quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Luiz Sérgio Guimarães

Valor Econômico

21/01/2010

Juro ignora efeito da aversão global e sobe

Para sintonizar-se com a feroz aversão a risco exibida ontem no mercado internacional, os juros deveriam ter caído no pregão de CDI futuro da BM&F. Afinal, se os EUA, como revelam os balanços do quarto trimestre do ano passado, não estão se recuperando com a desenvoltura imaginada e se a China se empenha em restringir o crédito, aumentará a possibilidade de os bancos centrais adiarem o início de movimentos de aperto monetário. O prolongamento de uma fase de crescimento moderado - conjugada com a queda de preço das commodities - favorece políticas monetárias mais frouxas. Apesar disso, os juros continuaram subindo na BM&F. A taxa do swap de 360 dias avançou de 10,43% para 10,45%. E o CDI para a virada do ano subiu de 10,32% para 10,33%.

O motivo para a autonomia doméstica de juros é a percepção de que a economia brasileira está se expandindo num canal próprio de alta, não inteiramente vinculado ao que acontece lá fora. Os dados algo decepcionantes do Caged não esmoreceram a sensação de que o Brasil crescerá mais do que a média dos emergentes, com exceção da China e da Índia. Mesmo tendo apontado o fechamento líquido (415,2 mil) de mais postos de trabalho do que o previsto (340 mil) pelos analistas, o Caged não sinalizou a interrupção da recuperação do mercado de trabalho. A consultoria LCA observa que no ano passado foram gerados 995 mil postos formais, resultado inferior ao observado em 2008 (1,452 milhão), "mas bastante significativo se levarmos em conta a importante retração sofrida pelo mercado formal entre novembro de 2008 e março de 2009". E se o crescimento brasileiro desacopla-se em certa medida ao que acontece nos EUA e na Europa, a onda mundial de valorização da moeda americana poderá produzir mais facilmente algum efeito inflacionário. O dólar fechou ontem cotado a R$ 1,7930, com acréscimo de 1,19%. Apenas nos 13 primeiros dias úteis do ano, a moeda avançou 2,87%.

Os players do mercado futuro de juros não ignoram que o "pass-through" cambial para os preços no varejo tende a ser amortecido pela queda das commodities, cuja oferta ao mercado interno cresceria se houvesse resistência à sua colocação nos mercados globais. Mas os analistas temem que o aquecimento do consumo leve a uma ampliação da importação de bens de consumo independentemente do preço em dólar. Como diz o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, se o déficit em transações correntes não é problema, a balança comercial preocupa. O déficit em conta corrente registrado em dezembro surpreendeu negativamente. Foi de US$ 5,9 bilhões, elevando para US$ 24,3 bilhões o rombo do ano. Para 2010, o BC projeta um déficit maior ainda, na casa da US$ 40 bilhões. Mas, como no ano passado, o deste ano será amplamente financiado pelo investimento direto, estimado na faixa de US$ 45 bilhões. Sem problema.

 

 

O quadro para a balança comercial não é tão reconfortante assim. Se ao crescimento das importações forem agregados o fator externo da aversão e o interno do ruído eleitoral, o dólar parece ter um potencial inquietante de valorização. A variável decisiva vem mesmo lá de fora. A moeda americana costuma se comportar de maneira desconcertante: ela assume como verdadeira a direção indicada pelo mercado externo e sobe ou cai assimetricamente em relação ao fluxo cambial. A lei da oferta e da procura não vale muito para o câmbio. Em teoria, o dólar deveria subir se falta moeda na praça e cair se sobra.

Na prática, o superávit ou o déficit do fluxo cambial são compensados pelas intervenções de compra do BC e pela contração ou expansão das posições registradas à vista pelos bancos. Na primeira semana do mês, o fluxo cambial foi negativo em US$ 1,77 bilhão, mas a reviravolta foi impressionante na segunda (superávit de US$ 1,86 bilhão) a ponto de na quinzena a balança cambial exibir saldo de US$ 95 milhões. Apesar dessa sobra muito pequena, o BC não teve dó: comprou US$ 783 milhões na primeira semana e US$ 476 milhões na segunda. Era para o dólar ter subido bem mais do que os 2,87%. Não subiu mais do que o indicado pela tendência externa porque os bancos decidiram reduzir suas posições compradas de US$ 3,39 bilhões para US$ 2,23 bilhões, pelos cálculos da corretora NGO.

Com modulações locais, a tendência do dólar vem das praças de câmbio desenvolvidas. Quem manda é o grande investidor insatisfeito com os balanços de bancos e corporações americanas e temeroso das consequências globais das tentativas empreendidas pelo governo chinês de furar a bolha de crédito.

Luiz Sérgio Guimarães é repórter de finanças

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