oportunidades lá fora.

A onda dos multimercados com uma pitada de ativos estrangeiros abrange tanto assets independentes quanto gestoras ligadas aos grandes bancos. Uma das que estão investindo ativamente no exterior é a Ashmore, com o multimercado Ashmore Brasil 30. A gestora concentra as operações em divisas de mercados emergentes, apostando na alta das moedas asiáticas e buscando proteção (hedge) na lira turca, com posições vendidas.

No Brasil, os fundos multimercados geralmente ficam limitados a quatro classes de ativos - bolsa, juros, câmbio e dívida externa -, o que faz com que andem na maioria das vezes na mesma direção. "Quando se fala em operar ativos no exterior, as possibilidades são infinitas e começa-se a criar efetivamente diversificação", diz Eduardo Câmara, responsável pelo comitê de investimentos da Ashmore Brasil.

Para aplicar lá fora, os gestores usam basicamente dois caminhos. O primeiro é o mais simples, fechando o negócio por meio de uma corretora do exterior. Outra forma é lançar uma espécie de fundo offshore, sediado em um paraíso fiscal, normalmente Luxemburgo, chamado de Sicav.

Ele tem cota diária, restrições de alavancagem e é listado na Bolsa de Luxemburgo. A asset, portanto, monta esse Sicav exclusivo, que comprará os papéis no mercado internacional. E o fundo aqui no Brasil adquire cotas dessa outra aplicação. A Ashmore, por exemplo, optou pela criação de Sicav em Luxemburgo.

A Quest Investimentos utiliza uma estrutura similar, com um fundo sediado no exterior. Ele abriga as aplicações de seus multimercados de gestão macro, que procuram ganhar com a tendência dos ativos. A gestora continua otimista com as commodities e tem apostas em moedas emergentes, como o won coreano e o dólar australiano.

Segundo Walter Maciel, diretor e sócio da Quest, a vantagem de aplicar lá fora é o acesso a outras classes de ativos que criam oportunidades de proteção mais eficientes. "Um exemplo é a possibilidade de comprar CDS (derivativo de crédito que protege contra risco soberano) na Europa por conta da crise da Grécia."

A Mirae Asset é outra que vem buscando oportunidades no mercado internacional, comprando ADRs (recibo de ações) na Bolsa de Nova York ou em mercados emergentes, como a Rússia. Todos os cinco fundos da gestora coreana - três de ações e dois multimercados - mantêm exposições no exterior. Mesmo no ano passado, com o mercado brasileiro em evidência, a gestora operou lá fora. No caso dos fundos multimercados Discovery Equity Focus e Balanceado, apesar de as carteiras terem o mandato de aplicar até 20% lá fora, o máximo na prática chegou a 12%. Hoje, está em cerca de 10%. Já no caso dos fundos de ações, como manda a legislação, o percentual máximo é de 10%.

A tendência é de que a diversificação com ativos externos cresça nos próximos meses, com os gestores tentando obter ganhos em um ambiente mais volátil, aponta Luís Roberto Zaratin Soares, superintendente de renda fixa da Bradesco Asset Management (Bram). A instituição deve lançar multimercados com aplicação de 20% no exterior até o fim do primeiro semestre, em um primeiro momento para os clientes do private banking. "Mas há demanda também no segmento de alta renda", diz.

Ele ressalta, contudo, que os fundos multimercados da Bram já operam há mais de um ano indiretamente no mercado externo - por meio de swaps e outros contratos derivativos - com ativos como euro, iene, contratos futuro de petróleo e ouro. "Depois que a bolsa chegou nesse patamar de 70 mil pontos, temos feito mais operações de arbitragem, e nossas aplicações lá fora só cresceram", conta Soares.

Apostando nos investidores que procuram ativos que não andem de mãos dadas com o mercado brasileiro, após a arrancada da bolsa em 2009, o banco Société Générale lançou este mês, em parceria com a inglesa Man Investments, um fundo multimercado de estratégia quantitativa, em que as operações são feitas por programas de computação baseados em algoritmos. "Devemos trazer novos fundos para o Brasil ainda no primeiro semestre.", diz Eduardo Yasuda Irie, responsável pela área de gestão de clientes do banco. "A tendência é de que surjam muitos multimercados com 20% lá fora nos próximos dois ou três anos"

Esta semana, o Itaú Unibanco lançou para o público private um multimercado que vai aplicar 20% do patrimônio em ações de empresas americanas de pequeno e médio porte. Segundo Ricardo Araujo Silva, responsável pela área de gestão de fundos internacionais do Itaú Unibanco, a ideia é oferecer ao investidor a oportunidade de aplicar em ações que não andem necessariamente na mesma direção que a bolsa brasileira e os maiores índices acionários americanos, como o Standard & Poor"s 500.

Silva diz que a demanda por um fundo que pudesse comprar ações no exterior surgiu com força no fim de 2008, auge da crise. "Muitos investidores acreditavam que as ações na bolsa americana estavam baratas, mas não tinham um veículo de investimento", lembra.

Ainda restritos ao segmento private, os multimercados com parcela do patrimônio no exterior devem chegar rapidamente à alta renda. Antes de aplicar em produtos com um pé lá fora, porém, o investidor precisa estar atento à experiência dos gestores, alerta Natalie Fusco, responsável pela área de wealth management da Link Investimentos. Ela lembra que aplicar em taxa de juros nos Estados Unidos é bastante diferente de investir em ações na Austrália, por exemplo. "Mas se o gestor tiver capacidade de aplicar lá fora, é uma opção interessante, dada a diversificação de risco", diz.

Nenhum comentário:

Locations of visitors to this page