quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O desafio da educação financeira está em mudar atitudes

Valor Econômico

Haroldo Torres
10/12/2009

Quem nunca ficou enforcado no cartão de crédito ou no cheque especial? Quem conhece os truques da previdência privada? Quem sabe investir na bolsa de valores? Quem lê regularmente a seção de notícias econômicas nos jornais? Se você respondeu positivamente às quatro perguntas acima, sinta-se incluído entre o seleto grupo de brasileiros que possui um produto escasso e considerado de grande importância: educação financeira.

Além de sua óbvia relevância em países de baixa escolaridade como o Brasil, o tema da educação financeira se tornou uma preocupação global. Organizações tão diversas quanto a Financial Consumer Agency, do Canadá, o Banco Central da Áustria, a Comissão de Aposentadoria, da Nova Zelândia, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e a Financial Services Authority , da Inglaterra, estão diligentemente liderando programas de educação financeira.

A intenção é mudar o comportamento de consumidores superendividados, a mudança dos hábitos de poupança de longo prazo e o aumento do conhecimento sobre a grande gama de produtos financeiros atualmente existentes. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD) lançou recentemente um portal de informações (www.financial-education.org) que visa consolidar a experiência sobre o tema entre os diversos governos filiados.

Em tese, educação financeira deveria fazer parte do currículo básico de todo cidadão. Juros compostos, por exemplo, são essenciais para quem tenta construir um raciocínio sobre compras a crédito ou sobre investimentos de longo prazo. No entanto, a maioria dos brasileiros, mesmo os relativamente educados, não entende essa lógica. E, mesmo sem entender, as pessoas tomam decisões sobre esse tema o tempo todo. O que vale mais à pena: financiar três vezes no cartão ou comprar à vista? Como me organizar para quitar a casa própria ou o carro? Qual é a melhor proposta de seguro?

Recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Social anunciou que transformará, em parceria com a Caixa Econômica Federal, o cartão do Programa Bolsa Família (com 12 milhões de beneficiários) em uma conta corrente. Pela primeira vez, a população mais carente do Brasil terá acesso aos benefícios do cartão de débito, da poupança e, possivelmente, do crédito. Apesar dos méritos do projeto, como será que funcionarão esses produtos na mão de um usuário frequentemente analfabeto ou com baixíssima escolaridade?

Entre os especialistas, persistem muitas dúvidas sobre quais ações funcionam e quais não funcionam no campo da educação financeira. Afinal, uma coisa é dar informação e outra é mudar hábitos e atitudes.

Muitos sabem que não devem se endividar excessivamente, mas não resistem quando recebem uma boa proposta de crediário. Quase todos sabem que devem poupar para a velhice, mas são poucos os que se organizam efetivamente para adquirir seguros e planos de previdência privada. Como mudar atitudes? Essa é a principal pergunta do campo de educação financeira. Aliás, como fazer para mudar atitudes quando o varejo e os bancos nos bombardeiam diariamente com ofertas imperdíveis de produtos e serviços com prazos a perder de vista?

E se mudar atitudes é difícil na Austrália e no Canadá, no Brasil o desafio da educação financeira é dobrado, pois a população adulta tem apenas sete anos de escolaridade, em média. Por aqui, precisamos dar educação financeira para quem não tem educação formal. E o nosso tardio processo de inclusão bancária tende a complicar ainda mais essa dinâmica.

As experiências que vem da área de saúde relacionadas ao combate ao hábito de fumar, à promoção do uso da camisinha e ao emprego do cinto de segurança mostram que as iniciativas mais bem-sucedidas em termos de estímulo a mudanças de hábitos considerados socialmente inadequados possuem uma combinação de elementos tão sofisticados e elaborados quanto os das melhores campanhas de marketing de bens de consumo, levando em conta aspectos educativos, promocionais e repressivos.

Mas será que estamos preparados para uma legislação mais dura na área de comunicação de produtos financeiros, a exemplo da verificada com o cigarro e com remédios? Será que deveríamos passar a multar quem deixou o nome sujo pela terceira vez?

Independente da resposta a todas essas perguntas, tudo indica que a educação financeira é um tema que veio para ficar. Bancos, varejistas, governo, mídia e autoridades regulatórias terão de se posicionar sobre o assunto. Qual é a sua posição?

Haroldo Torres é economista, demógrafo e um dos dirigentes da PlanoCDE, empresa especializada em projetos para a base da pirâmide

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

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